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Filosofia

A invalidez do positivismo lógico nas ciências sociais

14/11/2013

A invalidez do positivismo lógico nas ciências sociais

Introdução

A geração do conhecimento nas ciências sociais baseia-se na busca da compreensão da realidade dos fenômenos sociais, que são compostos de ação humana e interações humanas, e que são influenciados pelos fenômenos da natureza. Entretanto, nesse processo de compreensão, simplesmente não sabemos de que forma esses fenômenos -- físicos, químicos e fisiológicos -- afetam o pensamento humano, as ideias e os juízos de valor.  

O fato de humildemente reconhecer essa ignorância nos remete à necessária divisão do reino do conhecimento em dois campos distintos: o campo dos acontecimentos externos ou da natureza, e o reino do pensamento e da ação humana. Assim, o dualismo metodológico torna-se não uma preferência, um capricho, mas sim algo necessário na construção do conhecimento.

Com efeito, a ignorância da necessidade do dualismo metodológico levou os cientistas sociais, sejam eles da sociologia, do direito, da economia, administração e áreas afins, a advogar em prol de uma infinidade de explicações insuficientes e até mesmo contraditórias sobre a realidade social. Tal problema tem uma explicação: a metodologia incorreta utilizada na construção do conhecimento em ciências sociais.

Este artigo apresenta argumentos que provam a invalidez do atual método dominante utilizado nas ciências sociais (positivismo lógico) e apresenta uma alternativa metodológica.

Invalidez ou insuficiência de teorias estabelecidas a posteriori

O senso comum afirma que as teorias científicas são derivadas de maneira rigorosa da obtenção dos dados da experiência adquiridos por observação e experimento. Opiniões ou preferências pessoais, bem como suposições especulativas, não têm lugar na ciência. A ciência é objetiva e o conhecimento científico é um conhecimento confiável porque é um conhecimento provado objetivamente.

As proposições de observação que formam a base da ciência são seguras e confiáveis porque sua verdade pode ser averiguada pelo uso direto dos sentidos. Essa é a linha filosófica do empirista.[1] Em seu método, a ciência começa com observação, a observação fornece uma base segura sobre a qual o conhecimento científico pode ser construído, e o conhecimento científico é obtido a partir de proposições de observação por indução[2].

Entretanto, CHALMERS (1993) apresenta uma insuficiência acerca do empirismo/indutivismo. Ele afirma que os argumentos indutivos não são argumentos logicamente válidos tais quais os argumentos da dedução lógica[3]. É possível a conclusão de um argumento indutivo ser falsa embora as premissas sejam verdadeiras e, ainda assim, não haver contradição envolvida. Isso ocorre porque o argumento proposto para justificar a indução é circular. Ele emprega o próprio tipo de argumento indutivo cuja validade está supostamente precisando de justificação. Não se pode usar a indução para justificar a indução.

Além dessa inconsistência lógica, há limitações empíricas por parte do sujeito observador (cientista). Como o estabelecimento de teorias a posteriori exige observações finitas, o que leva à inferência de um mesmo fenômeno um número infinito de vezes (lei universal), como então julgar o número de observações relevantes? Além disso, como ter a certeza de quais fenômenos observáveis e instrumentos são relevantes num experimento? Como saber se uma variável observada está realmente isolada, por exemplo?

Logo, obrigatoriamente nas proposições de observação há a necessidade de uma teoria prévia para realizar esses julgamentos, o que compromete a isenção subjetiva do cientista e impossibilidade do objetivismo puro. Há também a deficiência dos sentidos humanos que podem comprometer as medições ou exposição das percepções por parte do cientista.

Houve, entretanto, na filosofia da ciência, uma solução provisória para o problema do empirismo/ indutivismo. Isso se deu pela argumentação, em níveis de probabilidade, da inferência de leis gerais a partir das observações particulares. Solução até certo ponto ingênua em se tratando de filosofia da ciência, já que seria contraditória à própria natureza da ciência, que é a produção de conhecimento universal.

Mas tal ingenuidade foi considerada como sendo relevante, e correntes metodológicas foram desenvolvidas sobre essa base. Talvez o segmento empirista desenvolvido nesse sentido mais destacável seja o positivismo lógico:

O positivismo lógico foi uma forma extrema de empirismo, segundo o qual as teorias não apenas devem ser justificadas, na medida em que podem ser verificadas mediante um apelo aos fatos adquiridos através da observação, mas também são consideradas como tendo significado apenas até onde elas possam ser assim derivadas. (CHALMERS, 1993, p.17)

Segundo esse método, a ciência progride por tentativa e erro, por conjecturas e refutações. Apenas as teorias mais adaptadas sobrevivem. Embora nunca se possa dizer legitimamente de uma teoria que ela é verdadeira, pode-se confiantemente dizer que ela é a melhor disponível, que é melhor do que qualquer coisa que veio antes.

