Há
pouco tempo, o think tank canadense
Fraser
Institute divulgou um estudo que
compara os sistemas de saúde canadense e alemão.
Ambos
são universais na sua cobertura, porém divergem em um aspecto fundamental:
enquanto o canadense é totalmente financiado pelo governo, o alemão possui um
financiamento misto, baseando-se em um
sistema de seguro obrigatório.
O
estudo é claro: o sistema alemão tem menos tempo de espera que o canadense
apesar de ter um gasto com saúde em relação ao PIB menor do que o deste último
(9,8% na Alemanha contra 12,5% no Canadá).
Em
geral, ambos os países apresentaram números aproximadamente semelhantes de médicos
(3 por 1.000 habitantes na Alemanha versus 2,6 no Canadá) e de enfermeiros (9,3
por 1.000 habitantes na Alemanha versus 10,3 no Canadá), de máquinas de
tomografia (14,5 por 1 milhão de habitantes na Alemanha versus 15,2 no Canadá)
e de ressonância magnética (8 por 1 milhão de habitantes na Alemanha versus 8,8
no Canadá). Em termos de leitos
hospitalares, a vantagem da Alemanha já começa a aparecer (4,8 versus 2).

Esses
números me estimularam a escrever esse artigo para apresentar um breve
histórico sobre a saúde pública universal no Canadá e na Alemanha, com as
particularidades de ambos os sistemas, salientando como cada um funciona — ou
não funciona! — e por que isso ocorre.
História
O
sistema de saúde alemão é apontado como o mais antigo do mundo com caráter
universal. Desde o começo do século XIX, alguns estados que hoje compõem a Alemanha
começaram a adotar sistemas públicos. No entanto, o grande salto foi dado a
partir de 1883 por Otto
von Bismarck, chanceler da Prússia e depois da Alemanha, de 1862 a 1890.
Entre
1883 e 1889, Bismarck fez passar no parlamento alemão um conjunto de
legislações trabalhistas que incluíam, além do sistema público de saúde (então
para trabalhadores de baixa renda), a aposentadoria para idosos, seguro para
acidentes de trabalho e seguro-desemprego.
Já
no Canadá, a província de Saskatchewan foi a primeira a implementar um sistema
universal de saúde, em 1946. Foi seguida
pela província de Alberta, em 1950. Em
1957, o governo federal aprovou um ato legislativo em que se responsabilizaria
pelo financiamento de 50% de programas de saúde instituídos por estas e outras
províncias.
Na
ocasião, foram estabelecidas 5 exigências: administração pública, abrangência,
universalidade, portabilidade e acessibilidade, que se constituíram como os
pilares do Ato de
Saúde Canadense, aprovado em 1984. Este ato proibiu que os pacientes fossem
diretamente cobrados pelos serviços médicos fornecidos, levando, na prática, à
socialização da medicina no país.
Seguro
obrigatório versus modelo de pagador único
A
maior parte dos sistemas europeus — e este é o caso da Alemanha — é
financiada por meio de um fundo misto, público e privado.
O
modelo adotado pelos alemães, em especial, é denominado de seguro obrigatório.
A legislação obriga os cidadãos a adquirirem um seguro-saúde; porém, em alguns
pouquíssimos casos, é o próprio governo quem fornece esse seguro — por meio da
redistribuição de renda, obviamente.
De
qualquer maneira, 87,5% das pessoas são cobertas por um seguro-saúde público,
enquanto 12,5% recorrem ao setor privado. Os assalariados devem ter, no mínimo,
o seguro público. Para adquirem direito ao privado, os alemães assalariados devem
ser funcionários públicos (!), autônomos ou ganhar acima de 50 mil euros por
ano.
Depois
de passarem para o sistema privado, não é mais possível retornar ao sistema
público. Nesse modelo, os assalariados contribuem mensalmente com uma
porcentagem do seu salário. É dito que
uma parte é paga pelo empregador e outra pelo empregado, mas isso é um mero
eufemismo para descrever essa situação.
No
caso do Canadá, país em que o financiamento para a saúde advém em geral dos
impostos, há o modelo de pagador único. No Canadá, os hospitais são
particulares — ou seja, não são instituições públicas —, porém seus
profissionais são pagos indiretamente, em sua maioria pelo governo. A população é coberta pelo Medicare, que é o
maior programa de saúde do governo, embora existam outros. Menos de 30% dos
serviços de saúde são financiados particularmente, por não serem cobertos pelo
Medicare. Em geral são serviços odontológicos, cirurgias cosméticas, medicações
e serviços de optometria.
Por
volta de 75% da população é duplamente segurada: além do Medicare governamental,
há também os seguros particulares oferecidos principalmente por suas empresas —
no entanto, não há um sistema próprio de fornecimento de saúde; trata-se apenas
de outra maneira de os médicos receberem. Estes cobrem alguns dos serviços não
cobertos pelo Medicare.
