Esse site usa cookies e dados pessoais de acordo com os nossos Termos de Uso e Política de Privacidade e, ao continuar navegando neste site, você concorda com suas condições.

< Artigos

Economia

O milagre do mercado e a fé dos empreendedores

06/05/2015

O milagre do mercado e a fé dos empreendedores

Ludwig von Mises não gostava de referências ao "milagre" do mercado ou à "mágica" da produção ou a quaisquer outros termos que sugerissem que os sistemas econômicos dependem de que algum tipo de força que está além da compreensão humana.

Em sua visão, seria mais apropriado se entendêssemos racionalmente o porquê de os mercados serem responsáveis por estarrecedores níveis de produtividade, capazes de sustentar aumentos exponenciais da população e padrões de vida cada vez maiores.

Não houve milagre nenhum na Alemanha após a Segunda Guerra Mundial, ele costumava dizer.  A gloriosa recuperação foi resultado da lógica econômica.  O então ministro Ludwig Erhard simplesmente aboliu todos os controles que existiam sobre a economia e passou a permitir que esta operasse segundo as forças de mercado. 

Uma vez entendidas as relações entre direitos de propriedade, moeda estável, preços de mercado, estrutura da produção e divisão do trabalho, acaba-se todo o mistério; e então podemos observar a ciência da ação humana tornando possível a ocorrência de grandes feitos.

Mises estava certo ao dizer que o entendimento da ciência econômica não requer fé.  Entretanto, há várias ações efetuadas por indivíduos empreendedores que exigem fé (e Mises não discordaria disso) -- uma fé enorme, capaz de mover montanhas e erguer civilizações. 

Se aceitarmos a interessante descrição feita por São Paulo Apóstolo ("a evidência das coisas que não são vistas"), podemos entender o empreendedorismo e os investimentos capitalistas como atos de fé.

Todos aqueles que estão no mundo empreendedorial entendem isso.  Para conseguir se manter ativo, o empreendedor tem de praticar milhares de atos diários que envolvem a capacidade de prever um futuro incerto.  A realidade do mercado, porém, é cruel; o público consumidor pode levar seu empreendimento à bancarrota amanhã -- basta que eles não mais apareçam para consumir seus bens e serviços.

Isso é válido tanto para as microempresas como para a maior das corporações.  Não há certeza alguma em qualquer empreendimento.  Nada é garantido.  Cada empresa em uma economia de mercado está a apenas um pequeno passo da falência.  Nenhuma empresa possui o poder de obrigar as pessoas a comprar aquilo que elas não querem.  Todo e qualquer sucesso é potencialmente efêmero.

É verdade que o sucesso gera um lucro; porém, de modo algum o sucesso fornece um conforto.  Cada fatia de lucro que o empreendedor eventualmente tire para desfrute próprio estará saindo daquilo que, de outra forma, poderia ser um investimento voltado para o desenvolvimento do seu negócio.  Se o lucro virar consumo pessoal do empreendedor, seu empreendimento estará condenado.

E mesmo esse potencial investimento voltado para o desenvolvimento do seu negócio não irá garantidamente gerar algum retorno.  O sucesso estrondoso de hoje pode ser o fiasco de amanhã.  Aquilo que parecia ser um investimento sólido pode acabar se revelando apenas uma mania de curto prazo.  Aquilo que, baseando-se no histórico de vendas, parece ser algo extremamente popular entre as massas, pode, na verdade, ser um segmento de mercado já quase saturado.

Os imperadores podem descansar sobre os louros da glória; os empreendedores capitalistas, nunca.

O histórico de vendas e de receitas é uma estatística que fornece apenas um olhar para o passado, e nada mais do que isso.  O futuro nunca é visto com claridade; ele é visto somente através de um espelho que mostra o passado, e de forma confusa.  O desempenho do passado não é uma garantia de sucesso futuro; é simplesmente uma coleção de dados que nada pode nos dizer sobre o futuro. 

Se o futuro por acaso for igual ao passado, ainda assim as probabilidades não mudam -- da mesma forma que a probabilidade de uma moeda lançada dar coroa não aumenta só porque seus últimos cinco lançamentos também deram coroa.

Não obstante a completa ausência de um roteiro, o empreendedor-investidor tem de agir como se algum futuro já estivesse mapeado.  Ele tem de contratar empregados e tem de pagar a eles antes mesmo de os bens produzidos serem levados ao mercado, e bem antes de esses produtos serem vendidos e gerarem o primeiro lucro.  Equipamentos têm de ser comprados, aprimorados, modernizados, trabalhados e substituídos, o que significa que o empreendedor tem de pensar sobre os custos de hoje, de amanhã, de depois de amanhã, e assim para todo o sempre.

