O principal livro de
Keynes,
A Teoria Geral do Emprego, do
Juro e da Moeda, está repleto de teoria econômica. Há apenas duas páginas contendo dados, e
Keynes ainda desqualifica esses dados dizendo que são "improváveis".
Em contraste, o novo
livro do francês Thomas Piketty, O
Capital do Século XXI, que é a sensação mundial do momento, é recheado de
dados. Ironicamente, Piketty se
considera um sucessor daquele mesmo economista cujos dados Keynes descartou
como improváveis: Simon Kuznets. Quase
todas as pessoas que realmente leram o livro admitem que o argumento teórico de
Piketty é fraco. No entanto, seus
defensores prontamente contra-argumentam: "Mas veja todos esses dados! Não dá para
argumentar contra todo esse volume de evidências históricas!"
O principal argumento
de Piketty é que a riqueza (que tende a se concentrar em poucas mãos) cresce
mais rapidamente do que a economia, de modo que aqueles que já possuem muita
riqueza vão se tornando cada vez mais ricos em relação a todos os outros.
Supostamente, esta seria uma característica inevitável do capitalismo.
(Se essa tese lhe soa
familiar, é porque ela realmente é: a teoria de Piketty é apenas uma repetição mais
atualizada do que Marx e Keynes já haviam dito, embora seja válido lembrar que
Keynes zombou da maioria das coisas ditas por Marx, classificando-as como
"embuste").
Mas qual seria então
a prova de que a riqueza cresceu mais rápido do que a economia?
Analisemos o gráfico
abaixo, que foi adaptado do livro de Piketty. A linha roxa é o retorno sobre o
capital e a linha amarela é a taxa de crescimento da economia mundial. A linha roxa
supostamente mostra como os ricos estão se saindo e a linha amarela, como o cidadão
médio está progredindo. Observe que as
partes de ambas as linhas localizadas na extrema direita do gráfico são
meramente uma projeção de Piketty, e não dados históricos.

Este gráfico é espantoso
por várias razões. Em primeiro lugar,
ele sugere que o capital apresentou um retorno de 4,5% ou mais, por ano, no período que vai do ano 0 ao
ano 1800. Este valor é insano. Por exemplo, se toda a raça humana houvesse
começado o ano 1 com uma riqueza total de apenas US$10, um crescimento composto
de 4,5% ao ano durante 1.800 anos faria com que, atualmente, fossemos mais de
um trilhão de vezes mais ricos do que realmente somos — lembrando que a
riqueza total do mundo foi estimada pelo Credit Suisse em US$241 trilhões de
dólares.
Esse valor de 4,5% de
retorno sobre o capital também é insano porque o próprio Piketty argumenta, e
muito corretamente, que todo o crescimento econômico ocorrido antes da Revolução
Industrial foi insignificante, o que significa que retornos tão altos para os
ricos simplesmente não são compatíveis com um crescimento tão ínfimo. A verdade é que, durante boa parte desse período,
os ricos estavam mais interessados em gastar ou em esconder suas riquezas a
investi-las, pois, naquela época, expor suas riquezas significava se tornar
suscetível a ser roubado — ou por bandidos ou pelo governo.
Por fim, se analisarmos
mais atentamente a parte mais atual do gráfico (1913 a 2012) e ignorarmos a
projeção feita para o futuro, veremos que as linhas também não dão sustentação à
tese de Piketty. A ideia de que, no
capitalismo, os ricos sempre necessariamente se tornam mais ricos em relação a
todos os outros simplesmente não é corroborada pelos dados que ele apresenta.
Já o gráfico seguinte
mostra a fatia da riqueza nas mãos dos 10% mais ricos da Europa ao longo do
tempo (linha azul-escura), a fatia de riqueza nas mãos dos 10% mais ricos dos
EUA (a linha verde clara), a fatia da riqueza nas mãos do 1% mais rico da
Europa (linha azul-clara) e a fatia da riqueza nas mãos do 1% mais rico dos EUA
(a linha verde-escuro).
Este gráfico também não
corrobora a tese de Piketty. Sim, a fatia
dos ricos cresceu desde 1970, mas só depois de ter caído acentuadamente antes.

Finalmente, o próximo
gráfico mostra a renda dos 10% mais ricos dos EUA ao longo do tempo em termos
da porcentagem da renda total do país.
Renda, neste caso,
inclui também os ganhos de capital, que, em termos práticos, não representam
renda verdadeira, mas sim apenas uma troca de um ativo por outro. E exclui as transferências de renda feitas
pelo governo, exclusão essa gera uma grande alteração nos resultados. Ainda assim,
mais uma vez, não se observa nenhum aumento inexorável na renda dos mais ricos
ao longo do tempo. Longe disso.

O que realmente vemos
no gráfico acima são dois picos para as pessoas de maior renda: um imediatamente
antes da crise de 1929 e o outro imediatamente antes da crise de 2008. Ambos os picos ocorreram justamente durante as
duas maiores bolhas econômicas da história americana, nas quais o Banco Central
americano, em conluio com o sistema bancário, estimulou a expansão do crédito e
criou muito dinheiro, o que gerou uma falsa e insustentável prosperidade. Ambas também foram eras que representaram o ápice
do capitalismo corporativista — também chamado de "capitalismo de compadrio"
—, no qual aquelas pessoas ricas que tinham conexões com os governos utilizaram
o dinheiro criado pelo sistema bancário para se tornar ainda mais ricas ou
simplesmente se beneficiaram de outras políticas governamentais que as
favoreciam.
Infelizmente, após a
crise de 2008, o ativismo dos bancos centrais ao redor do mundo inflou outra
bolha nos mercados de capitais. Isso
elevou a fatia da renda dos mais ricos novamente para o patamar de 50% da renda
total em 2012, baseando-se em dados foram disponibilizados após a publicação do
livro. Só que essa nova bolha também irá
estourar, o que derrubará a fatia da renda dos mais ricos de volta ao patamar
dos 40% observados em 1910, início do período analisado pelo gráfico.
Talvez a afirmação mais
surpreendente do livro de Piketty é a de que as burocracias governamentais terão
de ser reformadas para que possam fazer um uso mais eficiente de toda a receita
adicional que será gerada pelos novos impostos sobre renda e sobre a riqueza que
ele recomenda. A suposição é a de que o
controle governamental quase que completo sobre a economia seria o melhor
arranjo, ainda que esse mecanismo necessite de alguns ajustes para ser
definitivamente implantado.
Ludwig von Mises demonstrou, há quase
100 anos, que uma economia gerenciada pelo estado simplesmente não tem como funcionar, pois,
entre outros problemas, ela não é capaz de estabelecer preços racionais. Só uma
economia guiada pelos consumidores pode fazer isso. Os socialistas têm tentado refutar a tese de
Mises desde então, mas nunca conseguiram. Piketty deveria ao menos ler Mises.
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Para ver outro artigo
que refuta, com fatos e dados empíricos, a tese central de Piketty, leia este:
O que houve com
os ricaços da década de 1980?
Depois, leia isto:
Algumas frases aterradoras contidas no livro de Thomas Piketty