A
compreensão dos efeitos econômicos de uma determinada medida não depende de sua
aceitação ou rejeição por alguma teoria jurídica.
A jurisprudência, a ciência política e o ramo científico da política não podem
oferecer quaisquer informações que possam ser usadas para uma decisão no que
diz respeito aos prós e contras de uma determinada diretriz política. Não
importa se esse pró ou aquele contra correspondam a alguma lei ou documento
constitucional, por mais venerável que este seja. A legislação do homem, quando
se mostra inadequada para suas finalidades, deve ser mudada.
Um
debate sobre a conveniência de uma determinada política jamais pode aceitar o
argumento de que essa política se opõe ao estatuto, lei ou constituição vigente.
Isso é tão óbvio que, não fosse pelo fato de ser frequentemente esquecido, não
precisaria ser mencionado. Conforme podemos observar em todas as
partes, os ideais de democracia
e igualdade estão dando origem a tentativas de abolir — ou limitar
severamente — a propriedade privada.
O intervencionismo
Intervenção é uma norma restritiva imposta
por um órgão governamental, que força os donos dos meios de produção e
empresários a empregarem estes meios de uma forma diferente da que
empregariam.
O
leigo em economia, ao perceber que aqueles empresários que supostamente
deveriam obedecer a determinadas regras estatais conseguem, frequentemente,
escapar às restrições impostas por estas regras estatais, tende a demandar
novas ações do governo. O fato de que o
sistema não funciona como supostamente deveria é atribuído, pelo leigo, ao fato
de que as regulamentações não estão sendo impingidas com a severidade
necessária; ou então que os órgãos fiscalizadores foram corrompidos.
O
próprio fracasso do intervencionismo reforça a convicção do leigo de que a
iniciativa privada deve ser ainda mais rigorosamente controlada. A
corrupção dos órgãos fiscalizadores não abala a confiança cega na
infalibilidade e na perfeição do estado; apenas provoca grande aversão pelos
empresários e capitalistas.
Entretanto,
a violação das leis economicamente intervencionistas não é um mal que tem de
ser erradicado para que se crie um paraíso na terra; não é um mal que nasce de
uma fraqueza humana extremamente difícil de ser exterminada, como os estadistas
tão ingenuamente proclamam. Se todas as leis intervencionistas fossem
realmente observadas, elas levariam a uma situação de absurdo. Haveria uma completa paralisia econômica. Todas
as engrenagens acabariam parando, emperradas pelo braço forte e inoperante do
governo.
Eis
um exemplo prático: agricultores e produtores de laticínios se unem para
provocar a subida do preço do leite. Vem então o estado, sempre interessado
no bem-estar social e pensando apenas no bem comum contra a ganância privada, e
coloca ordem na tramóia: o "cartel do leite" é dissolvido pelo estado, há a
criação de um teto para os preços do leite (os preços são, na prática,
congelados), e os produtores que fizeram cartel são criminalmente enquadrados
pelas leis anti-truste.
No
entanto, como o leite não ficou tão barato quanto os consumidores pretendiam,
as críticas se voltam contra as leis, que ainda não estão suficientemente
rigorosas, e contra as medidas tomadas pelo governo, que ainda não estão
satisfatoriamente severas. Como é muito difícil lutar contra a ganância
de certos grupos empresariais, que são prejudiciais ao público, faz-se
necessário reforçar e executar as leis implacavelmente, sem qualquer
misericórdia.
A
questão é que, se tal desejo fosse colocado em prática, a economia se
desintegraria. Se a política de congelamento de preços for efetivamente impingida,
o fornecimento de leite e seus derivados às cidades acabará sendo interrompido. Os produtores marginais de leite, aqueles que
produzem ao custo máximo, agora passarão a sofrer prejuízos. As receitas
de venda são inferiores aos custos de produção. Como nenhum agropecuarista
ou empreendedor pode continuar produzindo com prejuízos, esses produtores
marginais irão parar de produzir e vender leite no mercado. Eles irão
empregar suas habilidades e suas vacas em atividades mais lucrativas.
Eles irão, por exemplo, produzir manteiga, queijo ou carne.
Como
resultado, haverá menos — e não mais — leite disponível para os
consumidores. Isso, obviamente, é o oposto da intenção do governo.
Ele queria fazer com que fosse mais fácil para algumas pessoas comprar mais
leite. Porém, como resultado dessa interferência, a oferta de leite
caiu. A medida não só foi um fracasso para o governo, como também piorou
as coisas exatamente para aquele grupo de pessoas que o governo ansiava por
ajudar. A situação tornou-se pior do que seu estado anterior, aquele que
justamente estava tentando ser remediado.
Consequentemente,
pouco ou nenhum leite chegará ao mercado. O consumidor só conseguirá leite
se as leis forem burladas e o leite continuar sendo vendido a preços
não-tabelados — ou seja, para conseguir leite, o consumidor terá de pagar um
ágio pelo produto.
A
conclusão é que, se aceitarmos o antagonismo capcioso, criado pelos estatistas,
entre interesses públicos e privados, chegaremos à inevitável conclusão de que,
na realidade, o vendedor de leite que viola a lei é quem realmente está
servindo ao interesse público, ao passo que o funcionário do governo, ao manter
à força o preço tabelado, está, na verdade, agindo contra o povo.
Evidentemente,
o empreendedor que viola as regulamentações e os obstáculos estatais com o único
intuito de continuar produzindo não está, ao agir assim, fazendo considerações profundas
a respeito do "interesse do povo" (mesmo porque o "interesse do povo" é
monopólio dos estatistas). Ele está simplesmente se deixando guiar pelo
desejo de ter lucro — ou de, pelo menos, evitar o prejuízo que teria se
obedecesse às regulamentações.
