Ultimamente tenho tido preguiça de debater com estatistas. Parece que eles são
imunes à lógica. No vídeo
"Interview
with a Zombie", Thomas Woods mostra como as pessoas
doutrinadas a defender o status quo simplesmente desconsideram a lógica
argumentativa. Repetem aquilo que aprendem na escola e na mídia sem a mínima
reflexão crítica, tal qual um zumbi, mas pior. Pelo menos o zumbi valoriza cérebros,
a ponto de querer comê-los. As pessoas hoje valorizam certificados. Um diploma
do MEC vale mais para elas do que uma bela linha de raciocínio.
Aposto que alguém vai
reclamar que citei um vídeo do You Tube e não uma tese de doutorado da UNB.
Trata-se de um defeito que uma lição do Hinduísmo poderia resolver.
Saraswati é deusa Hindu
do conhecimento e das artes. Ela representa o verdadeiro conhecimento, aquele
oriundo da consciência subjetiva, da individualidade, da livre disseminação de
ideias e de sabedoria. É alcançado não por imposição ou doutrinação, mas pela
reflexão e iluminação pessoal. E é este conhecimento que leva uma pessoa a
alcançar o moksha, a libertação do ciclo de vida e morte.
Saraswati é representada
vestindo um sári branco, símbolo da pureza do conhecimento — isento, portanto,
de agendas ideológicas ou utilitaristas. O conhecimento como um fim em si
próprio. Ela senta-se em uma flor de lótus branca, símbolo da Realidade
Suprema, que só pode ser compreendida através do conhecimento supremo. Em uma
de suas quatro mãos ela segura um rosário, que significa concentração,
meditação e contemplação, o caminho para a percepção da unidade entre o
espírito e a realidade absoluta, o Princípio Divino, chamado Brahman. Aquele
que busca este caminho deve buscar uma relação harmoniosa com o mundo e usar o
conhecimento com amor, para o bem da humanidade.
Não imagino como a
maneira pela qual o conhecimento é encarado nas modernas democracias poderia
destoar mais deste belo ensinamento do Hinduísmo. O conhecimento é encarado
como algo que deve ser despejado sobre as crianças em centros de doutrinação
chamados escolas e não como fruto de uma busca pessoal e voluntária de todos os
momentos. É visto como um processo de condicionamento por repetição, decoreba
mesmo, e não de reflexão e meditação. Sua transmissão é atravancada por
manuais, legislações e caprichos pedagógicos que causam esclerose naquilo que
deveria ser uma rede fluida de saberes. E este falso conhecimento que as
pessoas adquirem não liberta, apenas aprisiona. Não é usado com amor para o bem
da humanidade. É usado para praticar ou legitimar o mal. Para travestir de
eufemismos as piores agressões contra inocentes.
É com base neste falso
conhecimento que tanta gente defende a necessidade do imposto, que nada mais é do
que um assalto à mão armada sistemático e em larga escala contra populações
inteiras. Mais grave do que dizer que tal barbárie é necessária é tentar provar
que não se trata de roubo.
É isso que Diogo Coelho
tenta fazer no seu lamentável artigo "Imposto não é Roubo".
Como eu disse, ando com preguiça de debater com estatistas, mas não posso
deixar sem resposta essa desprezível apologia ao crime. Farei uma refutação
detalhada. Os trechos do artigo de Diogo seguem em vermelho socialista, como
não podia deixar de ser. Minhas respostas seguem em anárquico preto.
Liberais e libertários às vezes recorrem a
analogias que pecam pela simplificação. E aquela que mais tem me incomodado é a
constante referência aos impostos como roubo.
Primeiramente, devemos fazer uma distinção entre liberais e libertários. Os
primeiros diferem das ideologias totalitárias apenas no que diz respeito a
quanto de agressão sistemática e institucionalizada contra inocentes deve haver
— ou seja, uma diferença de magnitude e não de natureza. Os libertários se
opõem completamente à agressão contra inocentes e, portanto, se opõem ao
estado, o maior aparato criminoso jamais concebido.