Só que inevitavelmente o positivismo lógico traz consigo as mesmas inconsistências lógicas do empirismo.  Em relação à natureza desse método específico, ele apresenta duas inconsistências lógicas graves: a primeira acerca da falsificação/verificação de proposições contrárias e da verificação das proposições. A segunda é relativa ao estabelecimento de hipóteses que dá natureza metafísica ao positivismo:

(...) o critério de verificação para saber se uma proposição tem ou não sentido implica, por si só, uma proposição que não é verificável e que, portanto, carece de sentido e não é científica segundo o próprio critério. O critério positivista de verificação é tão-somente uma afirmação universal a priori, sem nenhum contato com a realidade empírica. Mas não somente isso: o positivismo se autodestrói porque o fato de significar não é algo empiricamente discernível. (...) o ato de verificação pressupõe um ato prévio de inteligência sem conexão alguma com o mundo exterior. (HUERTA DE SOTO, 2004, p.62).

Invalidez do positivismo lógico nas Ciências sociais

Por que o positivismo lógico continua sendo utilizado nas ciências naturais não é algo cuja explicação caiba aqui.  O que cabe é somente analisar sua relação com as ciências sociais, pois atualmente é o método dominante nessas ciências. Além de suas inconsistências lógicas que o credenciam como insuficiente, utilizá-lo nas ciências sociais torna o estudo inválido cientificamente por 3 motivos expostos por HUERTA DE SOTO (2004), a saber:

1. Os fatos que são objetos de investigação nas ciências sociais não são observáveis no mundo exterior. Um exemplo simples é o dinheiro. O método positivista não possibilita um maior conhecimento sobre ele; permite apenas afirmar ser uma peça de metal ou pedaço de papel com determinadas gravuras e determinadas propriedades físicas e químicas. Não penetra na essencialidade do dinheiro como um instrumento de troca, um conceito mental abstrato criado e entendido pela mente humana. O mesmo se aplica a uma infinidade de conceitos ligados às ciências sociais: ação, interação e cooperação humanas; direito, lei, moral; escassez, produção; liderança, finanças; empresa, patrimônio, etc;

2. Os fenômenos sociais são sempre complexos, produzidos por uma infinidade de fatores que impossibilitam a observação isolada de algum fenômeno e mantendo inalterável qualquer outra condição social, tal qual um experimento físico ou químico;

3. Ausência de relações constantes impossibilita a medição para determinação de teorias (e não das limitações de procedimentos técnicos). Todas as medições estatísticas são nada mais que dados do passado, carentes de uma teoria prévia e independente da experiência para interpretá-los.

Portanto, em coerência com esses argumentos apresentados, conclui-se que a utilização do positivismo lógico nas ciências sociais é totalmente inválida, sendo necessário um método, então, válido. Tal método deve ser, por natureza, essencialista (doutrina filosófica segundo a qual o trabalho dos pesquisadores não se limita aos fenômenos tal qual impressionam os sentidos somente) e teleológico (referente ao propósito e deliberações humanas).

Tem-se, portanto, que o método válido nas ciências sociais consiste na construção de conceitos e modelos mentais e na utilização desses modelos para interpretação dos fatos observáveis do mundo exterior. Em suma, é a construção de uma teoria lógica formal que seja capaz de interpretar os fatos do mundo exterior e não uma observação direta dos fatos em si mesmos.

O método válido para o estudo das ciências sociais

Conforme MISES (1990), as ciências sociais estão constituídas em dois ramos: a praxeologia e a história. A praxeologia é uma ciência formal que consiste na aplicação da categoria conceitual "ação humana" e sua construção teórica requer um caráter epistemológico apriorístico[4]. Os teoremas que o raciocínio praxeológico consegue adequadamente estabelecer não apenas são impecavelmente verdadeiros e incontestáveis como os teoremas matemáticos, como também, e mais ainda, se referem, com a plena rigidez de sua certeza apodítica e de sua incontestabilidade, à realidade da ação como ela se apresenta na vida e na história.

