segunda-feira, 24 nov 2014
À
medida que o primeiro-ministro do Japão vai transformando seu país em um
laboratório de ideias keynesianas, a trajetória da economia do Japão tem muito
a nos ensinar sobre o bom senso dessas políticas adotadas.
Dados
divulgados na semana passada mostram que a economia japonesa voltou para a
recessão após se contrair pelo segundo trimestre consecutivo. E, nos últimos quatro trimestres, a economia
japonesa encolheu
em três deles.
A
conclusão apresentada pelos apologistas do keynesianismo é a de que os eventuais
benefícios gerados pela inflação de preços — que saltou de zero
para 3,1% ao ano, em decorrência das políticas expansionistas do Banco
Central do Japão — foram contrabalançados, temporariamente, pelos efeitos
negativos gerados por um aumento
do imposto sobre vendas, ocorrido em abril deste ano.
Essa
lógica tortuosa já deveria servir como um claro indicador de que as políticas
eram ruins desde o início.
Embora
a economia do Japão já apresente uma estagnação há mais de 20 anos, as coisas
pioraram bastante desde dezembro de 2012, quando Shinzo Abe assumiu o governo e
implantou sua cirurgia econômica radical, batizada de Abenomics. Desde o início, seu principal objetivo era
desvalorizar o iene e criar inflação de preços.
Nesse front, seu êxito foi absoluto: o iene se desvalorizou 23%
em relação ao dólar e a inflação de preços, como dito acima, foi
"exitosamente" elevada de zero
para 3,1%, de acordo com as estatísticas do governo japonês.
Mas
não há nenhum mistério e nenhuma grande dificuldade em criar inflação ou
desvalorizar a moeda. Todo o necessário
é o governo aumentar a quantidade de dinheiro em circulação ou — como ocorre
na nossa era moderna — estimular os bancos a criar crédito eletronicamente,
nem que seja para financiar os déficits orçamentários
do governo. Esse "êxito" do governo
japonês não deveria ser nenhuma surpresa quando se considera o tamanho relativo
do programa de afrouxamento quantitativo implantado pelo Banco Central de
Abe.
Durante
os últimos dois anos, o Banco Central do Japão (BoJ) comprou títulos do governo
em uma quantidade equivalente a 7 trilhões de ienes por mês, o que é igual a
US$65 bilhões. Simultaneamente, o BoJ
anunciou sua intenção de praticamente triplicar seu ritmo de aquisição de ações
na bolsa de valores do Japão. De acordo
com a Nikkei's
Asian Review, o BoJ detém em seu portfólio aproximadamente 7 trilhões de
ienes em ações em ETFs de imóveis.
E
o que todo esse ativismo financeiro do Banco Central do Japão logrou? Além de uma inflação de preços acima de 3% (algo
que não
acontecia no Japão desde 1990), de um iene enfraquecido (o que, dentre
outras coisas, encarece sobremaneira as importações de petróleo), e de um rali
na bolsa de valores (o que beneficia majoritariamente os mais ricos), esse
ativismo financeiro aprofundou a recessão e aumentou a ameaça de uma
estagflação.
Supostamente,
um iene mais fraco deveria estimular as exportações e, com isso, ajudaria a
balança comercial do Japão. Só que
ocorreu exatamente o oposto. Em
setembro, o país apresentou um déficit comercial de 958 bilhões de ienes (o
equivalente a US$9 bilhões), o
27º mês consecutivo de déficits comerciais.
A deterioração ocorreu não obstante o fato de os preços das importações
terem encarecido substantivamente, o que deveria ter reduzido as importações e
estimulado as exportações. Mas não há
surpresa nenhuma nisso. Uma moeda
desvalorizada encarece as importações de recursos essenciais e indispensáveis,
como petróleo e matérias-primas. Um iene
mais fraco logrou apenas encarecer os dispêndios com esses itens essenciais,
afetando a balança comercial em vez de estimulá-la.
