quinta-feira, 24 mar 2016
1. O Brasil é o país mais corrupto
do mundo.
Errado.
Não é uma questão de opinião; a afirmação de que o Brasil é o mais corrupto do mundo — tão em voga ultimamente — é objetivamente errada.
Existe um ranking internacional
que mede a corrupção e o Brasil está na posição 76 (em 168 países analisados).
Ou seja: na primeira metade da classificação e à frente de 93 países que são
ainda mais corruptos.
Talvez esta errada percepção venha do costume
de querer comparar sempre com países ricos. As pessoas viajam para países
ricos, são atualizadas sobre o que acontece na Europa e nos EUA, e lêem bem
menos notícias sobre África e Ásia.
Comparado à Dinamarca e à Nova
Zelândia, todo mundo é mais corrupto. Ter como ambição o nível de corrupção da
Dinamarca é bom, mas lamentar que o Brasil não seja a Dinamarca é no mínimo
injusto. Comparações mais adequadas seriam com países da América Latina ou com outros
países pobres ou de renda média.
O Transparency
International Index mostra que, na América do Sul, apenas Chile e Uruguai
são menos corruptos que o Brasil. Nenhuma surpresa. Entre os BRICS, só a África
do Sul é menos corrupta. Comparado a México, Indonésia e Turquia (México-95; Indonésia
- 88; Turquia - 66), o nível de corrupção brasileiro não é muito diferente do
desses países com nível semelhante de desenvolvimento.
2. O maior problema do Brasil é a
corrupção.
Não.
Segundo a FIESP, segundo o
relatório Brazil - Investment and Business Guide
e segundo as revistas Latin Trade e Forbes, o impacto da
corrupção na economia brasileira varia entre R$ 41,5 e R$ 69,1 bilhões por ano;
ou seja entre 1,38% e 2,3% do PIB (esses dados se referem a 2010).
Segundo um estudo da FGV, em
consequência das descobertas da Operação Lava-Jato, a economia brasileira
deixou de produzir R$ 87 bilhões em 2015,
similar aos percentuais dos relatórios acima. A corrupção tem um efeito
simbólico muito forte e toca a moralidade de todos nós, mas as boas análises
são aquelas racionais, analíticas e científicas, e não as emotivas.
O economista Samuel Pessoa pensa
o mesmo:
Mas o custo da corrupção é muito menor do que o que as pessoas imaginam.
O combate à corrupção, embora melhore o país, não fará aparecer recursos
vultosos do Tesouro nacional. O Estado brasileiro está mal dimensionado.
Arrecada menos do que gasta. E não porque está crescendo menos. Arrecada menos
do que gasta por um problema estrutural, que gerou expectativas ruins, que
geraram crescimento econômico baixo. O nó brasileiro hoje é o Estado.
O famoso economista Gordon Tullock ajuda a
explicar isso ao mostrar que geralmente se consegue um grande favor de um
político/burocrata em troca de uma propina relativamente pequena. Ou seja, levando-se
em conta a grande recompensa, a corrupção podia até ser maior. Mas não é maior
porque 1) a concorrência entre os burocratas reduz o preço das propinas
cobradas; 2) há uma falta de confiança entre corrupto e corruptor, os quais,
obviamente, não podem processar a outra parte em caso de desrespeito do acordo;
e 3) há a pressão da opinião pública.
Mas o que são os 2,3% do PIB perdidos pela corrupção?
Apenas os repasses do Tesouro para o BNDES — operação essa que utiliza o dinheiro de
impostos dos brasileiros para privilegiar os empresários
favoritos do governo — chegam a 9%
do PIB.
Banco do Brasil,
Caixa Econômica Federal (e
as pedaladas) e as mais
de 200 empresas estatais custam muito mais.
Redistribuição regressiva, guerra às drogas, violência,
intervencionismo, censura (politicamente correto, marco civil etc.), qualidade
do ensino e da saúde estatal, saneamento básico, ineficiência do judiciário e exclusão comercial dos
pobres (pelo protecionismo) são apenas alguns dentre problemas muito maiores.
3. Furar a fila é corrupção.
Não. Furar a fila é desonestidade, mas não é um ato de corrupção.
Defensores de políticos gostam de dizer
que o brasileiro não tem moral para reclamar, pois fura fila e cola nas provas.
Vamos desenhar as diferenças:
Furar a fila é desonestidade; pagar o
burocrata do guichê para pular a fila é corrupção.
Colar na prova é desonestidade; pagar o
professor para ter uma nota maior é corrupção.
