quarta-feira, 25 fev 2015
Você quer agressão estatal ou liberdade
individual?
"Amanhece
no Brasil. Quais liberdades o governo
nos tirará hoje?"
Esta
pergunta, adaptada de uma propaganda americana, nem sempre tem uma resposta
óbvia. A eliminação diária das nossas liberdades pelo governo é certa como o nascer
do sol, mas a maneira de fazê-lo pode ser tão sutil e ardilosa, que a maioria
das vítimas não conseguirá nem sequer correlacioná-la a essa perda.
Em
outras palavras, alguns atos do governo subtraem nossas liberdades de maneira
menos aparente do que outros. O valor dessa estratégia repousa na ignorância
econômica da população e permite ao governo expandir seu poder com uma mínima
perda de capital político. Ou até mesmo com ganho.
É
o modus operandi do populismo: angariar
apoio das mesmas pessoas que são diretamente agredidas por uma medida estatal,
explorando sua desinformação. O governo se alimenta da mentira.
Um
gritante exemplo de medida populista é a PL 1/2015,
sancionada pelo governador do estado de São Paulo, Geraldo Alckmin. Esta legislação concede isenção de tarifas no metrô,
nos trens operados pela CPTM e nos ônibus da EMTU aos estudantes da rede
pública e da rede privada que comprovarem baixa renda.
Os
responsáveis por esta medida a anunciam como a bem-aventurança dos estudantes,
uma vitória para a educação e a salvação da juventude paulista.
Esta
falsa soteriologia laica, que insinua ao povo que o governo é capaz de
salvá-lo, é uma das principais características do populismo, conforme nos
explica o politólogo francês Pierre-André
Taguieff em L'Illusion
populiste: de l'archaïque au médiatique (A
Ilusão Populista: do arcaico ao midiático):
A combinação do populismo-retórico com o
populismo-legitimação carismática encarna-se na figura do demagogo ou do
tribuno do povo, personagem que é, ao mesmo tempo, expressão, guia e salvador
do povo, e que se apresenta como homem providencial e realizador de milagres —
ou de um porvir maravilhoso.
O
demagogo em questão é Geraldo Alckmin e ele está tirando a liberdade dos paulistas. E, não se preocupem, isso rapidamente vai se
espalhar para outros estados.
À
luz da sólida ciência econômica, pode-se contemplar com horror alguns dos
possíveis e nefandos efeitos sócio-econômicos dessa imposição.
1) Injustiça social
Os
custos de operação dos sistemas de transporte não podem ser alterados por uma
canetada mágica dos burocratas — logo, terão de ser cobertos pelos usuários
que não gozam da isenção.
Os
preços das tarifas aumentarão para todas essas pessoas.
Teremos,
portanto, a bizarra situação em que um operário, um aposentado, uma empregada
doméstica ou um desempregado terão de arcar com os custos da passagem de um
rico estudante de medicina da USP, que prefere o ônibus ao carro para poder
jogar Candy Crush no trajeto.
Se
um militante marxista quisesse escrever um libelo sobre uma distopia elitista
"da direita neoliberal" (SIC), talvez lhe faltasse imaginação para conceber tal
cenário.
Lembremos
também que os preços das tarifas aumentarão muito mais do que qualquer pessoa
poderia prever. O motivo é que, com a
tarifa zero, a demanda dos estudantes por transporte público crescerá
desenfreadamente, aumentando também os custos de operação. Este aumento de despesas será repassado às
faxineiras e auxiliares de escritório.
Há
também aquele idoso que pega o ônibus para fazer hemodiálise, e aquela
costureira grávida de 6 meses, com dois empregos pra sustentar os outros 4
filhos. A bengala e a barriga serão
obrigadas a disputar espaço com as hordas de mochilas dos estudantes, na sua
nova modalidade de rolezinho motorizado. Talvez eu não precise mencionar as carteiras de estudante
falsificadas ou os assaltos para roubar as verdadeiras.
