Nota do Editor
Nos números do PIB divulgados hoje, há algo bastante positivo que não foi ressaltado pela mídia: os gastos do governo estão caindo.
A queda chega a 5,7% no acumulado em quatro trimestres.
Isso significa que o setor privado (que cria riqueza) está se expandindo e o setor estatal (que esbulha riqueza) está se contraindo. Significa que a atividade econômica não só está crescendo com mais vigor do que o divulgado, como também está crescendo com mais qualidade.
O PIB privado está subindo e o PIB estatal está caindo.
Infelizmente, da maneira (errada) como o PIB é calculado, uma redução nos gastos do governo gera uma redução na taxa de crescimento do PIB, fazendo parecer que a economia cresceu menos do que de fato cresceu, o que leva a conclusões enganosas.
O fato é que uma redução nos gastos do governo não apenas não retarda o crescimento da produção de bens que satisfazem as demandas dos consumidores, como, ao contrário, pode acelerá-la, estimulando o crescimento de longo prazo, com reflexos positivos sobre renda e padrão de vida.
O artigo a seguir explica em detalhes por que é assim.
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Vamos direto ao ponto: quando o governo reduz seus gastos, a equação do PIB apresenta um resultado menor. Ou seja, matematicamente, corte de gastos gera uma queda no PIB.
Sim, da maneira como o
PIB é calculado, uma redução nos gastos do governo gera uma redução
na taxa de crescimento do PIB.
Por isso, economistas keynesianos dizem que uma redução nos gastos do governo pode representar uma "auto-mutilação"
para o governo federal e para a economia.
Eles estão certos quanto à primeira parte. De fato, seria uma auto-mutilação para o governo federal. Mas, por outro lado, seria algo extremamente benéfico para a economia do setor privado.
Ao contrário do que dizem os keynesianos, a redução nos gastos do governo
não retarda o crescimento da produção de bens que satisfazem as demandas dos
consumidores. Ao contrário até: pode acelerá-la.
Adicionalmente,
a renda real e o padrão de vida de produtores e consumidores no setor privado
irão aumentar como resultado direto
do declínio nos gastos do governo. A razão
desse aparente paradoxo está no método convencional que é utilizado para
calcular a produção real que ocorre na economia.
Eis
um exemplo simples.
O problema com o cálculo do PIB
Imagine
uma economia simples — por exemplo, uma ilha — cujo setor privado produz
1.000 maçãs por ano.
Agora
suponha que o governo dessa ilha tribute os produtores em 200 maçãs por ano
para sustentar sua burocracia e seu aparato de segurança nacional.
De
acordo com as contas tradicionais da renda nacional, as quais possuem profundas
raízes na teoria keynesiana, o PIB real dessa ilha será de 1.200 maçãs.
Ou
seja, o cálculo considera todas as 1.000 maçãs produzidas (antes dos impostos) e
que são parte consumidas (C )pelos
produtores, parte investidas (I) por eles
na plantação de novas macieiras, e parte pagas como impostos, mais as 200 maçãs gastas pelo governo (G) para
sustentar sua burocracia que está ocupada em fornecer o "bem público" da
segurança nacional. Supõe-se que a balança comercial — exportações (X) menos importações (M) — esteja em equilíbrio (ou então seja nula):
PIB = C + I + G + X - M
C + I = 1.000
G = 200
X - M = 0
PIB = 1.200
Em
outras palavras, o PIB real[1] da
ilha inclui as 1.000 maçãs voluntariamente produzidas (e que serão consumidas,
investidas e pagas como impostos) pelo setor privado mais o "valor em maçãs" da
segurança nacional, cujo valor é mensurado pelo seu custo de produção. Ou seja, as 200 maçãs arrecadadas por meio de
impostos compulsórios são integralmente gastas nos sustento da burocracia.
Agora,
suponhamos que, já no próximo ano, o governo decida reduzir pela metade seus
gastos com segurança nacional, pois concluiu que não há necessidade de manter
aparato tão grande em um lugar tão desinteressante. Suponhamos também que o corte de gastos seja
integralmente acompanhado de um corte de impostos. Agora, portanto, os impostos serão de 100
maçãs e, consequentemente, os gastos serão também de 100 maçãs.
Tudo
o mais constante, o PIB real cairá de 1.200 para 1.100 maçãs, uma vez que os
"serviços" da segurança nacional agora contribuem com apenas 100 maçãs para o
PIB.
PIB = C + I
+ G + X - M
C + I =
1.000
G =
100
X - M
= 0
PIB =
1.100
Mas
eis a primeira complicação.
As
1.000 maçãs foram voluntariamente
produzidas pelo setor privado.
