Um protesto contra um pequeno
aumento da passagem do transporte público acaba em confronto com a polícia.
Outras cidades do país aderem às manifestações, que preocupam o
governo central. Depois de duas semanas de protestos, os governos decidem
voltar atrás e adiam o reajuste. A qualidade do transporte continua a mesma.
O leitor deve achar que estou
falando dos protestos de junho de 2013 ou das atuais manifestações em São
Paulo. Na verdade meu tema é a Revolta do Vintém, em 1880.
Contra o reajuste da passagem do
bonde para um vintém, moradores do Rio e outras cidades bloquearam
ruas, viraram e queimaram bondes. A tensão foi tão grande que dom Pedro II
ordenou que a passagem voltasse ao preço anterior.
Há 136 anos estamos exigindo
"transporte público de qualidade"; há 136 anos essa bandeira se mostra irreal.
É hora de desistir.
Manifestantes do Movimento Passe
Livre costumam se opor à influência da religião na política. Mal sabem que
fazem parte de uma seita radical. Religiosos estão cientes de lidar com
histórias míticas e mundos imaginários. Já os manifestantes realmente acreditam
que sua utopia, o transporte público gratuito de qualidade, é possível neste
mundo.
Um colega da minha faculdade costumava
carimbar, só de sacanagem, a frase "não vai dar certo" nos cartazes dos murais.
Festa de fim de ano, reunião para reduzir as faltas dos professores,
sessão de cinema? Não vai dar certo.
Deveríamos nos inspirar nessa
frase. Distribuir carimbos "não vai dar certo" nas passeatas do Movimento Passe
Livre. Pois monopólios públicos ou privados impostos pela lei nunca deram
certo, não estão dando certo e não vão dar certo. É o medo de perder
clientes para a concorrência que leva empresários a oferecer serviços melhores
e mais baratos. Sem concorrência, não há eficiência.
Todo dia temos provas disso.
Padarias e restaurantes de São Paulo já contratam ônibus fretados para os
funcionários: não acreditam mais em transporte público. Empregadas domésticas
gastam 4 horas por dia em trens insalubres. E, apesar do custo crescente, cada
vez menos paulistanos andam de ônibus.
Não dá certo no Brasil, nem na
Dinamarca ou na Inglaterra. Em Copenhague, o maior incentivo para o uso de
bicicleta é o preço do transporte público: 24 coroas (ou 14 reais) a passagem
mais barata. Em Londres, o ônibus custa 1,5 libras (9 reais); o metrô, 14 reais
(o ticket avulso — com desconto para estudantes). Isso sem contar os bilhões
gastos com o subsídio do sistema. É no transporte europeu que o MPL diz se
inspirar?
Depois de mais de um século se
irritando com o serviço público, é hora de dar uma chance aos
empreendedores. Deixar que a livre concorrência faça sua mágica, diminuindo o
preço e aumentando a qualidade do transporte coletivo. Liberar a criação de
novas linhas, a existência de ônibus com lojas e lanchonetes, todo tipo de
aplicativos de transporte. Permitir que empresas abram seu capital na Bolsa de
Valores e captem dinheiro para serviços de transporte urbano. O mesmo choque de
qualidade que o Uber impôs aos taxistas pode ocorrer nos ônibus urbanos. Basta
as prefeituras deixarem.
Mas as prefeituras fazem o
contrário: empurram empreendedores para a clandestinidade. Sem segurança
jurídica, as empresas não investem. Não vão comprar uma perua nova se ela pode
ser apreendida pela fiscalização na semana seguinte. E assim se perpetua o mito
de que a livre concorrência faria proliferar peruas insalubres e perigosas pela
cidade.
Um livre mercado de transporte
urbano teria diversas falhas, não há dúvidas. Algumas regiões, pouco rentáveis,
teriam menos opções que as mais povoadas. Os ônibus de regiões mais pobres
seriam de pior qualidade. Mas certamente seria um sistema melhor e mais barato
que o atual.
Se não mudarmos o jeito de pensar
o transporte urbano, ficaremos mais 136 anos perdendo tempo em protestos
inúteis.
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