A
opinião pública, que se mostra indignada com a "baixeza" de tal motivação e com
a iniquidade de tais atitudes, não consegue compreender que, caso os decretos
estatais fossem realmente impingidos, a economia sofreria uma crise de escassez
e desabastecimento generalizado, a qual só não ocorre por ser sistemático esse
desrespeito às ordens e proibições governamentais.
A
opinião pública espera que a imposição rigorosa das regulamentações
governamentais criadas "para a proteção dos fracos" seja a
salvação. Ela censura o governo apenas pelo fato de ele não ter
sido suficientemente forte para fazer aprovar todas as regulamentações necessárias,
e também por ele não ter confiado a execução das regulamentações aos
funcionários públicos mais capazes e incorruptíveis. Os problemas mais
básicos inerentes ao intervencionismo não são nem sequer questionados.
Aquele
que timidamente ousar duvidar da justificativa utilizada para as restrições
impostas aos capitalistas e empresários será ou tachado de mercenário a soldo
de poderosos grupos de interesse, ou então, na melhor das hipóteses, tratado
com olímpico desprezo. Até mesmo em uma simples análise dos métodos de
intervencionismo, aquele que não quiser pôr em risco sua reputação e,
principalmente, sua carreira, deve usar de muita cautela. Qualquer
um pode facilmente cair na terrível suspeita de estar a soldo dos interesses do
"capital". Qualquer um que recorrer a argumentos
econômicos não conseguirá escapar dessa suspeita.
Na
realidade, a opinião pública não está errada em suspeitar de corrupção em todos
os cantos do estado intervencionista. A corruptibilidade dos políticos e burocratas
é a própria base do sistema. Sem ela, o sistema se desintegraria e
seria substituído ou pelo socialismo ou pelo capitalismo. O liberalismo
clássico considerava melhores aquelas leis que propiciavam o mínimo possível de
poderes discricionários às autoridades executivas, desta forma diminuindo
arbitrariedades e abusos. O estado moderno, ao contrário, procura expandir
sua plenipotência — tudo deve ser deixado a critério de seus
funcionários.
Não
é o escopo deste ensaio investigar o impacto da corrupção nos costumes e na
moralidade do público. Naturalmente, nem os que subornam nem os que
se deixam subornar se dão conta de que é exatamente esse seu tipo de
comportamento que preserva o sistema que a opinião pública e eles próprios
consideram ser o mais adequado. Se, com efeito, são poucos os bens de
consumo que podem ser produzidos ou vendidos sem que se tenha de violar alguma
norma, a desobediência à lei torna-se um "mal necessário".
E aqueles indivíduos que gostariam que as coisas fossem diferentes são
ridicularizados e tratados pejorativamente de "teóricos".
Pode-se
dizer que o sistema intervencionista tornou-se suportável simplesmente por
causa do descaso dos responsáveis pela imposição das regulamentações.
[Nota
do editor: as regulamentações intervencionistas mencionadas neste artigo devem
ser vistas, à luz da atualidade, como abrangendo de tudo: desde as licenças
para se ter uma simples carrocinha de pipocas até as complexas exigências
burocráticas e tributárias para se montar uma empresa, passando por todas as
legislações ambientais e trabalhistas impingidas sobre todas as empresas, e culminando na própria possibilidade de sonegar impostos.]
Mesmo
as interferências do governo nos preços de determinados bens e serviços podem
perder seu poder destruidor caso os empreendedores do ramo consigam
"corrigir" a situação com lobby, dinheiro e persuasão. Todos concordam, porém, que seria melhor se não houvesse intervenção. O
problema é que, no fim, a opinião pública tem de ser atendida. O
intervencionismo é visto como um tributo que deve ser pago à democracia para
que um sistema minimamente capitalista possa ser preservado.
O
intervencionismo não pode ser considerado um sistema econômico que veio para
ficar. Ele é apenas um método para a transformação do capitalismo em
socialismo por meio de uma série de etapas sucessivas. Como tal, ele se
difere dos esforços feitos pelos comunistas que tentam implantar o socialismo
de uma só vez. A diferença não está no objetivo final do movimento
político; ela está principalmente nas táticas a que cada grupo recorre para
alcançar o mesmo fim que ambos ambicionam.
É
graças às brechas nas inúmeras regulamentações que as economias ainda conseguem
respirar. Mas esse "capitalismo de brechas" não é um sistema
sustentável. É apenas um pequeno alívio. Forças poderosas já estão
trabalhando intensamente para fechar essas brechas. Dia após dia a área
na qual a iniciativa privada é livre para operar vai sendo severamente
limitada.
Quase nada é feito para
se preservar o sistema de livre iniciativa. Existem apenas centristas
conciliatórios que acreditam ter obtido algum êxito por terem adiado por algum
tempo uma medida especialmente ruinosa. Eles estão em constante
recuo. Eles hoje toleram medidas que há apenas dez ou vinte anos teriam
considerado totalmente não aceitáveis. Daqui a poucos anos eles irão
aceitar tacitamente outras medidas que hoje consideram simplesmente fora de
questão.
O que precisamos não é nem de anti-socialismo nem
de anti-comunismo, mas de um endossamento positivo daquele sistema ao qual
devemos toda a riqueza que possibilita que hoje vivamos com mais conforto
do que os grandes nobres do início do século.