Ter de explicar a diferença entre
desonestidade geral e corrupção é um indício de que a situação é muito grave.
Esta comparação descabida interessa apenas aos grandes corruptos do sistema
político. O objetivo é transmitir a ideia de que não somos melhores do que eles
e, por isso, não podemos reclamar.
Trata-se da desculpa perfeita para quem
está no poder.
4. É tudo culpa do jeitinho.
Não.
Os leigos, bem como um discurso popular
já enraizado em nossa cultura, tendem a pensar que as causas da corrupção são antropológicas
(cultura, honestidade, competência, gênero, nacionalidade, religião etc.).
No entanto, a Ciência Política e a
Economia são quase unânimes ao afirmar que as causas são sistêmicas (tipos de
regras, sistema de incentivos/desincentivos, estado grande,
intervencionismo, muita regulamentação, discricionariedade etc.).
Trata-se de uma questão de incentivos:
há regras e arranjos institucionais que incentivam comportamentos negativos. Havendo um sistema com essas características,
isso já é o suficiente para atrair pessoas dispostas a tudo.
Nada a ver com jeitinho. O
jeitinho é a consequência de um arranjo, e não a causa dele.
Os ingênuos acreditam que "é só substituir o corrupto por um
honesto". Só que é o carro que tem
de ser trocado, e não o motorista.
Os utopistas quiseram mudar a natureza do homem para criar o "homem
novo" (Lenin) e acabaram gerando apenas distopias. O necessário é construir um sistema que
incentive e recompense comportamentos virtuosos, uma arquitetura compatível com
a natureza humana. As pontes são construídas levando em consideração a lei da
gravidade. Quando as pontes caem, não
adianta culpar a gravidade; o erro está na estrutura.
Karl Popper já dizia: Não precisamos de uma fortaleza feita por homens
fortes; precisamos de uma boa fortaleza para evitar que homens fortes façam estragos.
5. Aumentar as penas é a solução.
Ajuda, mas não muito.
Por si só, aumentar sanções e penas,
apesar de satisfazer os ímpetos mais justiceiros, não resolve muito.
O único efeito seria o de fazer com que
menos pessoas estejam dispostas a correr o risco (maior) de recorrer à
corrupção. Consequentemente, isso
levaria a um oligopólio, em que só os grandes e experientes participariam, o
que tenderia a fazer com que o valor das propinas e do dinheiro desviado aumente.
6. A culpa é do poder econômico.
De certa forma, sim; mas o real culpado é outro.
Os grandes empresários tentam comprar
políticos porque eles têm algo poderoso a ser vendido: leis e regulamentações que
garantem privilégios a uns à custa do resto.
Tire este poder de barganha, e o motivo
para se comprar políticos acaba.
Por isso, é imperativa a necessidade de
se desburocratizar, desregulamentar e simplificar a legislação. Regras simples,
claras, gerais e universais impedem que os agentes econômicos comprem políticos
em troca de uma legislação específica que os beneficie em detrimento de seus concorrentes.
Neste sentido, a atual legislação —
que prevê "corrupção passiva" para os funcionários públicos e "corrupção ativa"
para o agente econômico — está totalmente invertida.
7. Limitar ou abolir o financiamento privado de
campanhas resolverá tudo.
Muito pelo contrário.
Quando se proíbe (parcialmente ou
totalmente) o
financiamento eleitoral privado, o que inevitavelmente ocorre é o
surgimento do mercado informal. Aquilo
que ocorre na economia privada quando há proibições — pense no mercado
informal de drogas e armas —, também ocorre na esfera política. Haverá ainda mais caixa dois.
O único sistema moralmente aceitável é
o financiamento exclusivamente voluntário — individual ou coletivo —, sem
teto e sem limite. Tornando tudo
totalmente legal e transparente, os doadores não têm motivos para fazê-lo
ilegalmente (e arriscar a prisão). E os
eleitores saberão quem financia quem.
8. Tem de fiscalizar tudo.
Doce ilusão.
Trata-se do notório problema de "quem regula o regulador".
Você quer controlar uma determinada
transação econômica, um leilão, uma relação entre duas ou mais pessoas. Ato contínuo, você nomeia alguém para
fiscalizar essa interação. Beleza.
Mas quem irá fiscalizar o fiscal?
O que irá acontecer é que a corrupção
irá se deslocar para a relação entre o fiscal e os fiscalizados. Haverá agora uma pessoa a mais envolvida na
interação — a qual não havia sido convidada —, o que fará com que o valor do
dinheiro gasto nesse processo aumente.
Questão meramente econômica.
