segunda-feira, 16 nov 2020
Há um fenômeno ocorrendo
em comum nos países mais ricos e prósperos do mundo: os jovens afirmam ter sentimentos
positivos em relação ao socialismo.
Em uma pesquisa
de 2017, 51% dos millennials
se identificavam como socialistas, com adicionais 7% dizendo que o comunismo
era seu sistema favorito. Apenas 42% preferiam o capitalismo.
Em alguns casos, a defesa do socialismo ocorre
abertamente, como nos EUA, onde os jovens que
apóiam o Partido Democrata — principalmente Bernie
Sanders e Alexandria
Ocasio-Cortez — abertamente se auto-rotulam como
socialistas. Em outros, a defesa é menos explícita, como nos recentes
protestos do Chile.
Em comum, vemos jovens de países prósperos, que
vivem em meio a uma abundância nunca antes alcançada na história do mundo,
exigindo mais poder estatal, mais intervenções e estatizações, e menos
liberdade de mercado — o mesmo mercado que lhes forneceu toda esta abundância.
O que explica essa contradição?
É tentador dizer que todo o problema se resume a uma
completa ignorância tanto sobre economia básica quanto sobre história. De um
lado, tais pessoas não entendem como funciona uma economia de mercado (embora
vivam em uma); de outro, aparentam desconhecer
por completo o histórico
do socialismo.
De concreto, há uma total falta de apreço por quão rapidamente
suas condições materiais melhoraram.
A
armadilha nutricional
Em um passado não tão distante, as pessoas não "trabalhavam
duro", no sentido de longas e cansativas horas de trabalho. De certa forma,
elas trabalhavam menos do que nós atualmente. E era assim não pelos motivos que
os socialistas de hoje imaginam.
Não havia aquele cenário cor-de-rosa de "camponeses
felizes trabalhando poucas horas por dia nos campos, e então passando o resto
do dia no ócio e no lazer". Todos eles eram raquíticos, muito mal alimentados e
simplesmente não tinham energia para trabalhar duro. Longe de levarem uma vida
idílica, ver seus filhos sofrerem de desnutrição e estar fraco demais para
ajudá-los deve ter sido uma experiência tenebrosa.
Em seu livro A
Grande Saída, o vencedor do Nobel Angus Deaton explica a "armadilha
nutricional" que a população da Grã-Bretanha vivenciou:
A
população da Grã-Bretanha, no século XVIII e início do século XIX, consumia
menos calorias que o necessário para as crianças crescerem ao seu máximo
potencial e para os adultos manterem seus organismos em níveis saudáveis de
funcionamento, o que lhes impedia de efetuarem trabalho manual produtivo e
remunerativo.
As
pessoas eram muito magras e muito pequenas, talvez tão pequenas quanto nos períodos
de tempo anteriores.
Deaton explica como a escassez de nutrição afetou o
organismo da população. Os trabalhadores dos séculos anteriores não eram robustos;
um físico atrofiado era o que oferecia a melhor esperança de sobrevivência:
Ao
longo da história, as pessoas se adaptaram a uma escassez de calorias da
seguinte maneira: elas não cresciam e não ficavam altas. A atrofia corporal não
apenas é uma consequência de não ter muito o que comer, especialmente na infância,
como também corpos menores requerem menos calorias para seu sustento básico, e
eles possibilitam trabalhar com menos comida do que seria necessário para uma
pessoa mais fisicamente avantajada.
Um
trabalhador de 1,85m e com 90kg teria as mesmas chances de sobreviver no século
XVIII quanto um homem na lua sem uma roupa espacial.
Na
média, simplesmente não havia comida o bastante para alimentar uma população de
indivíduos com as dimensões físicas de hoje.
O britânico médio do século XVIII ingeria
menos calorias do que o indivíduo médio que vive hoje na África subsaariana. Como
eles não tinham o que comer, estes pobres britânicos trabalhavam pouco. Deaton
prossegue:
Os
pequenos trabalhadores do século XVIII estavam efetivamente aprisionados em uma
armadilha nutricional: eles não tinham como ser bem remunerados porque eram
fisicamente fracos, e não tinham como comer porque, sem trabalhar e produzir, não
tinham o dinheiro para comprar comida.