E
enquanto alguns grandes conglomerados japoneses atribuem ao iene desvalorizado
uma melhora em suas exportações, as pequenas e as médias empresas japonesas,
que vendem majoritariamente para o mercado interno, estão sofrendo com vendas
estagnadas ao mesmo tempo em que os preços dos combustíveis e das
matérias-primas só fazem aumentar. Eis
as maravilhas de uma desvalorização da moeda: ajudam os grandes e destroem os
pequenos e médios.
No
que mais, e ao contrário do que esperavam os keynesianos, a inflação de preços
— surpresa! — não está estimulando os salários dos japoneses. Em agosto, o Japão relatou que seus salários
reais (ou seja, ajustados pela inflação) caíram
2,6% em relação a 2013, o que representou o 14º mês seguido de
declínio. Isso simplesmente significa
que os consumidores japoneses hoje podem comprar menos do que podiam antes da
implantação da Abenomics. Não creio que
isso seja uma receita para a felicidade do povo.
Os
consumidores japoneses também estão tendo de lidar com o extremamente impopular
aumento no imposto sobre vendas, o qual subiu de 5% para 8% em abril deste
ano. O imposto sobre vendas foi elevado
com o intuito de impedir que o endividamento do governo aumentasse
descontroladamente em decorrência dos enormes estímulos fiscais implantados
pela Abenomics.
E
isso gerou uma situação paradoxal, a qual ilustra perfeitamente o atual estado
de descalabro que reina no debate econômico.
Os economistas dizem que o aumento de preços gerado por esse aumento de
impostos sobre as vendas foi o responsável pela forte queda no consumo. Correto.
No entanto, e curiosamente, esses mesmos economistas não aplicam essa mesma lógica para um
aumento de preços gerado por inflação monetária e desvalorização da moeda.
Segundo
eles, um aumento dos preços gerado por desvalorização da moeda e por expansão
do crédito irá gerar resultados distintos aos de um aumento de preços gerado
por um aumento dos impostos sobre as vendas.
Por quê? Eles não explicam.
Uma
das pedras fundamentais do pensamento keynesiano é a de que uma queda nos
preços gera recessão porque tal queda estimula os consumidores a adiar suas
compras: eles apenas ficariam em casa esperando que os preços caíssem ainda
mais. De acordo com essa teoria, até
mesmo uma queda anual de 1% nos preços já seria o suficiente para dizimar a
propensão dos consumidores a fazer compras.
Inversamente,
os keynesianos acreditam que preços crescentes irão estimular o consumo, e
consequentemente o crescimento econômico, uma vez que a carestia inspiraria as
pessoas a comprarem agora antes que os preços subam ainda mais no futuro. Ora, mas se os consumidores japoneses foram
claramente desanimados pelo aumento de preços em decorrência do aumento do
imposto sobre vendas, por que iriam eles se sentir estimulados a consumir caso
a carestia fosse decorrente de estímulos monetários?
Não
procure por explicações; não haverá nenhuma.
A realidade é que, como bem sabe todo e qualquer comerciante,
consumidores compram quando os preços estão baixos, e ficam em casa quando os
preços estão altos.
Não
obstante os resultados desanimadores do Japão, Abe continua recebendo o amor de
economistas ocidentais. Em uma
entrevista concedida ao The Daily
Princetonian no dia 6 de outubro, Paul Krugman, que se transformou na
principal tiete de Shinzo Abe, respondeu a uma pergunta sobre a economia
europeia dizendo que "a Europa precisa de algo como a Abenomics; só que apenas
a Abenomics ainda seria pouco. A Europa
precisa de algo realmente agressivo".
Trata-se
do procedimento padrão do keynesiano: se um estímulo não funcionou — aliás, se
ele gerou resultados opostos ao esperado —, então é porque ele não foi
agressivo o suficiente. O certo seria
aprofundá-lo ainda mais.
Quantas
outras notícias ruins geradas pelo experimento keynesiano japonês teremos de
esperar até que os keynesianos mudem de ideia?
Resposta: todas, pois eles não são suscetíveis à lógica.
Já
aquelas pessoas que ainda não estão cegados pelo dogma intervencionista
deveriam analisar bem o que ocorre no Japão para ver até onde a estrada dos
estímulos permanentes pode levar.
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Leia também: Um ano depois, quais os
resultados dos estímulos econômicos no Japão?