Consequentemente, a produção das 1.000 maçãs é uma ação que
comprovadamente vale mais do que os recursos (tempo e esforço) utilizados em
sua produção. Caso as maçãs não valessem
mais do que seus custos de produção, não seriam produzidas.
Em
profundo contraste a isso, não há absolutamente nenhuma evidência de que os
consumidores e produtores privados consideravam que os serviços militares do
governo valiam mais do que o custo de produzi-los. Aliás, não há sequer evidências de que eles
valorizavam qualquer tipo de oferta de serviço militar.
Não
há como saber isso simplesmente porque os gastos militares do governo eram
financiados pela coerciva extração de recursos do setor privado, cujos membros
não tinham escolha. Sendo assim, não há
como eles expressarem sua real valoração deste "serviço".
Não há como calcular o valor real dos
serviços financiados por impostos
A
mesma conclusão é válida para qualquer empreendimento financiado coercivamente
pelo governo — como, por exemplo, a construção de um ambulatório nessa
ilha.
Na
ausência de transações e produção voluntárias, não há maneira efetiva de
determinar o valor de bens e serviços.
Os investimentos e serviços governo podem até ter algum valor para os
consumidores privados, mas não há nenhum método científico e objetivo de
mensurar esse valor. Com efeito,
assumindo-se que o governo desperdiça pelo menos 50% dos recursos que ele
gasta, o benefício líquido para os consumidores privados seria zero.
Utilizando agora o "Produto Privado Bruto"
Portanto,
por essas e outras razões, uma contabilidade da renda nacional que seguisse os
princípios da Escola Austríaca de Economia excluiria os gastos do governo do
cálculo da produção total da economia.
Sendo
assim, nessa ilha, o produto real — ou aquilo que os austríacos chamam de
"Produto Privado Bruto" ou "PPB"[2] —
seria apenas as 1.000 maçãs produzidas pelo setor privado. Os gastos governamentais de 200 maçãs para a
oferta de serviços militares (ou construção de ambulatório) são excluídos do
cálculo.
Mas
isso ainda está incompleto. As 1.000 maçãs
do PPB ainda superestimam os recursos que realmente estão à disposição do setor
privado, pois, dessas 1.000 maçãs, 200 maçãs foram forçosamente confiscadas
pelo governo e, assim, impedidas de serem utilizadas de maneira mais proveitosa
pelo setor privado, o qual poderia utilizá-las em novos investimentos ou
simplesmente consumi-las. Essas 200
maçãs foram desviadas para financiar atividades estatais que, do ponto de vista
dos produtores originais desses recursos (maçãs), podem ser vistas como um
desperdício.
Nesse
sentido, as 200 maçãs pagas como impostos podem ser vistas como uma
"depredação", uma "espoliação" da economia privada, e isso ainda não é
mensurado pelo PPB.
Sendo
assim, se incluirmos essa depredação, chegaremos àquilo que os austríacos chamam
de "produto privado remanescente em mãos privadas", ou PPR. O PPR é igual ao PPB menos a depredação total
(ou seja, os gastos do governo).[3]
Em
nossa ilha hipotética, o PPR será de 800 maçãs (PPR = 1.000 maçãs - 200
maçãs). Sendo assim, os gastos do governo
não deveriam ser adicionados à produção privada mas sim subtraídos dela para que se tenha uma sensação do padrão de vida
dos cidadãos privados que exercem atividades econômicas produtivas.
Portanto, temos que:
PIB = 1.200 (número divulgado pelo governo)
PPB = 1.000 (produção efetiva do setor privado)
PPR = 800
(produção que realmente fica com o setor privado)
Na prática, PPR = PIB - 2G
Reduzir impostos e gastos aumenta o
bem-estar
Baseando-se
na análise acima, quando o governo da ilha reduz seus gastos militares em 100
maçãs, e supondo que não haja nenhuma outra mudança, ele realmente irá reduzir
o PIB de 1.200 para 1.110 maçãs.
No
entanto, de uma perspectiva austríaca, o produto real (em termos de bens
produzidos e valorados pelos consumidores e produtores) permanece constante em
PPB = 1.000 maçãs. Mais ainda: o
bem-estar econômico dos produtores será significativamente majorado porque a
depredação sobre sua produção cai de 200 para 100 maçãs, fazendo com que o PPR
suba de 800 para 900 maçãs!
