Para alguém que trabalha diariamente com decisões
econômicas, mas tem formação e carreira inicial em direito, é muito frustrante
ver como advogados, promotores e juízes tomam decisões que vão muito além de um
caso isolado.
Talvez a lei econômica mais universalmente aceita é a
lei da oferta e demanda. As escritas mais antigas que a transformaram em
palavras datam do século XIII,[1]
não sendo exclusividade da sociedade ocidental (como um "bom" relativista
cultural poderia tentar argumentar).
Uma foto dela é colocada abaixo. Se você for profissional
de direito, não se assuste.

O que ela fala? Algo tão simples que até uma criança
pode entender: o preço de algo é o ponto gráfico em que uma curva de demanda e
uma de oferta se encontram. Quanto maior a oferta, menor o preço. Quando maior
a demanda, maior o preço.
Poderia parecer óbvio que uma lição tão básica quanto
essa já teria sido compreendida por todos há algum tempo.
Eis que, hoje, lê-se a notícia de que o Ministério
Público (sempre ele!) conseguiu uma decisão na justiça que obriga todos os
planos de saúde a ofertarem psicoterapia ilimitadamente para seus clientes.
É isso mesmo. Ilimitadamente.
Eis
a notícia:
Planos de saúde devem ter cobertura ilimitada de
psicoterapia
A pedido do Ministério Público Federal em São
Paulo, a Justiça determinou aos planos de saúde em todo o Brasil que ofereçam
cobertura ilimitada para sessões de psicoterapia aos clientes.
A decisão anula parte da resolução 387 da Agência
Nacional de Saúde Suplementar (ANS), de 2015, que previa a obrigatoriedade dos
convênios de arcar com só 18 atendimentos anuais.
A 25ª Vara Cível Federal de São Paulo destacou que
a norma editada pelo órgão contraria tanto a Constituição quanto as leis que
regulamentam o setor. A sentença é de 10 de maio.
"Ao indicar número máximo de sessões por ano,
a ANS extrapolou seu poder regulatório e manteve em vigência uma resolução que
vai além do que a legislação permite", diz a Procuradoria.
Ao anular a restrição aos atendimentos em
psicoterapia, a sentença determina que a cobertura dos planos corresponda ao
total de sessões prescritas pelo profissional de saúde responsável.
Atualmente, existem 47,6 milhões de usuários de
planos de saúde no País. A ANS informou que a agência recorreu e aguardará nova
decisão.
Isso não significa, necessariamente, que todos os
usuários de planos de saúde irão fazer sessões de psicoterapia. Porém, de algo já
sabemos: como o custo, para o segurado, de se fazer um número determinado de
sessões de terapia será o mesmo que o de um número ilimitado, há agora incentivos
para o aumento da demanda por este serviço.
Com o aumento da demanda, aumenta o preço das sessões,
uma vez que não surgirão novos psiquiatras e psicólogos a tempo de lidar com
essa nova demanda — ao menos não em um ambiente de intervencionismo.
Se tudo parasse aí, a decisão seria estúpida, mas não
seria uma das mais estúpidas dentre todas já tomadas pela justiça brasileira.
Só que, como toda empresa, os planos de saúde ofertam
preços compatíveis com os custos dos seus serviços. Dado que até hoje eles
tinham de manter o preço em um nível capaz de cobrir só um determinado número
de sessões, o que você acha que ocorrerá com os custos no momento em que forem
forçados a prover isso ilimitadamente?
Exato, irão disparar.
E, como consequência, os preços dos planos de saúde
irão subir. Não é maravilhoso?
Um país que já tem um dos piores sistemas estatais de
saúde do mundo agora irá dificultar ainda mais as pessoas — principalmente os
mais pobres — de terem cobertura privada, que é a única que funciona no
Brasil.
Parece um raciocínio simples, mas foi exatamente essa
a razão pela qual Hillary perdeu as eleições. Barack Obama implantou uma lei
obrigando os planos de saúde norte-americanos a ofertarem planos que no mínimo
cobrissem uma série de procedimentos que não necessariamente era o desejo dos
clientes. Para conseguirem cobrir isso, os planos de saúde foram forçados a
subirem seus preços. E subiram muito. Quando os avisos dos aumentos dos preços
começaram a chegar pelos correios em outubro, próximo às eleições, os eleitores
dos estados mais pobres entenderam
que os democratas deveriam sair da Casa Branca o quanto antes.
Mas o fato é que, infelizmente, não há realmente por
que estar surpreso com o fato de que políticos, assim como advogados, também
não conseguem compreender um conceito tão simples como a lei de oferta e
demanda.
A decisão da justiça brasileira sofrerá um recurso da
ANS. Pelo menos ainda há uma esperança de que não nos afundemos ainda mais em terrae brasilis.
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Leia também:
Como o intervencionismo
estatal está destruindo o mercado de saúde privado brasileiro
[1]Hosseini, Hamid S. (2003). "Contributions
of Medieval Muslim Scholars to the History of Economics and their Impact: A
Refutation of the Schumpeterian Great Gap". In Biddle, Jeff E.; Davis,
Jon B.; Samuels, Warren J. A Companion to the History of Economic Thought.
Malden, MA: Blackwell. pp. 28–45 [28 & 38]. ISBN 0-631-22573-0.
doi:10.1002/9780470999059.ch3. (citing Hamid S. Hosseini, 1995.
"Understanding the Market Mechanism Before Adam Smith: Economic Thought in
Medieval Islam," History of Political Economy, Vol. 27, No. 3, 539–61).