Diogo Coelho acusa os
libertários de "pecar pela simplificação" ao classificar todos os impostos como
roubo. A simplificação está longe de ser um pecado epistemológico. Pelo
contrário. Físicos estão sempre buscando um modelo mais simplificado para
explicar o Universo. Provas matemáticas mais simples são as mais elegantes. A
navalha de Ockham, um princípio de sinteticidade lógica, estabelece que dentre
diferentes hipóteses, aquela com menos premissas deve ser assumida, impondo
àquele que defende uma hipótese menos simples o ônus de provar seu maior poder
explanatório.
Diogo reconhece no seu
texto que o estado é uma entidade que detém o monopólio do uso da violência em
determinado território e que obriga os cidadãos, por meio da ameaça física, a
entregar a ela parte do que honestamente ganharam. No que isso difere de um
assalto à mão armada? Ao assumir imposto como roubo e o governo como uma quadrilha
criminosa, aquilo que observamos empiricamente passa a fazer sentido: disputas
para controlar o poder político, crescentes gastos governamentais com serviços
públicos de qualidade cada vez pior, leis e regulações cada vez mais estúpidas
e liberdades cada vez mais ameaçadas. A hipótese de que imposto é roubo é
simples, elegante e possui um altíssimo poder explanatório.
À luz da navalha de
Ockham, pode-se concluir que o ônus da prova recai agora sobre aqueles que
defendem que imposto não é roubo, e que portanto não estão em posição de acusar
os libertários de nada, muito menos de simplificação. A posição deles é no
banco dos réus. E eu os acuso de tergiversação.
O que Weber, Olson e outros intelectuais nos
ensinam é que a origem do poder político está na associação de indivíduos em
comunidade, que necessitam criar uma estrutura administrativa capaz de proteger
toda a sociedade de ameaças internas e externas, além de fornecer um sistema
capaz de resolver conflitos por meio da justiça. Os impostos fazem parte da
estrutura de manutenção dessa ordem — e, como seu pagamento é garantido por
lei, o governo pode, em última instância, valer-se da coerção física para
assegurar o respeito a essa obrigação.
A hipótese de que o
poder político surgiu da livre associação de indivíduos pode ser refutada tanto
logicamente quanto empiricamente.
Tomemos a definição de
poder político. Conforme nos explica o sociólogo e cientista político Franz
Oppenheimer, existem duas maneiras opostas de conseguir riqueza: o meio
econômico e o meio político. O primeiro consiste nas trocas voluntárias,
portanto na livre e pacífica associação de indivíduos. O segundo consiste na
coerção. A política é a obscura arte de se manter em uma posição
institucionalizada de parasitismo coercivo, e o poder político nada mais é do
que essa própria posição. Portanto, a afirmação de que o poder político é oriundo
do meio econômico é autocontraditória.
Um oximoro ocorre também
quando se assume que o poder político nos protege de ameaças. Sendo o estado um
agressor por definição, ele não apenas não nos protege de ameaças, como de fato
as pratica, e inclusive nos impede de buscar proteção de outros agentes ao
estabelecer o monopólio da força.
De acordo com Walter Block, em National Defense and the Theory
of Externalities, Public Goods, and Clubs:
Argumentar que um governo cobrador de impostos pode
legitimamente proteger seus cidadãos contra agressão é cair em contradição, uma
vez que tal entidade inicia todo o processo fazendo exatamente o oposto de proteger
aqueles sob seu controle.
Neste mesmo artigo,
Block demonstra a inconsistência lógica do conceito de "bens públicos", aqueles
que o mercado não seria capaz de prover sozinho e cuja produção dependeria de
ação governamental. Então os estados seriam eles próprios bens públicos e,
consequentemente, jamais poderiam ter surgido, uma vez que eles nem sempre
existiram. Pode-se ainda concluir que o estado não é um bem, e sim um mal,
afinal, uma vez provada a absurdidade lógica do conceito de bem público, não há
sequer uma justificativa utilitarista para a existência do estado, e nem
explicação para seu surgimento que não a sistematização de práticas criminosas
em algum estágio da civilização.