E,
apenas para citar algumas inconsistências da suposta "universalidade", há
também instituições particulares que podem comprar acesso prioritário aos
serviços de saúde
Políticas
de saúde pública
Ao
analisarmos as políticas públicas de saúde na Alemanha e no Canadá, é possível
notar que ambas seguem óticas distintas.
A
primeira é orientada na concepção de von Bismarck, denominada bismarckiana,
enquanto a segunda é conhecida como modelo beveridgiano. A diferença entre
essas duas concepções pode ser observada no caráter, na forma de contribuição e
no financiamento desses sistemas.
No
primeiro modelo, temos uma contribuição individual. Neste modelo, aqueles que não podem
contribuir acabam sem o benefício (e a estes resta o apoio da família, da igreja
e outros tipos de caridade) ou recorrem a alguns programas governamentais paliativos.
Já
o modelo beveridgiano, por outro lado, não exige contribuição individual
anterior para a obtenção do benefício básico, bastando que a pessoa seja um
cidadão do país que adote este modelo. Seu financiamento se dá por tributos
gerais e incorpora, portanto, mecanismos redistributivos.
Recentemente, um artigo analisou 34 países do ponto de vista de seu
desempenho no ranking de consumo de saúde (dados de 2010) e observou que os
países que apresentam o sistema "bismarckiano" se saem muito melhor do que os
que são organizados pelo modelo de Beveridge.
E
por que isso ocorre?
O
sistema bismarckiano ao menos permite concorrência entre os fornecedores de
seguros. Consequentemente, os países que
adotam esse modelo tendem a ter um desempenho ainda melhor quando o
fornecimento de saúde está organizado de forma independente do fornecimento do
seguro para o seu financiamento — ou seja, quando serviços médicos e serviços
de planos de saúde não estão arranjados sob a mesma regulamentação.
Isso
explica também por que os planos de saúde brasileiros funcionam bem pior do que
os sistemas de seguro para outras eventualidades — como sinistro de
automóveis, por exemplo. Na segunda
situação, o paciente procura o profissional de sua escolha e é reembolsado
após o acionamento do serviço.
A
livre escolha do serviço de saúde permite um funcionamento mais próximo do
nosso modelo ideal de livre mercado, arranjo no qual a competitividade é
fundamental para garantir a qualidade da prestação do serviço e a redução dos
custos.

Já
o modelo beveridgiano, cujo exemplo é o Canadá, além do nosso SUS, não permite
que haja escolha entre os seguradores e tende a criar ineficiência, burocracia
sem limites e um serviço que geralmente não atende às necessidades do usuário.
No caso do SUS, a
situação é ainda pior que a do Canadá, pois o fornecimento da saúde é também
estatal, com hospitais do governo e médicos contratados como funcionários
públicos.
O
país com a melhor avaliação de sistema de saúde, por vários anos seguidos, é a
Holanda. De um lado, o governo holandês obriga
todas as pessoas a comprar um pacote mínimo de saúde de seguradoras
particulares. O fato de o serviço ser de
aquisição compulsória é um arranjo corporativista que faz a alegria dessas
empresas privadas. No entanto, tal
arranjo ao menos é melhor do que a estatização completa do serviço. No caso holandês, as seguradoras privadas competem
entre si por consumidores por meio da oferta de preços e serviços.
Do
lado negativo, as seguradoras não podem discriminar entre usuários, ou seja,
elas são proibidas de taxar usuários de forma diferenciada, de acordo com seus
critérios, ou mesmo de rejeitá-los. Além
disso, aqueles que não podem pagar o valor do prêmio recebem subsídios.
Do
lado positivo, os políticos e burocratas ficam longe das decisões operacionais
de saúde no país, o que sem dúvida é uma importante razão para a Holanda
despontar no ranking.
Conclusão
Quanto
mais próximo do livre mercado está um serviço qualquer, melhor será o seu
funcionamento e seu desempenho.
O
sistema alemão, que combina competição entre seguradoras privadas, contribuição
individual e livre escolha do consumidor — e que, como mostra o ranking, está
atrás apenas do holandês — tem realmente um melhor desempenho em relação ao
canadense, que é bem mais estatizado.
Isso
é refletido nas porcentagens de espera no pronto-socorro e de espera por
atendimento: 4% dos pacientes alemães esperam mais de 4 horas por atendimento
contra 31% dos canadenses.
Na
Alemanha, a espera por cirurgia eletiva raramente ultrapassa 4 meses; no
Canadá, esse mesmo tempo de espera afeta 25% dos pacientes. Além disso, 7% dos alemães esperam mais de 2
meses para agendar uma consulta com um especialista. No Canadá, essa porcentagem salta para 41%.
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