2) Distorção do setor educacional
Adiar
o ingresso no mercado de trabalho possui custos de oportunidade para um
indivíduo. Mas com o privilégio da isenção
nos transportes, eles serão mitigados à custa dos trabalhadores. Os alunos terão incentivos para prorrogar o
tempo de formação, aumentando os custos do ensino. Os estudantes cursarão menos disciplinas por
semestre e terão maiores índices de reprovação.
Haverá
ainda aqueles que se matricularão nas faculdades públicas apenas para gozarem
da tarifa zero. Ou pior: aqueles que
ingressarão em escolas privadas diversas todo semestre, não pagando uma mensalidade
sequer.
É
inegável que haverá um aumento artificial da demanda por matrículas. Nas escolas privadas, o resultado será o
encarecimento das mensalidades e a redução da oferta de bolsas. O impacto financeiro sobre os pobres será
devastador. Nas escolas públicas haverá
aumento artificial da concorrência por vagas, prejudicando aqueles que
realmente estavam em busca do diploma para poder trabalhar.
3) Diminuição da prosperidade
A
legislação imposta por Alckmin impõe ao próprio governo a necessidade de
implementar mecanismos de controle. Será
necessário verificar quem é estudante, quem está na rede pública e quem possui
baixa renda. Este aparato possui custos,
que serão arcados por todos os pagadores de tributos.
Como
se isso não bastasse, a necessidade de comprovar baixa renda para os alunos da
rede privada alimenta o banco de dados da receita. Isto não só diminui a privacidade financeira
das famílias em questão, como aumenta a
capacidade do fisco de cobrar tributos.
O
setor produtivo da sociedade, que é o setor privado, será ainda mais espoliado
pelo setor parasitário, que é o setor público. Com uma maior extração de impostos, haverá
menos acúmulo de capital e menos incentivos ao trabalho honesto. A perda de produtividade resultante será
refletida em menores salários e aumento de preços. O padrão de vida da população cairá (ou
deixará de aumentar).
4) Expansão do leviatã estatal
Este
é, invariavelmente, o objetivo de todas as políticas públicas. Por conivência dos governados iludidos, os
governantes costumam ser muito bem sucedidos em cumpri-lo.
Por
mais deslumbrante que sejam os discursos, é a concentração de poder o grande
incentivo dos membros do estado. Como
nos lembra o dramaturgo Friedrich Dürrenmatt: "as ideologias são desculpas para
nos aferrarmos ao poder ou pretextos para nos apoderarmos dele".
A
tarifa zero para estudantes possui um apelo populista inerente. Alheios aos efeitos acima expostos e
doutrinados pelo próprio ensino público que lhes confere isenção, os estudantes
idolatrarão ainda mais o governo. E não
se trata apenas de venerar o PSDB, mas a própria instituição do estado.
Assumindo
que H.L. Mencken
estava correto ao afirmar que um homem decente envergonha-se do governo sob o
qual vive, teremos uma diminuição da decência.
O
atual governo estadual gozará não só da formação de um curral eleitoral
favorável dentre os estudantes, mas principalmente dentre os oligopólios que
controlam a emissão de carteirinhas estudantis, e que terão lucros
exorbitantes. A medida de Alckmin não
deixa de ser, portanto, um suborno político.
A
legislação aumenta também o controle estatal sobre o setor de transportes. Valendo-se da mesma retórica demagógica
utilizada para sancionar a medida, o governo irá impedir uma hipotética
privatização do transporte coletivo.
Conclusão
Desestatizar
completamente o setor e privatizá-lo — refiro-me a torná-lo sujeito à livre
concorrência e não ao atual regime fascista de concessões, que apenas entrega
um monopólio a empresas privadas e as protege de qualquer concorrência — é a
única solução ética, funcional e eficiente para o problema do deslocamento de
pessoas.
O
transporte urbano é um serviço escasso, sujeito às mesmas leis econômicas que
vigoram no resto do Universo. Portanto,
deve ser provido pelos empreendedores no livre mercado e não por burocratas e
seus asseclas corporativistas.
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