De fato, recentes
descobertas arqueológicas evidenciam a origem violenta do estado. O mais
antigo caso de formação de estado na América Central, há cerca de 2000 anos,
foi o do estado zapoteca de Oaxaca, que emergiu após cerca de 450 anos de
conflitos. Segundo o antropólogo Charles Spencer em War and early state formation in Oaxaca, Mexico, estados são uma
sofisticação do estágio que os precede: grupos liderados por chefes guerreiros
(chiefdom, em inglês). Sim, esses
grupos são essencialmente quadrilhas bárbaras. O estado é a evolução
organizacional destas quadrilhas, uma forma sofisticada de máfia.
Chiefdoms possuíam um único nível decisório e seu raio de
influência era limitado pelo alcance de uma cavalgada. Já o estado possui
vários níveis hierárquicos e um aparato burocrático que permite a delegação de
autoridade administrativa, cobrindo assim áreas muito mais extensas. A
transição dos chiefdoms para o estado se deu através de conquista territorial
combinada com exigência de tributos. Estes tributos são exatamente aquilo que
Don Fanucci cobrava em
Little Italy: taxa de proteção contra si próprio.
Hoje usamos eufemismos
como "imposto" e "contribuinte". Na Inglaterra a regularização formal do
conceito de imposto tem origem no Dannegeld — os tributos cobrados pelos
invasores danos (tribo germânica que habitava a atual Dinamarca) para ir embora
da ilha e deixar as pessoas em
paz. Os conquistadores normandos faziam o mesmo.
Serviços como defesa,
segurança e justiça são demandados pelo consumidor e produzidos, ainda que de
forma extremamente ineficiente e de péssima qualidade, pelo monopólio coercivo estatal.
Não há, portanto, razão para duvidar da capacidade dos empreendedores privados
de provê-los, uma vez que estão sujeitos à competição de mercado e devem
agradar o cliente se quiserem lucrar. Em Da Produção Privada de
Segurança, Gustave de Molinari escreve:
Em todos os casos, para todas as mercadorias que servem à
provisão das necessidades tangíveis ou intangíveis do consumidor, é do maior
interesse dele que o trabalho e o comércio permaneçam livres, porque a
liberdade do trabalho e do comércio tem, como resultado necessário e
permanente, a redução máxima do preço.
Há exemplos históricos
que comprovam a aplicabilidade
desta teoria em qualquer caso: A competição entre cortes privadas na Islândia
Medieval; a Lex
Mercatoria, um corpo de leis comerciais estabelecidas espontaneamente por
mercadores medievais. E incontáveis milícias, exércitos privados, polícias
privadas e grupos de resistência civil que derrotaram impérios poderosos ou
supriram as deficiências dos serviços estatais. Shoppings Centers são mais
seguros que praças públicas, apesar de toda a restrição que a legislação impõe
às empresas de segurança patrimonial.
A lógica da privatização
total seria também um arranjo mais ordeiro. De acordo com Hans-Hermann Hoppe em As
Falácias da Teoria
dos Bens Públicos e da Produção de Segurança, um sistema competitivo no
mercado de segurança implicaria "erigir
uma estrutura institucionalizada de incentivos para produzir ordem legal e
aplicação legal que incorpore o mais alto grau de consenso relativo à questão
da resolução de conflitos."
Some-se a isso a
impossibilidade de socializar os custos dos conflitos através do poder estatal
de taxação e fica claro que numa sociedade sem estado as pessoas desfrutarão de
um nível maior de paz e ordem.
