segunda-feira, 6 jun 2016
Como um argentino pró-mercado e pró-liberdade, tenho
um afeto especial pelo Chile. Tinha
menos de 10 anos de idade na primeira vez em que visitei Santiago. Já a última vez que estive lá faz relativamente
pouco tempo, em um congresso organizado pela Fundación
Para el Progreso, um instituto chileno que defende
o livre mercado.
O que ocorre com o Chile, e a mim especialmente, já que
me dedico à análise econômica "deste lado da cordilheira", é que tudo aquilo
que eu desejaria para o meu país, Argentina, parece estar funcionando ali.
Em minhas aulas de Comércio Internacional, sempre estudamos
a bem-sucedida experiência de abertura comercial observada no caso
chileno. A redução de barreiras
tarifárias seguida da assinatura de acordos de livre comércio permitiram ao
Chile se beneficiar do intercâmbio internacional, melhorando e aumentando os salários
reais dos chilenos. Tudo isso, adicionalmente,
ocorreu em paralelo a uma economia
em forte crescimento, baixas
taxas de inflação e a um também baixo
nível de desemprego.
Obviamente, isso nem sempre foi assim. Ao final da década de 1960, o país caminhava
firmemente rumo ao socialismo. Segundo o
The New York Times, Allende havia implantado
"um programa socialista de confisco e estatização de minas, bancos e
indústrias estratégicas; divisão e repartição de grandes propriedades rurais em
fazendas comunais; e controle absoluto de preços". Tais medidas, como o próprio Times reconhece,
"rapidamente resultaram em acentuados declínios na produção, escassez
absoluta de bens de consumo e inflação explosiva."
[N. do E.: adicionalmente, Allende centralizou e
nacionalizou a educação e o sistema de saúde, distribuiu benefícios para seus
aliados políticos e inflacionou alucinadamente a oferta monetária, o que levou
ao colapso de toda a economia e ao endividamento maciço seguido do calote. A inflação de preços, que
chegou a quase 800%, foi combatida com o típico e anacrônico recurso do
congelamento, o que deixou lojas e supermercados com prateleiras vazias, além
de gerar revolta em todos os proprietários e empreendedores do país.
Hoje sabe-se que havia até mesmo um projeto que
parece ter saído direto de um livro de ficção científica, levando ao paroxismo
tudo aquilo com que Marx sempre sonhou: uma economia centralmente planejada por um computador gigante.]
Porém, em meados da década de 1970, o rumo econômico
do Chile mudou. Abandonaram o socialismo
e migraram para um sistema de livre mercado — ao menos em comparação com seus
vizinhos regionais.
Os sucessivos governos do país perceberam a importância
do — e passaram a dar cada vez mais valor ao — equilíbrio fiscal (a dívida em
relação ao PIB chegou
ao exíguo valor de 5%; no Brasil, tal percentual é de 66%). Adicionalmente, além de darem independência
ao Banco Central, atribuíram-lhe a tarefa única de manter baixa a taxa de inflação
de preços, proibindo-lhe expressamente de emitir dinheiro para financiar o déficit
público.
Mais importante, entenderam que é o setor privado
quem gera crescimento e riqueza. Consequentemente,
foi adotado um sistema de baixos impostos e de pouca regulamentação econômica.
(A alíquota máxima do IRPJ era
de 15% até 1998; hoje está em 22%. No Brasil chega a 34%).
Essa maior liberdade, diferentemente do que
argumentam os intervencionistas que vicejam na América Latina, não gerou
nenhuma crise no país vizinho. Ao contrário:
catapultou seu PIB per capita, que, desde 1990, aumentou
2,5 vezes em dólares.
Não obstante, essa história de êxito não está passando
hoje por seu melhor momento. Ao contrário:
corre o risco de ser seriamente revertida.
Desde que assumiu a presidência, no início de 2014, Michelle Bachelet,
do Partido Socialista, vem trazendo fortes incertezas e inseguranças econômicas. Com um discurso longe do pragmatismo que a
caracterizou em seu primeiro mandato (de 2006 a 2010), a médica vem adotando
tons populistas cada vez mais radicais, insistindo na "necessidade" de tornar
todos os chilenos iguais e de "criar" uma sociedade mais "justa" mediante um
intervencionismo cada vez maior.
Essa guinada à esquerda se confirmou quando ela
conseguiu o apoio do Partido Comunista chileno, representado pela estudante Camila
Vallejo.
O discurso populista de Bachelet não ficou só nas
palavras. Ele se transformou em medidas. O Imposto de Renda de Pessoa Jurídica, como
dito, que já foi de 17%, hoje
está em 22,5%. Já entrou em vigência
uma reforma educacional, cujo objetivo é eliminar o lucro da educação privada. A meta final é acabar com o atual sistema de
vouchers e criar um sistema educacional completamente gerido pelo estado,
inclusive com educação universitária "gratuita" para todos, sistema
idêntico ao que existe no Brasil e na Argentina (e com resultados nada
invejáveis).
O atual sistema privado de saúde também está sendo
atacado. O objetivo declarado de
Bachelet é fazer com que a saúde seja gerida de forma socializada. As apólices e os prêmios que os trabalhadores
chilenos pagam individualmente para seus planos de saúde seriam socializados e transferidos
diretamente para os cofres do estado. O
objetivo é criar um sistema universal de saúde, algo que virou moda mundial.
Finalmente, já foi sancionada uma nova legislação laboral
(ver aqui e aqui) — que parece inspirada na da Argentina — concedendo enormes
poderes aos sindicatos (a base eleitoral da Bachelet) e, consequentemente,
reduzindo a produtividade da economia.
Os resultados não têm sido nada bons. Toda essa intervenção de cunho populista fez
com que a confiança dos empreendedores na estabilidade e na previsibilidade da
economia desabassem.
Os investimentos, que já haviam se contraído 4,2% em 2014,
no primeiro ano de Bachelet, voltaram a encolher mais 1,5% em 2015.
Essa retração nos investimentos afetou o crescimento
econômico. Nos 10 anos anteriores a este
segundo mandato da Bachelet, o PIB chileno vinha crescendo a uma taxa média de
4,7%. Com Bachelet, essa taxa caiu para
menos da metade, estando hoje em 2%.

