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Economia

Então apenas a ciência econômica não basta?

01/06/2011

Então apenas a ciência econômica não basta?

As últimas tendências para tornar a ciência econômica mais "científica" se resumem a tentar incorporar nela os resultados de outras disciplinas, como a psicologia e a neurociência.  Sendo eu um economista seguidor da Escola Austríaca, acho bem-vinda qualquer crítica à corrente econômica convencional.  Entretanto, alguns dos proponentes desses métodos modernos frequentemente se excedem quando criticam as "falhas" dos princípios econômicos básicos.

Veja, por exemplo, um recente artigo da CNN que fala sobre "receios" e procrastinação, e explica por que nós supostamente necessitamos de algo mais do que a economia ortodoxa para avaliar e compreender os assuntos.  Eis um trecho:

A teoria econômica convencional diz que as pessoas devem postergar pelo maior período de tempo possível ações que trarão efeitos ruins, pois algo pode acontecer durante esse ínterim que venha a melhorar o panorama.

Na vida real, a reação "vamos acabar com isso o mais rápido possível" é a mais provável, disse Berns, professor de psiquiatria e ciências comportamentais.  Ele oferece um exemplo pessoal: ele normalmente paga suas faturas de cartão de crédito assim que elas chegam, em vez de postergar até o último dia, ainda que isso "não faça nenhum sentido economicamente falando".

Essa reação não é contra-intuitiva, irracional ou qualquer coisa do gênero, e eu não preciso utilizar a neurociência para explicar por quê.  Há uma probabilidade positiva de que eu possa perder a data de vencimento da fatura -- por causa de um acidente de carro, de uma greve nos Correios, de alguma doença prolongada, abdução por extraterrestres, ou simplesmente por puro descuido.  A cada dia que eu adio o pagamento, aumenta a probabilidade de eu ter de pagar juros de mora absurdamente altos.  Por outro lado, qual o benefício de eu postergar a quitação?  Investir em um título de 15 dias de maturação?

Para a maioria das pessoas, o dinheiro utilizado para pagar uma fatura mensal de cartão de crédito está depositado em uma conta-corrente, e é por isso que pagar de imediato as contas do seu cartão de crédito faz perfeito sentido.  Por outro lado, "a teoria econômica convencional" iria insinuar que as grandes instituições financeiras não pagam suas contas o mais cedo possível apenas "para se livrar disso", e também insinuaria que as pessoas não se apressam para devolver livros que pegaram nas livrarias (por causa das multas baixas ou mesmo nulas).  E adivinha só?  A teoria econômica convencional está perfeitamente correta em fazer essas "previsões".

Outro trecho:

Em outras palavras, a simples informação de que você está prestes a sentir dor "já parece ser uma fonte de sofrimento", escreveu George Lowenstein, especialista em economia e psicologia da Carnegie Mellon University.

Será que precisamos de uma ressonância magnética para concluir isso?  Já que o Dr. Lowenstein está tão empenhado em explicar os mistérios do universo, talvez ele pudesse me ajudar com essa dúvida atroz: há um garoto na minha vizinhança que corta gramas em troca de meros pedaços de papel, também conhecidos como dinheiro.  Por que diabos ele faz isso?  Ao que tudo indica, a expectativa de poder fazer mais gastos no futuro é uma fonte de alegria para o presente.  Isso não é surpreendente?  Talvez eu devesse pleitear fundos do governo para pesquisar a fundo esse fenômeno generalizado que desafia e atordoa os economistas convencionais.

Deixando de lado o sarcasmo, meu objetivo já deve estar claro: economistas já sabem desde há muito que a expectativa de prazeres e dores no futuro faz com que prazeres e dores sejam vivenciados no presente.  Com efeito, sem tais fenômenos, a ação humana não ocorreria de modo algum -- isto é, o indivíduo está sempre agindo no presente com o intuito de remover desconfortos e dissabores futuros.  Böhm-Bawerk dedicou boa parte de seu tratado sobre capital e juros a esse fato, obra essa que ele escreveu ainda no século XIX.

É verdade que os modelos econômicos convencionais fazem suposições ridículas quanto a comportamento "racional", e boa parte da literatura sobre economia experimental e comportamental faz bem ao apontar essas falhas.  Entretanto, os modelos econômicos convencionais não são o mesmo que princípios econômicos ortodoxos.  É preciso evitar a tentação de crer que os professores de jaleco branco atuais sabem mais de economia do que os pensadores da "velha escola".  Principalmente no que diz respeito à ciência econômica básica, raramente há algo de novo sob o sol.

 

Sobre o autor

Robert P. Murphy

É Ph.D em economia pela New York University, economista do Institute for Energy Research, um scholar adjunto do Mises Institute.

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