Diogo Coelho diz que o
governo pode se valer da coerção física para cobrar impostos, pois seu
pagamento é garantido por lei. O autor renuncia completamente à reflexão ética
e moral ao fazer semelhante afirmação, além de desconhecer o significado da
palavra "lei" e por consequência, a distinção entre "lei" e "legislação". A
única lei que existe é a Lei Natural. Como jusnaturalista clássico católico,
acredito na origem divina dos direitos naturais do homem, como proposto por São
Tomás de Aquino. Mas autores ateus como Rothbard, Kinsella e Molineux
apresentam também deduções lógicas dos direitos naturais, a saber: vida,
liberdade e propriedade.
Direito é aquilo que
ninguém deve tirar de uma pessoa e a lei impõe ao indivíduo a obrigação
negativa de não infringir esses direitos. Lei é diferente de legislação
estatal, que é apenas uma série de ameaças escritas com linguajar jurídico.
No lugar de:
— Perdeu playboy, passa a grana ou toma bala!
Temos:
— Constitui crime de
sonegação fiscal: prestar declaração falsa ou omitir, total ou parcialmente,
informação que deva ser produzida a agentes das pessoas jurídicas de direito
público interno, com a intenção de eximir-se, total ou parcialmente, do
pagamento de tributos, taxas e quaisquer adicionais devidos por lei (leia-se
legislação).
Argumentar que
legislação é lei implica a falácia da definição circular. Qual lei nos obriga a
seguir a legislação? Apanhar um pedaço de papel e rabiscar palavras de ordem
não gera direito. Não importa se você é um psicopata em um manicômio ou membro
de uma quadrilha altamente sofisticada e respaldada por uma maioria de
eleitores. Em última instância, a legislação estatal está respaldada apenas
pelo cano de um fuzil.
A força física pode ser
oriunda de maior aptidão para a guerra, como no caso dos chiefdom, ou da superioridade numérica de uma massa manipulada, como
no caso das democracias, mas ainda assim é pura força física. Quanta barbárie,
roubo, terror, genocídio, pogroms,
perseguições, guerra e terrorismo já foram cometidos em nome da legislação?
Acredito que muitos autores liberais e
libertários vão longe demais ao identificar a
autoridade coercitiva do estado como a de um pistoleiro dando ordens.
Em uma carta ao
presidente Grover Cleveland, Lysander Spooner escreveu: "Se taxação sem consentimento não é roubo, então qualquer grupo de
ladrões necessita apenas se autodeclarar governo e todos os seus roubos estarão
legalizados."
Este vídeo expressa
muito bem a ideia:
Aquilo que um indivíduo
ganha honestamente pertence a ele, e somente a ele, em sua totalidade. Qualquer
outra forma de distribuição seria arbitrária e agressiva. Se alguma entidade
obriga você a entregar a ela uma porcentagem da sua justa renda, por menor que
seja, você está sendo escravizado, pois está trabalhando forçadamente para
alguém em algum momento. O estado é pior que um pistoleiro esporádico. É um
escravizador. Se uma entidade tem o poder de definir o quanto da sua
propriedade você deve entregar a ela, não há sequer garantias do direito
natural à propriedade privada. Suas posses estão sujeitas ao humor do chefe
tribal ou aos caprichos das massas (que costumam ser mais perigosos que o
primeiro). Se não pagarmos o imposto somos sequestrados. Se resistirmos ao
sequestro somos assassinados.
Diogo Coelho retira
alguns exemplos do desolador artigo de Matt Zwolinski, "On Passing Laws and
Pointing Guns" para tentar provar sua tese. Zwolinski argumenta que nem todas
as formas de coerção são moralmente equivalentes. De fato, ameaçar riscar o
rosto de uma pessoa com uma navalha é um ato muito mais imoral do que ameaçar
riscar o carro dela com uma chave. Mas ambos os atos são coercivos. O fato de
existirem formas de coerção moralmente mais desprezíveis não faz com que uma
forma mais branda deixe de ser criminosa. Não entendo por que o autor tentou
provar a tese de que imposto não é roubo desta forma.
