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Economia

A "desindustrialização" foi intensificada pelos governos, mas é um fenômeno inevitável

As causas positivas e as negativas

07/03/2018

A "desindustrialização" foi intensificada pelos governos, mas é um fenômeno inevitável

As causas positivas e as negativas

Começarei primeiro afirmando minha posição. Em seguida, apresentarei argumentos para sustentá-la. E concluirei comentando o ponto realmente crucial, que é bastante ignorado nos debates.

O cenário

O enriquecimento econômico de uma sociedade é um fenômeno que, tipicamente, envolve a realocação de mão-de-obra: esta sai da produção industrial e vai para o setor de serviços.

Mas tal fenômeno, por si só, não gera uma redução na produção industrial.

O declínio da produção industrial observado em países como EUA e França nos últimos trinta anos se deve, em parte, à exportação de capitais (empresas que se mudam para outros países), mas principalmente ao intervencionismo governamental na forma de crescente burocracia e regulações sobre os negócios, leis trabalhistas mais rígidas que as asiáticas, carga tributária crescente, políticas educacionais ruins, problemas previdenciários e sindicatos agressivos exigindo privilégios crescentes.

Esse declínio não será interrompido, e nem muito menos revertido, por meio de mais intervenções governamentais -- mesmo que estas sejam criadas com o genuíno desejo de reindustrializar o país.

Agora, algumas considerações para sustentar essas alegações.

As causas

A realocação da mão-de-obra em uma economia em crescimento resulta majoritariamente da acumulação de capital e das mudanças de preferência de consumo da população.

Isso faz com que novos investimentos e ampliações da estrutura de produção da economia sejam uma constante. Tal fenômeno, por sua vez, exige que o setor dedique mais tempo à invenção de novos métodos, à preparação da atividade industrial, à coordenação e ao monitoramento das cadeias de fornecimento.

Nesse cenário, a demanda por mão-de-obra industrial de baixa qualidade diminui, e há um aumento na demanda por mão-de-obra industrial de alta qualidade. No entanto, o que realmente aumenta é a demanda por mão-de-obra administrativa, cuja função é gerenciar a logística das cadeias de fornecimento. Ou seja, aumenta a demanda por mão-de-obra especializada em resolver problemas.

O aumento da renda real da população afeta suas demandas e seu estilo de vida. Em vez de trabalhar longas horas, as quais geram apenas uma recompensa monetária, as pessoas cada vez mais passam a preferir atividades mais agradáveis que forneçam uma imediata recompensa psicológica e emocional. Daí a explosão de atividades artísticas, intelectuais e científicas nos países desenvolvidos, em detrimento do tradicional emprego industrial.

Assim, como consequência natural do crescimento econômico, a produção industrial declina em relação ao nível em que poderia estar caso continuasse atraindo mão-de-obra.

Mas isso, por si só, não implica uma redução na produção física industrial. Tampouco implica uma redução no faturamento das indústrias. A acumulação de capital e o progresso tecnológico tornam possível à indústria prosperar mesmo havendo menos pessoas empregadas nela. A Alemanha é um grande exemplo disso.

Nos últimos trinta anos, os capitalistas ocidentais investiram grandes quantias de capital nos países orientais. Essa realocação de capital, embora benéfica do ponto de vista da economia mundial, foi deletéria no curto prazo para o desenvolvimento industrial daqueles países ocidentais nos quais este capital teria sido aplicado não fossem os orientais.

Porém, os investimentos em capital nos países ricos caíram muito mais em decorrência da explosão de vários tipos de intervenções governamentais:

a) Os generosos benefícios assistencialistas diminuem os incentivos para se aceitar empregos industriais que pagam pouco e exigem muito.

b) Subsídios maciços para a educação universitária prolongam o período acadêmico dos jovens, reduzem a oferta de mão-de-obra industrial qualificada, e criam uma predisposição para a busca de atividades científicas, intelectuais e artísticas.

c) O arsenal de regulações fez com que, de um lado, os custos para se empreender se tornassem cada vez maiores; de outro, estimulou o rent-seeking e várias outras formas de se obter privilégios via conexões políticas. Hoje, essas regulações garantem o emprego de um exército de lobistas, advogados, contadores, auditores e conselheiros financeiros, tudo à custa do empreendedorismo tradicional.

O cerne da riqueza moderna

Tendo explicado tudo isso, passo agora para o ponto crucial: essas intervenções governamentais apenas aceleraram um fenômeno que sempre foi inevitável. A redução da mão-de-obra no setor industrial é um fenômeno natural e inexorável.