Johan Norberg, em seu livro Progresso, relata as
descobertas do historiador econômico e vencedor do Nobel Robert Fogel:
Duzentos
anos atrás, aproximadamente 20% dos habitantes da Inglaterra e da França simplesmente
não conseguiam trabalhar. Na melhor das situações, eles tinham energia
suficiente para apenas algumas horas de caminhada lenta por dia, o que
condenava a maioria deles a uma vida de mendicância.
E então, tudo começou a mudar. Deaton explica:
Com
o início da revolução agrícola, a armadilha começou a se desintegrar. A
renda per capita começou a crescer e, talvez pela primeira vez na história,
passou a existir a possibilidade de uma melhora contínua na nutrição.
Uma
melhor nutrição permitiu às pessoas crescerem mais fortes e mais altas, o que,
por sua vez, possibilitou aumentos na produtividade, criando uma sinergia
positiva entre aumentos na renda e melhorias na saúde, com um se apoiando no
outro.
A partir do momento em que o capitalismo realmente
se consolidou, as condições
de vida não apenas melhoraram sensivelmente, como todo o progresso ocorreu de
maneira acelerada.
E isso, paradoxalmente, começou a gerar as sementes
de sua própria destruição.
A
ignorância da história
Ao fim de minha carreira de professor, estudantes
universitários totalmente ignorantes sobre história já eram um fenômeno extremamente
comum. Eles desconheciam totalmente a pobreza abjeta na qual viveu a vasta
maioria da humanidade durante milênios. Eles simplesmente não acreditavam que o
passado pudesse ter sido tão brutal, como foi vivamente descrito por Matt
Ridley em seu livro O
Otimista Racional.
Pior ainda, quando expostos a evidências concretas,
alguns estudantes se recusam a questionar suas posições.
Sobre isso, quem melhor explicou o fenômeno foi a
sempre interessante crítica cultural Camille Paglia. Em uma entrevista
ao The Wall Street Journal, ela
afirmou que a atual juventude dos países mais ricos enxerga suas atuais liberdades
de escolha (inéditas na história da humanidade) e a atual riqueza de bens de
consumo à disposição (algo também inédito na história da humanidade) como um
fato consumado, como algo que sempre foi assim e que jamais irá mudar. Consequentemente,
eles estão desesperadoramente necessitados de um contexto mais rico e profundo
para a própria era que eles estão denunciando.
Diz ela:
Tudo
é muito fácil hoje em dia. Todos os supermercados, lojas e shoppings estão sempre
plenamente abastecidos. Você pode simplesmente ir a qualquer lugar e comprar
frutas e vegetais oriundos de qualquer lugar do mundo.
Jovens
e universitários, que nunca estudaram nem economia e nem história, acreditam
que a vida sempre foi fácil assim. Como eles nunca foram expostos à realidade da
história, eles não têm idéia de que essa atual realidade de fartura é uma
conquista muito recente, a qual foi possibilitada por um sistema econômico muito
específico.
Foi
o capitalismo quem produziu esta abundância ao redor de nós. Porém, os jovens
parecem acreditar que o ideal é ter o governo gerenciando e ofertando tudo, e
que as empresas privadas que estão fornecendo essas coisas em busca de lucro,
fornecendo produtos e serviços para eles, irão de alguma forma existir para
sempre, não importam as políticas adotadas.
Em outras palavras, indivíduos ignorantes sobre
história e economia acreditam que a abundância atual sempre existiu e sempre
foi assim.
Daí é compreensível que eles se sintam atraídos pela
idéia de um socialismo idílico: eles genuinamente acreditam que, sob o
socialismo, toda esta abundância será
mantida, mas agora simplesmente será gratuita para todos. Haverá MacBooks,
smartphones, roupas de grife, comida farta e serviços de saúde amplamente disponíveis
a todos, e gratuitamente. Como resistir?
Acreditando que poderão seguir usufruindo toda esta
fartura, eles sonham que irão conseguir ainda mais coisas caso haja um governo
redistribuindo para eles a riqueza confiscada de terceiros.
Paglia argumenta que a atual geração se esqueceu até
mesmo do passado mais recente.
Nossos
pais foram da geração da Segunda Guerra Mundial. Eles tinham uma noção da
realidade da vida. Já a juventude de hoje foi criada em um período muito mais
afluente. Mesmo as pessoas pobres de hoje têm telefones celulares, televisores,
meios de transporte e amplo acesso a alimentos diversificados.