Seus exemplos foram
ainda mais infelizes. Zwolinski afirma que um sinal vermelho no trânsito não é
comparável a um policial apontar uma arma na sua cabeça e gritar "pare o
carro!". O exemplo escolhido, relativo a uma regra de trânsito, não é a melhor
analogia se o intuito é compará-la à taxação. Normas estatais para as ruas,
embora coercivas e portanto criminosas, são moralmente menos graves do que
impostos, uma vez que é possível se eximir de cumpri-las simplesmente ao não
dirigir e se aplicam somente ao espaço público da rua. Já os impostos incidem
diretamente sobre propriedade privada e é difícil escapar deles.
Regras de trânsito
estatais, como a definição de mão em uma via, podem ser melhor do que regra
nenhuma, embora não possamos afirmar com certeza pelo fato de as ruas serem públicas
e não estarem sujeitas ao crivo do mercado. Já os impostos são sempre
deletérios. Ruas e vias de acesso devem ser privatizadas. Os proprietários que
estabelecerem as melhores e mais eficientes normas de trânsito incorrerão em
maiores lucros, consequência direta de atenderem às demandas dos consumidores.
Em um estado democrático em que impera a lei e a
ordem, a violência física somente é aplicada como forma de sanção depois de uma
série de ações que a poderiam ter evitado – e cujas opções seriam menos
"intensas" e envolveriam menor grau de restrições à liberdade negativa dos
indivíduos. Nesse sentido, para que a sonegação de impostos seja punida com o
uso da violência física, ou até com um tiro, é necessário que outras
transgressões sejam feitas.
O conceito de lei e
ordem de Diogo Coelho é completamente deturpado. Para ele, um assalto a mão armada não é crime
se o bandido ameaçar a vítima de agressões menores antes de finalmente matá-la. Se o intuito do autor é tentar provar que
impostos são diferentes de um assalto comum, ele se contradiz em seu próprio
texto. Caso uma vítima de assalto não entregue sua carteira, ela é morta pelo
bandido, ainda que a propriedade da carteira seja um direito natural da vítima.
O estado apenas coloca
passos intermediários entre o anúncio do assalto, que é a legislação, e o tiro
fatal. A justa recusa de entregar nossas posses ao bandido estatal é punida com
multas, ou seja, algo como:
— Não quer me dar a
carteira? Então agora eu quero o relógio também.
Se não pagamos a multa,
somos presos. Algo como:
— Não quer me dar as coisas?
Então não é mais um assalto! É um sequestro! Vai pro cativeiro, cara!
E se resistirmos ao
sequestro iremos para um lugar lindo, sem sofrimento, sem estado e sem
impostos, mas que deveríamos conhecer somente depois de uma longa e bem
aproveitada vida.
Ressalte-se que, de
todas as formas de ditadura socialista, a democracia é aquela que
mais potencializa agressões, desordem e violência. Enquanto um monarca absoluto
recolheria a quantidade de impostos necessária às suas lambanças em meio a
pesadelos noturnos sobre golpes de estado e revoltas, em uma democracia o
estado se legitima ao alimentar conflitos entre pequenos e fluidos arranjos
grupais da população. Trata-se da máxima de Napoleão e César: divide et impera (dividir para
conquistar). Elevada à sua máxima potência. Cobrando impostos de X para
financiar uma política pública para Y, o estado democrático faz com que todos
saiam perdendo exceto os governantes e seus aliados, que ganham em poder e
legitimação tributária, algo fora do alcance de um rei.
Zwolinski cita em seu
texto uma passagem do economista Friedrich von Hayek, da qual destaco alguns
trechos:
A coerção que um governo deve usar para este
fim é reduzida a um mínimo e tornada o mais inócua possível por meio de
sua limitação através de regras propagandeadas, de modo a que na maioria das
situações um indivíduo nunca será coagido a não ser que ele se tenha colocado
em uma situação em que ele sabe que será coagido.
Uma pessoa eticamente
íntegra e logicamente consistente deve saber que coerção mínima também é
coerção. Um mínimo de sexo não-consensual continua sendo estupro. Além disso,
esperar que o agente responsável pelas tais "regras propagandeadas" não utilize
seu monopólio legal para expandir seu próprio poder é uma grande ingenuidade
per se.