Suas afirmativas e proposições não derivam da experiência.  São, como a lógica e a matemática, apriorísticas.  Não estão sujeitas a verificação ou falsificação com base na experiência e nos fatos.  São tanto lógica como temporalmente anteriores a qualquer compreensão de fatos históricos.  São um requisito necessário para qualquer percepção intelectual de eventos históricos. (MISES, 1990, p.48)

Mas como ter a certeza da veracidade dos pressupostos praxeológicos e não cair em proposições metafísicas e/ou sem validez científica como no positivismo lógico? A certeza advém do caráter axiomático da ação humana -- a proposição de que os humanos agem para sair de uma situação desconfortável para uma situação confortável ou de menor desconforto -- que é uma real proposição sintética apriorística[5].  A proposição de que os humanos agem não pode ser refutada, uma vez que tal negação seria ela própria uma ação; a verdade dessa afirmação não pode ser revogada.

Tendo o axioma como ponto de partida, o desenvolvimento teórico da praxeologia consiste no raciocínio lógico-dedutivo que leva a teoremas específicos. Tais teoremas são construídos introduzindo-se em lugar adequado na cadeia lógico-dedutiva fatos relevantes da experiência histórica, os quais já têm uma teoria previa à sua espera para serem interpretados e, conseqüentemente, construir teoremas mais específicos.

O segundo ramo das ciências sociais é a história. É o conjunto de fatos da experiência passada que se refere à ação humana. Não apenas uma história geral, mas também da história de campos humanos mais concretos: a história da política de um país; a história de uma empresa; a história de uma família, por exemplo.  No desenvolvimento do estudo da história, os fatos sociais históricos observáveis (documentais, bibliográficos, relatos, etc.) são sempre fenômenos complexos da vida social, em que cada dado da experiência está aberto a distintas interpretações e somente pode ser interpretado através de uma teoria lógica previa derivada da praxeologia.

É necessário também utilizar como conexão entre a praxeologia e os fatos observáveis um elemento adicional, denominado por HUERTA DE SOTO (2004) de "compreensión timológica", que é o conhecimento das circunstâncias particulares do caso em que se encontra.

Fica claro, por essas premissas, que a praxeologia e a história constituem os dois grandes ramos das ciências sociais e que fundamentam a independência das que hoje são conhecidas, tal qual o direito, a economia e a administração. Mesmo derivando de uma ciência formal, a praxeologia, elas possuem a natureza factual devido, justamente, ao fator realístico incorporado na cadeia lógico-dedutiva da construção teórica. O que as diferencia é o conjunto de teoremas utilizados em função da necessidade, orientados, evidentemente, pelo seu objeto de estudo. Não obstante, seus métodos obedecem analogamente aos mesmos métodos utilizados na praxeologia e na história.

Conclusão

Não é de importância relevante aqui saber como que o positivismo lógico dominou as ciências sociais a ponto de ser considerado válido e ser cegamente aceito através de gerações. Talvez a explicação de sua utilização esteja na vaidade do cientista em utilizar um método que possibilite a confirmação de uma idéia sua através de experimento; e a história dos cinco macacos explique a perpetuidade do positivismo sem contestações.

O importante é fortalecer um movimento de refutação do positivismo nas ciências sociais e estabelecer o método válido. Afinal, a melhoria de nossas vidas passa pelo conhecimento científico válido.


Referências bibliográficas

CHALMERS, A. O que é ciência afinal? Editora Brasiliense. São Paulo: 1993.

HUERTA DE SOTO, J. Estudios de economía política. 2.ed. Madrid: Unión Editorial, 2004.

MISES, L. Ação Humana: um tratado de economia. 3.ed. Rio de Janeiro: Instituto Liberal, 1990.

________. Teoría e Historia. Madrid: Unión Editorial, 2003.

POLLEIT, T. O apriorismo de Mises contra o relativismo na ciência econômica. Disponível em < http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=644>

 

[1] Científico que se utiliza do raciocínio indutivo para o estabelecimento de teorias e leis gerais a partir da experiência de observações particulares.

[2] A explicação indutivista requer a derivação de afirmações universais a partir de afirmações singulares, por indução.

[3] Raciocínio em que, se as premissas são verdadeiras, então a conclusão deve ser verdadeira.

[4] Condições intelectuais de pensamento necessárias e inevitáveis, anteriores a qualquer momento real de concepção e experiência.

[5] De acordo com Imanuel Kant, a verdade de proposições sintéticas apriorísticas pode ser definitivamente estabelecida por meio de axiomas autoevidentes.  Uma proposição é autoevidente quando não podemos negar sua verdade sem cairmos em uma autocontradição; uma tentativa de negar a verdade de uma proposição sintética apriorística seria igual a admitir sua verdade. (POLLEIT, apud, KANT).


Sobre o autor

Domingos Crosseti Branda

É mestre em Economia da Escola Austríaca pela Universidade Rey Juan Carlos, Madri.

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