9. Prender os responsáveis acaba com
o problema.
Ajuda, mas nem de longe resolve.
Quando se prende o chefe do tráfico,
surge outro em para ocupar o seu lugar. É apenas uma questão de tempo.
É perfeitamente justo punir os
responsáveis e recuperar o dinheiro, mas isso é diferente. Isso seria agir nos
sintomas, e não na raiz do problema. Sem
atacar a raiz — explicitada nos itens 4 e 6 —, iremos recorrentemente cair
nos mesmos erros.
10. A corrupção é a causa da crise
atual ou da pobreza
Faz até sentido: todos os países mais
corruptos são mais pobres (correlação), logo se pensa que a corrupção gera
pobreza (causalidade).
E, é fato, não deixa de ser verdade que
a corrupção gera uma perda de bem-estar, desestimula os investimentos
estrangeiros, e coloca o sistema em um círculo vicioso, do qual é difícil sair.
Mas o oposto também é verdadeiro: a
pobreza gera corrupção.
O economista Gymah-Brempong mostra
que a corrupção afeta os mais pobres, pois os mais pobres — por causa de sua
situação — estão mais sujeitos a se submeter a um ato corrupto. Um pobre, por exemplo, se chantageado por um
funcionário público, é mais propenso a aceitar a extorsão, seja por ter menos
opções para escapar, seja por talvez conhecer menos seus direitos, seja por
conhecer menos pessoas poderosas (advogados, jornalistas, políticos) para
defendê-lo etc.
Se um candidato propõe uma venda de
voto em troca de um emprego para seu filho, se você for relativamente rico,
você pode não precisar e não aceitar; mas se você for pobre e tal barganha
significar sua sobrevivência, então talvez você aceite, mesmo sabendo
perfeitamente que se trata de corrupção e de um ato imoral.
É por isso que a corrupção surge mais
facilmente em um bairro pobre, em uma zona pobre, em um país pobre. É por isso
que a pobreza gera corrupção.
Em tempo: não se está falando aqui que
os pobres não entendam ou não tenham moral, muito pelo contrário. É só uma
questão de necessidade material.
11. A corrupção é uma doença.
Não, ela é o sintoma.
Como visto acima, a corrupção é um dos
sintomas da pobreza.
O jurista peruano Enrique Ghersi mostra que a corrupção, mais do
que ser a causa do baixo crescimento, da pobreza e de outras situações
negativas, é o efeito, o resultado do protecionismo, do estado forte, e da
hiper-regulamentação.
Até mesmo Tácito sabia que "quanto
mais corrupto o estado, maior o número de leis".
A corrupção é o sintoma, o poder
político é a doença. É o que, 2000 anos
depois, os economistas Art Carden e Lisa Verdon demonstraram:
protecionismo e intervencionismo, ao concederem mais poder coercitivo aos
burocratas, aos "homens de sistema", geram mais corrupção.
O jornalista P.J. O'Rourke resume
tudo: "Quando comprar e vender se tornam atos controlados pela legislação, a
primeira coisa a ser vendida e comprada são os legisladores".
12. Corrupção legalizada não existe.
Existe sim, e todos são obrigados a praticá-la.
Se um funcionário do porto pede propina quando você importa uma carga de mercadoria, ou se um burocrata pede propina para você poder abrir sua loja, colocar uma placa comercial na sua vitrine, ou mesmo para colocar uma porta no seu prédio — qual a diferença disso para você ter de pagar uma taxa para obter autorizações e licenças da prefeitura?
Se você paga alguém para furar a fila e
entrar na frente dela, prejudicando todos os demais que estão lá atrás, isso é
corrupção. Porém, se você paga um
despachante que talvez tenha algumas "amizades" entre os funcionários públicos,
e com isso consegue agilizar o processo — igualmente prejudicando quem está
"lá atrás" —, aí é legal.
Agora tente explicar para um americano
o que é um cartório e o que é um despachante.
Veja se ele entende e veja se ele não pensa que se trata de corrupção.
13. Todos os tipos de corrupção são
economicamente ineficientes.
Considere a Coréia do Norte, ou um
campo de concentração nazista, ou um gulag. Tudo é proibido: é proibido entrar
produtos; é proibido o comércio interno. No entanto, se você se arriscar e
conseguir introduzir algum produto, o bem-estar da população irá aumentar.
Igualmente, suponha que há uma
legislação estipulando que, para alguém poder importar uma mercadoria, são
necessárias várias autorizações, licenças, taxas, documentos etc. Suponha também que tudo isso tenha um custo de
R$ 3.000.