Como bem notou Charles
Black, professor de direito constitucional, o monopólio judicial do estado
permite que qualquer arbitrariedade do governo seja declarada como
constitucional obtendo assim uma legitimação psicossocial fora do alcance de
uma monarquia absolutista. Montesquieu foi extremamente ingênuo ao achar que a separação
entre os três poderes não iria se "cartelizar" e acabar em conchavos. O fato é
que o homem comum enfrenta cada vez mais taxas e tributos enquanto a
arrecadação dos governos cresce quase exponencialmente.
Deve-se acrescentar que
ter ciência de que se será coagido não elimina o fato de que haverá coação.
Quando um soldado, travando uma guerra defensiva contra um invasor, adentra o
campo de batalha, ele sabe que será alvejado, mas isso não torna o conquistador
menos criminoso.
Mesmo quando a coerção é inevitável dela são
removidos seus perversos efeitos, visto que ela é confinada a deveres
previsíveis e limitados – ou ao menos distanciada da vontade arbitrária de
outra pessoa.
A coerção é, ela própria,
um efeito perverso. Basta perguntar a opinião da pessoa que está sendo coagida.
O grande erro dos coletivistas é não considerar o indivíduo como um fim em si
mesmo. Ainda que houvesse alguma garantia de que impostos nunca serão
modificados, seus efeitos perversos permanecem. Eles continuam sendo uma
punição à geração de riqueza, uma depredação do capital acumulado. Continuam
aumentando o custo marginal da produção, da apropriação original e do comércio.
Continuam reduzindo investimentos, aumentando preços e prejudicando sobretudo
os mais pobres.
A imprevisibilidade,
contudo, é a única coisa previsível. Ou como diria Heráclito: "tudo flui". Em
regimes democráticos, caracterizados por forte ativismo político, a
imprevisibilidade é ainda maior. Robert Higgs chamou este fator de "incerteza de regime".
Estando a propriedade sujeita às flutuações da política, decorre que os
proprietários terão seu cálculo econômico subjetivo afetado. Não saber quais
serão as políticas tributárias que o governo vai inventar aumenta a preferência
temporal das pessoas levando ao maior consumo em detrimento do acúmulo de
capital.
Tornados impessoais e dependentes de regras
gerais e abstratas cujos efeitos sobre indivíduos em particulares não pode ser
prevista no momento em que elas são escritas, mesmo os atos coercitivos do
governo tornam-se informações que guiam a ação dos indivíduos
"Impessoal" é o pior
adjetivo para se descrever a natureza dos impostos. Com exceção do chamado poll tax, que
estipula um mesmo valor absoluto para todos, todos os outros impostos são persecutórios
no nível individual. O imposto de renda persegue aqueles que mais acrescentam
valor às trocas comerciais. O imposto sobre consumo persegue aqueles que mais
desfrutam da riqueza produzida. E isso sem falar em imposto sobre grandes
fortunas e sobre produtos específicos. Mas até mesmo o poll tax possui aquela que é a mais discriminatória das
características: ele viola o princípio da igualdade perante a lei. O próprio
conceito de taxação divide as pessoas em dois grupos A e B. O grupo A, dos
governantes, pode roubar impunemente, enquanto o grupo B, dos governados, não
pode roubar e sequer são respeitados em seu direito à propriedade privada. Não
poderia ser mais pessoal e elitista.
E, com efeito, o fato de
haver imposto guia a ação dos indivíduos, da mesma forma que a existência de
bandidos de rua direciona as pessoas a evitar sair de casa, a blindar os carros
e a andar com pouco dinheiro na carteira.
A incoerência dos
argumentos de Hayek demonstra o perigo de citá-lo como exemplo de defensor do
livre mercado. Suas contribuições em economia monetária e ciclos econômicos são
brilhantes, mas politicamente ele era um social-democrata, adequadamente
qualificado como
socialista por Ludwig von Mises no primeiro encontro da Mont Pelerin Society.
