quinta-feira, 15 mar 2018
Se você perguntar a dez progressistas o que
significa justiça social, você terá dez respostas diferentes. E é assim porque
"justiça social" significa qualquer coisa que seus proponentes
queiram que signifique.
O "social" é um adjetivo mustelídeo, que
confere ao termo "justiça" ampla diversificação de significados.
Quase que sem exceção, sindicatos, universidades,
movimentos organizados, instituições de caridade e igrejas clamam que pelo
menos uma parte da sua missão é o aprofundamento da 'justiça social'. A
própria ONU criou o Dia
Mundial da Justiça Social.
Sucintamente, "justiça social" é um código
que designa coisas boas em prol das quais ninguém precisa argumentar — e
ninguém ousaria ser contra.
Isso incomodou imensamente o grande economista
Friedrich Hayek. Eis o que ele escreveu ainda
em 1976, dois anos após ganhar o Prêmio Nobel de
Economia:
'Justiça social' é uma das expressões
mais enganosas (e talvez por isso mesmo mais frequentemente usada) do discurso
político contemporâneo. Com efeito, trata-se de uma miragem, uma fórmula
ilusória que, por conter atrativos quiméricos, é constantemente utilizada pelos
políticos para conseguir que uma determinada pretensão seja considerada
plenamente justificada sem ter de dar razões morais para sua adoção.
Passei a acreditar que o maior serviço
que ainda posso prestar aos meus semelhantes é o de fazer com que oradores,
políticos, escritores, jornalistas e todos os pensadores responsáveis venham a
sentir, para sempre, total vergonha de empregar a expressão 'justiça social'.
Por que Hayek se sentiu tão incomodado por uma
expressão que possui uma conotação tão positiva e tão incontestável? Porque
ele conseguiu enxergar, como frequentemente o fazia, perfeitamente o cerne da
questão. E o que ele viu o assustou.
Hayek entendeu que por trás do oportunismo político
e da preguiça intelectual do termo "justiça social" há uma perniciosa
alegação filosófica: a de que a liberdade deve ser sacrificada em prol da
redistribuição de renda.
Em última instância, "justiça social" se
resume ao estado acumular poderes cada vez maiores com o intuito de "fazer
coisas boas". E o que seriam essas "coisas boas"? Tudo
aquilo que os defensores da justiça social decidirem esta semana.
Mas, em última instância, sempre está a causa da
redistribuição de renda.
Por isso, em termos gerais, pode-se dizer que, para
os progressistas, justiça social seria um sinônimo de "igualdade econômica". Progressistas
tendem a se ver como guerreiros em prol das igualdades raciais, de gênero e econômica.
A igualdade econômica é exatamente aquilo que passou a ser rotulado "justiça social".
Começam
as contradições
Mas seria realmente a igualdade econômica sinônimo
de justiça social?
Para começar, o ato de impor a igualdade é uma
medida, por definição, totalmente contraditória. Afinal, se todos são iguais,
então quem terá o poder de impingir a igualdade? E esses que usufruírem o poder
de impor e manter essa igualdade, como poderão ainda ser considerados iguais a
todo o resto? A imposição de uma igualdade requer uma desigualdade ainda maior.
Com efeito, quão realmente importante é a igualdade econômica?
Por exemplo, quem está em melhor situação: uma criança de família rica nascida
com severas deficiências mentais ou físicas, ou uma criança saudável filha de
pais pobres? Como essa "injustiça cósmica" pode ser resolvida por meio da igualdade
econômica?
É possível criar uma infinidade de perguntas que
mostram as inevitáveis contradições lógicas geradas ao se definir justiça social
como sinônimo de igualdade econômica.
Mas piora.
A busca por justiça social, por definição, equivale
a beneficiar um determinado segmento da população e a desconsiderar os
interesses de todos os outros indivíduos que não se encaixam neste grupo, mas
que ainda assim serão obrigados a arcar
com preço das decisões tomadas. Tal procedimento necessariamente envolve
tratar as pessoas de maneira desigual.
Por isso, os custos de se alcançar essa almejada justiça
social são cruciais. Afinal, o que é uma injustiça senão uma arbitrária imposição
de um custo — seja ele econômico, psicológico ou outro — sobre uma pessoa
inocente? E, se corrigir essa injustiça significa impor outro custo arbitrário
sobre outra pessoa inocente, também não seria isso uma injustiça?
Por último, a questão mais básica de todas: para que
tal igualdade econômica seja alcançada, um grupo com desigualdade de poder (o
estado) terá o privilégio de confiscar dos bem-sucedidos e redistribuir aos que
"ficaram para trás", até que todos fiquem iguais. O sucesso, por definição,
terá de ser punido. Consequentemente, a imposição da igualdade econômica significa
a abolição da liberdade.
Logo, sendo a liberdade a antítese da igualdade, não
seria um tanto ilógico acreditar que seria possível manter uma economia
funcionando sem liberdade? O padrão de vida de todos
— ricos e pobres — iria despencar. E aí a tão almejada igualdade econômica
dar-se-ia perante a igualdade da pobreza.
São perguntas às quais ninguém nunca respondeu com
honestidade.