Similarmente, Schumpeter também se preocupava com a hipótese
de que as pessoas vivendo sob a opulência passariam a ver sua situação como um
fato consumado, e assim preparariam o terreno para sua própria destruição.
Em seu livro Capitalismo,
socialismo e democracia, ele prognosticou que as sociedades capitalistas
seriam destruídas pelo seu próprio sucesso. Para Schumpeter, o capitalismo
"inevitavelmente" se transforma em socialismo.
Seu argumento, de maneira resumida, é o seguinte:
uma economia de mercado, com indivíduos fortemente empreendedores, gera um
grande crescimento econômico e aumenta acentuadamente o padrão de vida das
pessoas. Ironicamente, no entanto, a sociedade se torna tão próspera e tão
inovadora, que passa a ignorar a fonte de toda a sua riqueza, dando-a como
natural, corriqueira e automática. Pior ainda: torna-se abertamente hostil
a ela.
O empreendedorismo e o mercado enriquecem tanto a
sociedade, que as pessoas se esquecem do quão necessária e do quão frágil a economia
de mercado realmente é. Elas até mesmo começam a acreditar que os mercados
— e a ordem social e cultural que mantém os mercados funcionando — são
inferiores à burocracia estatal e ao planejamento centralizado.
Com o tempo, a sociedade acaba abraçando idéias socialistas.
Nas palavras de
Schumpeter:
Os padrões crescentes de vida e,
sobretudo, o lazer que o capitalismo moderno põe à disposição das pessoas que
têm emprego e renda. . . bem, não há necessidade de terminar esta sentença e
nem de elaborar aquele que é um dos argumentos mais verdadeiros, antigos e
enfadonhos. O progresso secular, o qual é visto como algo natural e automático,
em conjunto com a insegurança individual, que alimenta a inveja, é naturalmente
a melhor receita para alimentar a inquietação social.
Entretanto, todo esse processo de transformação
requer mais do que apenas a acumulação de riqueza: alguém tem de ativamente
insuflar hostilidade às instituições da economia de mercado. Esse papel é
desempenhado pelas
classes intelectuais, que frequentemente abrigam um profundo ressentimento
em relação às instituições empreendedoriais.
Os intelectuais incitam descontentamento entre um
crescente número de pessoas cuja riqueza, em última instância, depende da
produtividade do empreendedorismo, mas que, na prática, vivem majoritariamente
fora da concorrência do mercado. Pessoas mais jovens são particularmente
mais vulneráveis a esse preconceito anti-mercado, o qual é normalmente
instilado por meio de escolas e faculdades.
Segundo Schumpeter, portanto, o capitalismo poderia
se destruir a si próprio ao criar:
a) uma classe de intelectuais que vituperam o
progresso material e o individualismo e exaltam um eventual arranjo que seria
baseado no "bem comum" (o qual seria, obviamente, definido e organizado pelos
intelectuais), e
b) pessoas que aceitam como fato consumado aquelas prateleiras
de lojas e supermercados repletos da produtos de ampla variedade (como bem
disse Paglia).
Falando mais coloquialmente, nós nos tornamos gordos
e preguiçosos, e passamos a ficar obcecados com a distribuição de riqueza, e não
com os pilares sobre os quais sua criação é possibilitada.
E é a partir daí que as tragédias começam a ocorrer.
No caso do socialismo, elas tomam a forma
de homicídios em massa.
Conclusão
No final, não importa se o tipo de socialismo
defendido é idílico e bem-intencionado. Aquelas pessoas, normalmente
adolescentes ricos, artistas e intelectuais acadêmicos, que professam idéias
socialistas aparentemente não se lembram de como realmente era o mundo quando o
socialismo era realmente aplicado. É fácil defender idéias socialistas
quando se vive em um mundo opulento em que a comida é farta e barata. É fácil defender
o regime venezuelano morando-se em um país rico.
O fato é que, onde quer que tenha sido tentado,
desde a União Soviética em 1917 até a Venezuela atual, o socialismo foi um
desastre, não importa quais eram as intenções originais. Socialistas
sempre prometeram uma utopia marcada por igualdade e abundância. Em vez
disso, sempre entregaram tirania e inanição. Seus propagandistas sempre
devem ser sempre e incansavelmente cobrados por isso.
Como disse Thomas
Sowell, "O histórico de desastres do socialismo é tão
óbvio, que somente intelectuais poderiam ignorá-lo".