Diogo Coelho, porém,
segue com seus sofismas:
Leis e obrigações são — na maioria dos casos —
respeitadas porque elas emanam de uma autoridade, que é reconhecida como tal. Vejam no caso do Exemplo
1: a possibilidade de coerção está por trás do comando da mãe à sua filha –
porém, o que faz a filha obedecer não é somente o medo de sofrer uma sanção,
mas a referência à autoridade que decorre da relação mãe-filha, e que ambas
entendem como legítima. O mesmo acontece com o poder público – ele poderá impor
leis enquanto os cidadãos entendam-no como fonte legítima de autoridade. Nesse
sentido, os cidadãos não pagam impostos apenas por medo da coerção física, mas
também porque entendem que certas taxas são legitimamente cobradas e que emanam
de uma autoridade reconhecida como tal.
O autor acusa os
libertários de simplificação. Mas o que dizer de alguém que compara sanções
maternas a uma criança pequena para educá-la no âmbito da família a um assalto à
mão-armada sistemático, massivo e politicamente motivado contra povos inteiros?
Não é um caso de simplificação epistemológica, mas de grosseiro simplismo
intelectual e relativismo moral.
Comparar a família, uma
das melhores instituições que existem, ao estado, uma das piores, chega a
ser ultrajante e até perigoso. É justamente essa doutrina que impregna as
piores cartilhas totalitárias. A visão de que o estado tem um papel paternal, e
de que os cidadãos são crianças deseducadas e irresponsáveis. A família é um
arranjo de mercado. Emergiu das relações voluntárias entre os seres humanos
como uma bem-sucedida forma de organização privada.
A discussão sobre os
direitos das crianças e os limites da autoridade dos pais é complexa e passa
pelo conceito de tutoria temporária condicionada à preservação da integridade
física e dos devidos cuidados, bem como pelo direito total à autopropriedade
tão logo a pessoa consiga estabelecê-la, se tornando então legalmente adulta.
Já a discussão a respeito da intervenção estatal é simples. O estado é um
criminoso e sua autoridade é tão ilegítima quanto a de um assaltante de bancos
ordenando a abertura do cofre.
A comparação feita por
Diogo e Zwolinski foi extremamente infeliz. O estado não é fonte legítima de
autoridade, afinal nunca assinamos um suposto contrato social. As pessoas nunca
concordaram em fazer parte deste sistema. Elas são vítimas e nenhum grupo, por
maior que seja, tem direito de coagi-las. Se houver 1.000 habitantes em uma
ilha e 999 apoiarem o estupro de 1 mulher, o ato continua sendo criminoso.
Delegar a capacidade de cometer crimes para terceiros, sejam eles reis,
generais ou presidentes também não altera a natureza criminosa de uma ação.
Como disse John Locke: "As pessoas não podem delegar ao governo algo que seria
ilegal elas próprias fazerem".
Por fim vale lembrar que,
em seu artigo, Diogo Coelho tentou defender a afirmação do título alegando a
importância dos impostos. Tais argumentos, além de refutáveis econômica,
sociológica e historicamente, não permitem concluir que imposto não é roubo.
Teria sido mais coerente se o autor tentasse, por meio de uma abordagem
assumidamente utilitarista, defender a importância do roubo.
O indivíduo deve ser
livre para viver sua vida da forma como lhe apraz, sendo o respeito aos mesmos
direitos do próximo sua única restrição legal. Deve ser livre para reter tudo
aquilo que ele ganhar honestamente, para utilizar seus recursos da maneira como
julgar mais conveniente. Deve ser livre para errar e ser o único responsável
por seus erros. E para acertar, tendo total direito de colher os frutos de seu
bom julgamento.
Oscar Wilde nos lembra: "A
vida não é complicada. Nós somos complicados. A vida é simples, e o simples é o
correto."
Meu amigo Mané Dias,
homem da roça, diria de maneira ainda mais simples: "A vida é simples, o povo é
que complica".