Com investimentos em contração e com mais
incertezas, a inflação de preços vem subindo.
A taxa atual é mais que o dobro da vista no último ano de Sebastián
Piñera como presidente:

Com investimentos em queda e inflação em alta, o
desemprego inevitavelmente aumenta. Sob Bachelet,
a taxa saltou de 5,9% para previstos 6,80%, índices semelhantes aos vistos
imediatamente após a crise
financeira mundial.

E as perspectivas futuras não são muito melhores.
Obviamente, os defensores de Bachelet dirão que a desaceleração
se deve a fatores externos e à queda do preço do cobre. Mas seria excessivamente ingênuo — ou mesmo
mal intencionado — negar o efeito do populismo crescente e das incertezas que
ele gera sobre a economia do Chile. Nenhuma
economia cresce de maneira robusta sob promessas populistas. O populismo não apenas é incapaz de gerar
mais confiança e mais certezas nos empreendedores e investidores, como, ao
contrário, ele só faz reduzi-las.
Conclusão
Na Argentina, estamos hoje vivenciando as consequências
do populismo. Nossa carga tributária
está em torno de 40% do PIB. Temos educação
pública e gratuita em todos os níveis: primário, secundário e universitário. Como se não bastasse, os sindicatos têm um
papel preponderante e o mercado laboral é excessivamente rígido. Ademais, o afã de gastar mais do que se
arrecada levou o governo a seguidas crises fiscais, desarrumando inteiramente a
economia e fazendo com que o país — que já foi o décimo mais rico do mundo
— caísse sistematicamente de posição no ranking da riqueza mundial.
Quando, à luz desses resultados, me perguntam qual
modelo de país latino-americano devemos seguir, ou qual seria um projeto a ser
imitado, nunca tenho dúvidas de citar o caso chileno, como comentei no início
deste artigo. Espero que, à medida que o
tempo passe, eu possa continuar fazendo isso, e que a tentação populista no
país seja revertida.
Caso contrário, o Chile será também empurrado ao
abismo e passará a ser a mais nova vítima do populismo latino-americano, o qual
logrou apenas decadência e crise.