No mundo atual, e cada vez mais no futuro, o cerne da riqueza não está no setor industrial; o cerne da riqueza está no conhecimento

Mais especificamente, o conhecimento que é aplicado com o intuito de aumentar a riqueza das massas por meio dos serviços. Esses serviços podem ser digitais ou podem ser pessoais. Mas não são baseados na manufatura.

No mundo contemporâneo, a riqueza está na venda de ideias, na venda de eficiência, na venda de entretenimento, na venda da solução de problemas e, acima de tudo, na venda de qualquer método que permita reduzir os custos das matérias-primas, o custo do capital e o custo da produção.

Por isso, é de se esperar que a indústria tenha cada vez menos mão-de-obra empregada em serviços mecânicos e repetitivos, seja cada vez mais equipada por máquinas totalmente controladas por programas computacionais, e, acima de tudo, tenha uma demanda crescente por poucas pessoas capazes de apresentar idéias e demonstrar aptidão para solucionar problemas.

A mão-de-obra mais demandada pela indústria não será a do chão de fábrica (cada vez mais substituída por robôs), mas sim a do gerente capaz de administrar a logística, coordenar a cadeia de suprimentos e, acima de tudo, apresentar soluções para problemas.

Isso, em si, é ótimo. Utilizar mão-de-obra humana para fazer esforços repetitivos e puramente mecânicos é um grande desperdício de recursos escassos. O uso de máquinas e de inteligência artificial permite que a humanidade seja libertada do fardo do trabalho maçante e exaustivo, e passe a se dedicar ao conhecimento e à solução de problemas.

A participação da indústria na economia irá diminuir, assim como a quantidade de pessoas empregadas neste setor. Mas isso não significa que sua produtividade será menor. Ela será apenas mais eficiente.

Ao redor do mundo, as nações industrializadas terceirizaram sua base manufatureira de duas maneiras: ou transferiram suas indústrias pesadas para países estrangeiros extremamente pobres ou adotaram programas computacionais que não reclamam de fazer trabalho pesado (e o fazem com extrema eficiência). Os trabalhos passaram a ser efetuados com uma qualidade ímpar tanto por pessoas pobres em países estrangeiros quanto por robôs que estão se tornando cada vez mais eficientes em decorrência da adoção de melhores técnicas de produção e de melhores programações computacionais.

Essa tendência é irrevogável.

Por tudo isso, a riqueza, cada vez mais, estará na capacidade de apresentar soluções para problemas. No setor industrial, a riqueza estará com aquele que souber apresentar idéias para cortar custos, cortar preços e resolver problemas. Mas esses, por definição, serão uma ínfima minoria.

A quantidade de mão-de-obra humana empregada na indústria irá continuar diminuindo.

Conclusão

O gráfico abaixo mostra a participação da indústria no PIB dos países mais ricos do mundo.  A linha azul mostra a participação da indústria japonesa no PIB japonês; a laranja, a dos EUA; a verde, a da Finlândia; a vermelha, a da Alemanha; a preta, a da Holanda; e a vermelha grossa, a média mundial.

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Como se pode ver, o percentual de contribuição da indústria à produção econômica total vem declinando continuamente ao longo dos últimos 40 anos. Se o gráfico mostrasse mais 40 anos anteriores, o mesmo tipo de declínio seria perceptível.

Trata-se de um fenômeno mundial. Trata-se de um fenômeno irreversível. 

Essa tendência não pode ser interrompida -- e nem muito menos revertida -- por políticas industriais, as quais se resumem a protecionismo e mais gastos governamentais, tudo com base na espúria noção de que políticos irresponsáveis (e quase sempre sem experiência na área) sabem melhor como usar e investir os recursos escassos disponíveis. Tais políticas fracassaram completamente no passado, e fracassarão de novo no futuro.

Uma genuína reindustrialização requer simplesmente mais oxigênio para a indústria. Requer nada menos que a abolição dos obstáculos artificiais que as intervenções governamentais criaram ao longo das últimas gerações.

Mas, ainda assim, a indústria jamais voltará a ter a proeminência de antes. E muito menos os empregos.

Sobre o autor

Gary North

é Ph.D. em história, ex-membro adjunto do Mises Institute, e autor de vários livros sobre economia, ética, história e cristianismo. Visite http://www.garynorth.com

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