Durante os sete primeiros dias de setembro haverá um Plebiscito Popular
propondo uma limitação para a propriedade da terra. De acordo com os organizadores, os poucos que
detêm muitas terras são os responsáveis pela violência no campo e por jogarem
famílias nas áreas de risco das grandes cidades ao serem expulsas do campo.
A consulta popular, até certo ponto notável por perceber as
inclinações dos indivíduos, possui um caráter diferenciado nesta mobilização. O povo ser consultado é bem diferente de o
povo ser induzido a algo. É exatamente a
indução que a campanha pelo limite da terra no Brasil tem promovido. Não é necessário refletir sobre o problema da
terra e sua distribuição, pois basta votar 'sim' e participar do abaixo assinado
pela limitação.
A pergunta: "Você concorda que o limite das grandes
propriedades de terra no Brasil possibilita aumentar a produção de alimentos
saudáveis e melhorar as condições de vida no campo e na cidade?", já possui
resposta. O site oficial recomenda: "Diga sim! Coloque limites em quem não tem!"
Se a resposta está dada, como afirmar que é o povo quem está
decidindo? Não há espaço para o debate político que tais organizações tanto
reclamam serem excludentes. Em suma, a única coisa sem limites é a presunção, a
arrogância e a prepotência que certos indivíduos possuem de violar a liberdade
alheia, tendo como máscara o benefício do pequeno proprietário de terra.
Dez motivos
Se a campanha brada os 10 motivos
do porquê de as propriedades rurais de terra no Brasil precisam ter um limite
máximo de tamanho, faz-se necessário apontar outra coisa, a saber, a farsa da
argumentação utilizada.
Em primeiro lugar a concentração de terra é vista como a
culpada pela miséria e pela fome. Admira-me
culpar um latifundiário do Rio Grande do Sul pela fome de famílias no Amapá. Não há uma relação causal objetiva entre uma
coisa e outra. Há miséria no Brasil? Sem dúvida.
Entretanto, diversos fatores podem contribuir para o quadro atual. Há subsídios para a agricultura, resultando
nem sempre numa vontade de inovação, competição e eficiência no agronegócio. Existem também os impostos que incidem sobre
todos os passos da produção, desde a compra das sementes e maquinário até a
compra feita pelo consumidor final. Se
há algum culpado, atrapalhando a eficiência do mercado no combate à fome, é o
governo e suas tentativas de alimentar o povo.
O segundo motivo apontado é que, com a propriedade ilimitada,
qualquer pessoa poderia comprar todo o território nacional, visto que não
existem limites legais. O argumento
esquece por completo que para uma pessoa comprar as terras de Norte a Sul é
preciso que os atuais donos vendam suas terras. Qualquer principiante em mercado imobiliário
sabe que se terrenos começam a serem comprados os outros proprietários ficam em
alerta para elevar o preço. O medo de
"vender" o Brasil parece mais um item de apelo popular (como o slogan de que o
petróleo é nosso) do que algo que mereça enormes análises. Como adendo, novamente a mentalidade estatista
pensa a lei como forma de coibir liberdades. Se alguém adquirir inúmeras propriedades de
terras de forma legítima, nada mais coerente do que as terras pertencerem ao
dono. Seria como desejar limitar a
quantidade de refrigerantes vendidos para cada indivíduo, pois muitos
colecionadores podem adquirir muito refrigerantes tendo, como consequência, a
sede dos demais.
O terceiro ponto é o apontado no início deste texto. Consiste em culpar o agronegócio pela expulsão
de famílias do campo. Além de expulsar
do campo, os grandes reis do agronegócio os jogaram nas favelas dos grandes
centros urbanos. Novamente há um
problema causa-efeito. O êxodo rural
possui muitos outros fatores além dos que perderam o emprego no campo. Esquece-se que os centros urbanos são pólos de
oportunidades. Diversas pessoas chegaram
às cidades grandes devidos a problemas de alterações climáticas, que tornaram a
vida no campo menos segura economicamente. Outros simplesmente saíram de suas
propriedades rurais por desejarem executar novas atividades, visando uma
melhora na qualidade de vida.