E os custos podem ser estonteantes.  Um varejista tem de considerar um incrível arranjo de opções envolvendo fornecedores e sistemas de comunicação, e se decidir entre todos eles.  É necessário pensar em uma maneira de avisar o mundo sobre sua existência.  E, não obstante um século de tentativas de se empregar métodos científicos para descobrir o que de fato açula o consumidor, a publicidade continua sendo apenas uma arte cultural, e não uma ciência positiva.  Mas trata-se também de uma arte que exige altos gastos.  Será que o empreendedor está jogando dinheiro no ralo?  Será que sua mensagem está de fato sendo ouvida?  Não há como saber de antemão.

E há outro grande problema: não há maneiras de se testar as causas do sucesso simplesmente porque não há como controlar perfeitamente todos os fatores e variáveis importantes.  Algumas vezes nem mesmo os empreendimentos de maior sucesso sabem exatamente por que seus produtos vendem mais que os de seus concorrentes.  Será o preço?  A qualidade?  O status?  A geografia?  A promoção?  As associações psicológicas que as pessoas fazem com o produto?  O quê, afinal? 

Ainda na década de 1980, por exemplo, a Coca Cola decidiu alterar sua fórmula, e passou a propagandeá-la como Nova Coca (New Coke).  O resultado foi uma catástrofe.  Os consumidores fugiram, ainda que os testes de sabor tenham comprovado que as pessoas preferiam o novo sabor ao antigo.

Se os dados históricos são tão difíceis de serem interpretados, pense no quão mais difícil é imaginar os possíveis resultados futuros.  O empreendedor pode contratar contadores, agências de marketing, magos das finanças e programadores de ponta.  Eles são técnicos competentes, mas de modo algum são especialistas em sobrepujar incertezas.  Ninguém é.  Uma analogia válida é a de um homem que está em uma sala totalmente escura e contrata pessoas para ajudá-lo a pôr um pé na frente do outro.  Seus passos podem ser firmes e resolutos, porém nem ele e nem seus ajudantes sabem ao certo o que está na frente deles.

"O que diferencia um empreendedor de sucesso das outras pessoas", escreveu Mises, "é precisamente o fato de que ele não se deixa guiar por aquilo que foi ou por aquilo que está sendo, mas, sim, porque ele organiza seus negócios com base em sua opinião sobre o futuro.  Ele vê o passado e o presente da mesma forma que as outras pessoas; no entanto, ele julga o futuro de maneira diferente."

É por essa razão que o hábito empreendedorial da mente não pode ser implantado por meio de treinamento ou educação.  Trata-se de algo inerente a um indivíduo, algo que foi cultivado por ele.  Não há comitês empreendedoriais, muito menos centrais de planejamento empreendedorial.

A incapacidade dos governos incorrerem no ato de fé empreendedorial é uma das várias razões por que o socialismo não tem como funcionar.  Mesmo que um burocrata possa olhar para a história e alegar que sua agência poderia ter construído um carro, uma parede ou um microchip, esse mesmo burocrata ficaria perdido se tivesse de prever como seriam as inovações futuras.  Seu único guia é a tecnologia: ele pode apenas especular sobre o que poderia funcionar melhor do que tudo o que está atualmente disponível. 

Mas essa não é a questão econômica: a real questão envolve saber qual é o melhor meio -- considerando-se todos os usos alternativos que podem ser dados aos recursos disponíveis -- de satisfazer os desejos mais urgentes dos consumidores, sabendo-se que há uma infinidade de possíveis desejos.

Isso é algo impossível de os governos fazerem. 

Há milhares de motivos para que um ato de empreendedorismo nunca seja praticado, e apenas um bom para que ele ocorra: esses indivíduos empreendedores, por terem uma capacidade superior de julgamento especulativo, estão dispostos a dar o salto de fé necessário para testar suas especulações contra todos os fatos de um futuro incerto.  E, ainda assim, é esse salto de fé que impulsiona nossos padrões de vida e aprimora a vida de bilhões de pessoas. 

Estamos cercados pela fé.  As economias que crescem estão impregnadas e infundidas de fé.

Mises que me perdoe, mas isso é um milagre.

 

Sobre o autor

Lew Rockwell

É o chairman e CEO do Ludwig von Mises Institute, em Auburn, Alabama, editor do website LewRockwell.com , e autor dos livros Speaking of Liberty.

Comentários (32)

Deixe seu comentário

Há campos obrigatórios a serem preenchidos!