Entra
a ONU - e piora tudo
De acordo com a doutrina da Justiça Social, quem tem
dinheiro tem muito dinheiro, e quem tem pouco dinheiro não tem dinheiro e
precisa de mais dinheiro. E não, isso não é uma caricatura. É
exatamente assim que um relatório da ONU sobre
Justiça Social define o termo:
Justiça social pode ser amplamente
entendida como a justa e misericordiosa distribuição dos frutos do crescimento
econômico. A justiça social não é possível sem fortes e coesas políticas
redistributivas concebidas e implantadas por agências públicas.
Vale a pena repetir essa parte: "fortes e
coesas políticas redistributivas concebidas e implantadas por agências
públicas".
Assim, justiça social é quando o governo toma o seu
dinheiro, ganhado honestamente por meio do seu trabalho e com o suor do seu
próprio rosto, e o entrega para terceiros escolhidos pelo próprio
governo. Já se você simplesmente quiser manter para si esse dinheiro, isso
é uma intolerável demonstração de ganância.
Isso levou o grande Thomas Sowell a fazer sua afirmação
antológica: "Nunca entendi por que é 'ganância' querer manter para si
o dinheiro que você ganhou com o suor do próprio rosto, mas não é ganância
querer tomar o dinheiro dos outros".
E piora.
O relatório prossegue e diz que: "aqueles que
hoje acreditam em uma verdade absoluta identificada com a virtude e a justiça
não são companhias desejáveis para os defensores da justiça social."
Tradução: se você acredita que verdade e justiça são
conceitos independentes da agenda progressista, então você é um inimigo
declarado da justiça social.
O mais curioso é que os maiores proponentes da
redistribuição de renda são os primeiros a não se submeter a ela, como bem
comprovou o caso dos "Panama Papers", em
que se descobriu que proeminentes políticos defensores da redistribuição de
renda enviaram seu dinheiro para paraísos fiscais, protegendo-o da própria
redistribuição que defendem.
Isso deu ainda mais significado àquele antigo
provérbio, que diz que "Muitos dos interessados na distribuição do bolo
querem sobretudo o controle da faca".
A condenação da liberdade
Na prática, defensores da justiça social querem que
todo e qualquer infortúnio, aflição ou desejo econômico seja resolvido por mais
um programa governamental criado especificamente para remediar esse infortúnio,
essa aflição ou esse desejo econômico.
A "justiça social" — como ratificada pela
ONU — atribui ao governo e seus burocratas a responsabilidade suprema pelo
bem-estar de cada indivíduo, tornando os funcionários públicos juízes supremos
dos direitos individuais. Ela coloca os políticos no centro da ordem
econômica.
Legisladores aprovam leis econômicas, governantes
adotam as regulações, os juízes as adjudicam, e os cobradores de impostos e a
polícia as impingem. O dinheiro assim coletado pode ser alocado tanto para
a redistribuição de renda, quanto para a saúde quanto para universidades quanto
para uma grande indústria que está em dificuldade e precisa de subsídios para
"manter os empregos". Tudo é uma forma de justiça social.
Em cada um desses casos, a "justiça
social" leva a uma expansão dos poderes do governo, dos políticos e dos
funcionários públicos, tornando todos esses os principais beneficiários do
sistema.
O ponto subjacente à justiça social, portanto, se
resume a uma impetuosa e radical condenação da sociedade livre. À medida
que as regulamentações e os poderes do estado se expandem, e o confisco da
renda aumenta, a liberdade do indivíduo encolhe.
Conclusão
Justiça social é, na melhor das hipóteses, simplesmente
um conceito moral, e não um conceito jurídico. Pessoas que voluntariamente doam
para instituições de caridade, ou que fazem elas próprias os atos caritativos, são
capazes de fazer os necessários julgamentos morais sobre quem realmente merece
sua ajuda e misericórdia. Já o governo — que nada mais é do que uma máquina burocrática
que toma dinheiro de uns para repassar a outros — simplesmente não tem como
fazer o mesmo.
Consequentemente, se realmente queremos ajudar aos
outros, deveríamos nós mesmos fazer o serviço. E se o governo quiser ajudar,
ele deveria fornecer mais abatimentos fiscais ou mesmo isenções para pessoas
que fazem caridade. Mesmo com as (poucas) deduções de hoje, ainda é muito caro
fazer doações caritativas.
Mas os justiceiros sociais não defendem isso, pois são
contra toda e qualquer redução de impostos para aqueles que eles chamam de "os
ricos".
No final, a invocação da justiça social sempre parte
do princípio de que "as pessoas certas" — alguns poucos ungidos —
podem simplesmente impor a justiça, a prosperidade e qualquer outra "coisa
boa" que você puder imaginar. E a única instituição capaz de impor a
justiça social é o estado.
Os auto-declarados defensores da justiça social
acreditam que o estado pode, e deve, remediar tudo aquilo que eles julgam estar
errado com o mundo. Qualquer um que discorde se torna automaticamente um
inimigo de tudo aquilo que é bom, belo e moral.
Consequentemente, o estado — ou seja, os políticos
— deve coagir esses desalmados a agir de acordo com o que é "socialmente
justo". E isso, como Hayek já havia profetizado, não mais é uma
sociedade livre.
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