Adam
Smith publicou seu
magnum opus,
A Riqueza
das Nações, em 1776. Porém, ainda
em 1599, magistrados britânicos já evidenciavam possuir um conhecimento de ciências
econômicas que, até hoje, juízes brasileiros, especialmente os Ministros do
STF, desconhecem.
Um caso
encontrado apenas nos escritos de Sir
Edward Coke, Darcy vs
Allein foi consagrado pela Suprema Corte americana como "O Caso dos
Monopólios", conforme descrito
em Slaughter-House
Cases.
Conforme
relatado na documentação histórica, a coroa britânica à época (século XVI) costumava
conceder monopólios de diversos produtos que eram importados, produzidos ou comercializados.
Entre esses produtos, as cartas de baralho.
Nesse
contexto, o monopólio de importação e comércio de cartas de baralho foi dado a
um cidadão chamado Darey (nome hoje conhecido como Darcy) em detrimento dos demais
comerciantes e importadores da Inglaterra. O governo criou uma concentração
coercitiva de mercado. Nada
de novo aqui.
As razões
de julgamento tidas pela corte (conhecida como King's Bench) à época são
surpreendentes e, positivamente, assustadoras para um tempo tão antigo.
Conforme
reportado por Sir Edward Coke, a Corte definiu que todo homem tem o direito a
suas faculdades mentais e físicas, e que esse direito não pode ser retirado por
ninguém, nem pela autoridade pública.
A Corte
decidiu que o governo não poderia
limitar ou derrogar a liberdade do indivíduo que buscava o sustento de sua
própria família, concluindo igualmente que, ao se beneficiar e gerar lucro para
o seu empreendimento, ou para si próprio, o indivíduo beneficiaria a sociedade
e os demais.
Na mesma
decisão, a Corte notou que monopólios causam deterioração de qualidade e
aumento de preços. Sim, isso já era claro no século XVI na Inglaterra. Não é muito
difícil, portanto, imaginar por que lá foi o epicentro da Revolução Industrial.
Na
documentação dos fundamentos da decisão de 1599:
Although
the court, in its opinion, refers to the increase in prices and deterioration
in quality of commodities which necessarilly
result from the grant of monopolies, the main ground of the decision was their
interference with the liberty of the subject to pursue for his maintenance and
that of his family any lawful trade or employment. This liberty is assumed to
be the natural right of every Englishman.
Embora a Corte, em sua decisão, refira-se ao aumento
de preços e à deterioração da qualidade dos produtos como resultados
necessariamente oriundos da imposição de um monopólio, a razão central da
decisão está na interferência da liberdade de um indivíduo em buscar sustento
para si e sua família por meio de um trabalho ou comércio lícito. Essa
liberdade é entendida pela Corte como sendo um direito natural de todo cidadão
inglês.
A decisão
também destacou que qualquer monopólio nada mais é do que uma concessão de
privilégios de um sobre os outros. A busca pela felicidade (direito natural)
dentro do Império Britânico era, nas palavras da Corte, um dos mais importantes
valores da sociedade regida pela common
law (direito consuetudinário).
Como
conclusão, a Corte baniu o referido monopólio.
Já no Brasil,
as coisas funcionam em outra dimensão.
Como
destacou André S. C. Ramos em um artigo para este site,
as leis econômicas não existem para o STF. Em diversas decisões, o STF defende
e mantém monopólios e oligopólios protegidos pelo estado sob justificativas de interesse público,
interesse da coletividade e outros interesses, que no fundo nada significam.
No
vergonhoso caso da ADPF 46 (ABRAED vs. ECT), o
STF chancelou o monopólio dos Correios no Brasil sob justificativas como "É do interesse da
sociedade que, em todo e qualquer município da Federação, seja possível
enviar/receber cartas pessoais, documentos e demais objetos elencados na
legislação, com segurança, eficiência, continuidade e tarifas módicas."
Em que
realidade vive um brasileiro que acredita que serviços estatais são mais
acessíveis à população do que aqueles ofertados pelo setor privado?
A mesma
decisão também possibilitou que o Ministro Eros Grau justificasse o monopólio
dos Correios com a tese
de que "a realidade social é o presente; o presente é vida; e vida é
movimento". Difícil não despertar o sentimento de vergonha alheia. Deveria
haver no STF uma apelação stultus
sententiae (contra decisões idiotas).
O Caso
dos Monopólios foi novamente mencionado em 1948 pela Suprema Corte americana em
United
States v. Line Material Co., mas,
infelizmente, dessa vez para justificar medidas que o governo julgava ser úteis
para combater monopólios, como o Sherman Act.
De
qualquer forma, Darcy vs. Allein se tornou uma referência para aqueles que
acreditam que a economia tem muito a contribuir e complementar às demais
ciências sociais, criando um precedente que veio possibilitar à humanidade dar
o maior salto em sua qualidade de vida: a Revolução Industrial.
Quando
vamos aprender?