O
raciocínio é simples: dado que os gastos do governo equivalem na verdade a
depredações econômicas, eles devem ser subtraídos do cálculo do PIB. Ou
seja: do valor anual do PIB divulgado, subtrai-se os gastos governamentais duas
vezes. A primeira, apenas para tirar essa variável da equação, obtendo-se
assim o Produto Privado Bruto — PPB; a segunda, para levar em conta
todos os recursos que o estado tungou do setor privado, obtendo-se assim o Produto
Privado Remanescente, que representa a real criação de riqueza de uma
economia.
PIB = 1.100 (número divulgado pelo governo)
PPB = 1.000 (produção efetiva do setor privado)
PPR = 900
(produção que realmente fica com o setor privado)
E
ainda não acabou. Desse corte de
impostos de 100 maçãs, uma fatia provavelmente será investida na plantação de novas
macieiras, o que irá aumentar o estoque de capital e, consequentemente,
acelerar o crescimento econômico ao longo do tempo.
Mesmo
no curto prazo, é bem possível que já ocorra um crescimento positivo do PPB
devido aos "efeitos da oferta". Por
exemplo, o corte marginal nos impostos aumenta o "custo de oportunidade" do
lazer (ficar sem fazer nada de produtivo acaba representando uma oportunidade
perdida), e isso estimulará os produtores a trabalhar mais horas. A mão-de-obra do setor privado irá aumentar
ao ser integrada por ex-militares desempregados.
Sendo
assim, é possível que o PPB cresça de 1.000 para 1.075 maçãs (e,
consequentemente, o PPR cresça de 800 para 975 maçãs). Nesse cenário, o corte de gastos
governamentais de 100 maçãs será parcialmente contrabalançado por um aumento de
75 maçãs na produção privada. As
estatísticas do PIB irão mostrar um declínio menor do que o anterior, de 1.200
para 1.175 maçãs.
No
entanto, não obstante esse declínio nas estatísticas do PIB (que são economicamente
sem sentido), o resultado representaria uma bonança para a economia privada,
uma vez que a produção de maçãs, a renda real e o padrão de vida dos produtores
de maçãs, bem como sua capacidade de produzir mais maçãs no futuro, irão aumentar.
PIB = C + I
+ G + X - M
C + I =
1.075
G = 100
X - M = 0
PIB = 1.175
PPB = PIB - G = 1.175 - 100 = 1.075 (produção efetiva
do setor privado)
PPR = PPB - G = PIB - 2G = 1.175 - 200 = 975 (produção que realmente fica com o
setor privado)
Do
ponto de vista austríaco, portanto, o caminho para a saúde econômica imediata e
para o crescimento econômico duradouro passa por um maciço corte de impostos e
de gastos governamentais, em toda e qualquer área. Sim, isso é austeridade — mas austeridade apenas para o governo.
A
redução das depredações políticas na economia privada irá desencadear uma série
de benefícios presentes e futuros para os consumidores privados. E esses benefícios são virtualmente "grátis"
porque os recursos consumidos pelo governo em seu orçamento são, do ponto de
vista dos produtores privados destes recursos, praticamente um total
desperdício.
Cortar
profundamente os gastos do governo em, por exemplo, 25% não apenas iria
resolver o problema do déficit orçamentário, como também, e ainda mais
importante, iria estimular o crescimento de longo prazo, com reflexos positivos
sobre renda e padrão de vida.
O
real problema não é apenas o tamanho do déficit orçamentário por si só, mas sim as
depredações sobre a produção privada feitas pela totalidade dos gastos do
governo[4]. Sendo assim, um orçamento governamental total
de $4 trilhões e um déficit de $500 bilhões representam uma depredação muito
maior e muito mais danosa sobre a economia privada do que um orçamento de $2
trilhões parcialmente financiado por um déficit de $1 trilhão.
Para ver a comprovação empírica de toda a teoria acima exposta, veja os seguintes artigos:
O exemplo irlandês - como a redução dos gastos do governo impulsionou o crescimento da economia
Se o objetivo é limitar os gastos do governo, há um exemplo prático a ser copiado: a SuíçaOs cinco graves problemas com o PIB
[1] Por uma questão de simplicidade, estamos
ignorando a depreciação do capital nesta simples economia, assumindo que as
macieiras, após plantadas, vivem para sempre, jamais necessitando de manutenção
ou replantio. Logo, PIB real = PIB
nominal
[2] De novo,
desconsiderando depreciações, PIB = PPB
[3] Na prática, a depredação é calculada como
"gastos do governo" ou "receitas de impostos", o que for maior. Mas como a imensa maioria dos governos
incorre em déficits orçamentários, podemos ignorar essa complicação.
[4]
Obviamente, para se calcular a
depredação total sobre a economia privada, os gastos dos governos estaduais e
municipais também teriam de ser contabilizados.