Suponha agora que um fiscal da
alfândega peça R$ 1.000 para driblar tudo isso. O importador ganha, o
fiscal ganha e os clientes finais ganham (pois a mercadoria chega mais cedo e
vem mais barata). É um jogo em que todos
ganham.
O resultado econômico é positivo, o
bem-estar de todos aumenta. No fundo, é exatamente por isso que as pessoas
pagam: porque lhes é conveniente. Se não fosse, não pagariam.
Temos então 3 situações possíveis:
a) Ausência da legislação;
b) Presença de legislação e obediência total;
c) Presença de legislação e desobediência.
A situação "a" é a ideal e a que gera mais bem-estar. A situação "b" é a que gera menos bem-estar. Já a situação "c" é a segunda melhor.
Com isso, é possível entender que existem dois tipos diferentes de
corrupção: corrupção entre dois agentes políticos (o dinheiro que deveria ir
para o estádio de Manaus vai para a conta pessoal de alguém) e a corrupção
entre um agente econômico e um agente político (o exemplo da alfândega).
No primeiro caso, toda a sociedade foi fraudada, pois o dinheiro de seus
impostos, que foi recolhido para um determinado fim, foi parar na conta
bancária de um espertalhão. No segundo caso, mais dinheiro fica com seus
originários e legítimos donos; mais dinheiro fica com o setor produtivo. E isso é economicamente mais eficiente.
Se uma legislação é economicamente eficiente, então respeitá-la gera eficiência. Se ela não é economicamente eficiente, então respeitá-la
torna tudo mais ineficiente. (O supracitado estudo
dos economistas Carden e Verdon demonstra exatamente isso).
Já a questão jurídica sobre legalidade e ética é diferente. Pense em uma
legislação que, para você, é a mais ineficiente de todas. Agora imagine dois países, um onde ela é
plenamente respeitada, e outro onde todos a desconsideram. Faça uma análise
técnica, uma previsão: qual país crescerá mais?
14. A corrupção é uma patologia da
política.
Errado. A corrupção é a alma da política.
As pessoas se surpreendem e se indignam
com a corrupção porque, implicitamente, pensam que o dinheiro desviado deveria
ir para a merenda escolar das criancinhas, para os hospitais dos doentes, ou
para algum grande projeto de desenvolvimento nacional. Elas não imaginam que o
dinheiro estava indo para o estádio de Manaus, para a festa de Carnaval, para
alguma empresa amiga do alto escalão do governo, ou para uma ONG governista.
Ou seja, parte-se da premissa de que a
política visa pura e simplesmente o bem-comum, e que os políticos são serem
abnegados que pensam na coletividade.
Consequentemente, quando se descobre (quando
se descobre) que não é bem isso o que ocorre, ficam horrorizadas. E, ainda assim, continuam acreditando que tudo
não passa de um ato perpetrado por apenas um ou dois políticos safados, e que a
política em si é uma atividade boa e nobre.
A pergunta então passa a ser: quantos
"desvios" mais serão necessários para que essas pessoas finalmente entendam que
talvez esta seja a tendência e a essência da política, e que tais atos não são
um simples desvio de conduta, mas sim a regra geral?
Considere esta possibilidade: a política é simplesmente uma atividade
humana, a qual é empreendida por indivíduos racionais e com interesses próprios.
Eles têm desejos e ambições. Irão persegui-los legalmente e, às vezes,
ilegalmente. E, em alguns casos, serão
descobertos.
Isso é o que demonstram as melhores escolas de pensamento: a Escola
Austríaca, a Teoria da Escolha Pública, a Escola Elitista, o Realismo Europeu
etc. Quem conhece o básico destas escolas jamais se surpreende de forma
infantil quando estoura algum escândalo de corrupção. Ao contrário, aliás: consegue enxergar atos
similares à sua volta, porém tidos como perfeitamente legais.
15. A solução é mais estado e mais concentração do poder político.
Exatamente o oposto.
Mises, Hayek, Friedman, Bauer, Becker,
Colombatto, Blattman, Wallis, Anne-Krueger e muitos outros mostram que há
uma correlação positiva entre corrupção e
intervencionismo: mais protecionismo, mais burocracia, mais regulamentação;
mais intervencionismo, mais poder político, mais arbitrariedade — tudo isso
necessariamente gera mais corrupção.
Quanto maior a concentração de poder
político, maior a corrupção.
Vale repetir a frase de O'Rourke:
"Quando comprar e vender se tornam atos controlados pela legislação, a
primeira coisa a ser vendida e comprada são os legisladores".

Fonte: Revista Época