Em seguida, afirma-se que famílias sem terra poderiam ter
terra e, assim, haveria mais alimentos na mesa da população. Poderia haver mais oferta de alimentos, mas
disto não resulta que o consumidor final iria consumir mais. A produção artesanal, camponesa, pode não
conseguir baratear o preço dos alimentos. Prever que haverá mais consumo é dizer que
produtos não vencem em prateleiras, nem apodrecem nos mercados.
No quinto argumento é dito que na produção do pequeno
proprietário não há a utilização de agrotóxicos. Ora, numa sociedade na qual a cada dia se
afirma mais a questão do consumo consciente, afirmar que não há grandes
agricultores produzindo alimentos orgânicos é dizer que nenhum empreendedor
percebeu que há uma nova demanda no mercado.
O sexto tópico incentiva a reforma agrária, pois os pequenos
agricultores empregam mais gente a cada 100 hectares do que os agronegócios. Furar poços de petróleo manualmente deve
empregar muitos mais funcionários do que utilizar máquinas perfuradoras, porém
não é por este motivo que descartamos todo o conhecimento tecnológico de nosso
tempo.
Logo após o excelente argumento contra a tecnologia há outra
acusação. Além de jogar pessoas em
favelas, os agronegócios são responsáveis pela violência no campo. Uma grande indústria agrícola está,
certamente, preocupada em matar, roubar, invadir? Não. O
interesse é produzir um produto com qualidade para ser consumido. A violência, em grande parte, tem início com
aqueles que gostariam de ser a grande indústria e procuram boicotá-la e
sabotá-la. Sobre o trabalho escravo não
há como concordar com tremendo absurdo. Se
há a defesa da grande propriedade de terra é porque, primeiro, há a defesa da
autopropriedade, isto é, cada indivíduo é dono de si próprio. Neste sentido, o trabalho escravo é tão
condenável quanto à limitação da propriedade rural. Nenhum indivíduo deve ter, à força, teu corpo
limitado. Se não há limite para o
tamanho do corpo, não deve haver limite para a propriedade de terra.
O oitavo é aquele que serve apenas para completar 10. Afirma que os donos de grandes propriedades
são aqueles que nunca plantaram ao menos uma cebola. Muita gente tem celular e não sabe utilizar
todas as suas funções. Elas devem ceder
seus celulares para pessoas que sabem mais recursos? Será que uma terra possui apenas a função de
plantar? Responder 'sim' é um atestado
de ignorância que dispensa comentários.
O penúltimo motivo é a diferença das porcentagens de terras
entre os poucos que possuem muito e os muitos que possuem pouco. Existem inúmeras diferenças entre os
indivíduos. O ideário da igualdade é
aquele que pretende nivelar. Tal nivelamento,
porém, é sempre feito por baixo. Em nome
da igualdade, todos serão idênticos agricultores de subsistência. Mas claro que não é isto o apregoado pelo
plebiscito. A limitação não é tornar
igual, apenas diminuir as diferenças acentuadas. O grande problema está em definir se a
desigualdade tem origem circunstancial ou da escolha dos indivíduos. Além disto, fica bem difícil calcular os
benefícios de uma redistribuição, como é o caso da questão das terras rurais[*].
O décimo e último diz que, no último século, diversos países
limitaram a posse de terras e que deveríamos seguir o mesmo caminho. Se foi somente eu quem percebeu um argumento
de autoridade e uma clara submissão, enquanto país terceiro-mundista e
atrasado, peço desculpas. Porém, fica
muito claro que não é porque todos fazem que nós devamos fazer o mesmo. Iremos retirar a liberdade somente porque
Itália, Japão e Coréia do Sul fizeram o mesmo? Não faz sentido.
Conclusão
Tendo em vista os rumos que tomamos enquanto país, as
previsões não são motivadoras. O excesso
de controle apenas exige mais controle. Aos poucos vamos perdendo nossas liberdades. Hoje é a liberdade de possuir grandes
propriedades rurais. Aqueles não
proprietários de grandes terras podem dar de ombros. Com isto, as liberdades vão sendo podadas,
primeiro com pessoas distantes, depois com vizinhos e por último, quando for
tarde, é a nossa vida que recebe amarras.
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[*] Para melhor detalhamento da questão, ler: Sobre dotes naturais,
desigualdade e justiça: o conflito do liberalismo contemporâneo