sexta-feira, 13 0aio 2011
No
seguinte artigo, tenho três propostas.
Primeiro, irei apresentar algumas teses que constituem o núcleo básico
da teoria marxista da história. Afirmo
que todas elas, em sua essência, estão inteiramente corretas. Em seguida, irei demonstrar como essas
corretas teses marxistas foram derivadas de uma base completamente errônea. Por fim, quero demonstrar como a teoria
austríaca, na tradição de Mises e Rothbard, pode fornecer uma explicação
correta, embora categoricamente diferente, da validade destas teses marxistas.
Deixe-me
começar com o núcleo básico do sistema de crenças marxista:[1]
(1)
"A história da humanidade é a história da lutas de classe."[2] É a história das lutas entre uma classe dominante
relativamente pequena e uma classe de explorados bastante numerosa. A principal forma de exploração é econômica: a
classe dominante expropria parte da produção gerada pelos explorados — ou,
como dizem os marxistas, a classe dominante "se apropria da mais-valia social e a
utiliza para seus próprios propósitos de consumo."
(2)
A classe dominante é unida pelo seu interesse comum de manter sua posição
exploratória e maximizar sua mais-valia apropriada espoliativamente. Ela nunca deliberadamente abre mão do poder ou
da renda advinda da exploração. Logo,
qualquer perda de poder ou de renda da classe exploradora só será alcançada por
meio de conflitos, cujos resultados efetivos vão depender, em última instância,
da consciência de classe dos explorados — isto é, se os explorados estão
cientes das suas próprias condições, o quão cientes estão disso e, principalmente,
se estão conscientemente unidos aos outros membros da sua classe em oposição
conjunta à exploração.
(3)
O domínio de classe se manifesta essencialmente através de arranjos específicos
que estão relacionados à forma como os direitos de propriedade são estipulados —
ou, na terminologia marxista, na forma de "relações de produção" específicas. Para proteger esse arranjo ou essa relação de
produção, a classe dominante forma o estado e assume seu comando,
transformando-o em um aparato de compulsão e coerção. O estado impõe uma determinada estrutura de
classes e estimula a sua reprodução através da administração de um sistema de "justiça
de classe", e ajuda na criação e no sustento de uma superestrutura ideológica voltada
para dar legitimidade à existência do domínio de classe.
(4)
Internamente, o processo de competição dentro da classe dominante gera uma
tendência de crescente concentração e centralização. Um sistema multipolar de exploração vai sendo
gradualmente substituído por um sistema oligárquico ou monopolista. Um número cada vez menor de centros de
exploração continua em operação — e aqueles que continuam estão cada vez mais
integrados a uma ordem hierárquica. Externamente
(isto é, no que diz respeito ao sistema internacional), esse processo de
centralização levará a guerras imperialistas entre estados e à expansão
territorial do domínio explorador.
Quanto mais avançado estiver o processo de centralização, mais intensas
serão as guerras.
(5)
Finalmente, com a centralização e a expansão do domínio explorador gradualmente
se aproximando do seu limite supremo de dominação global, o domínio de classe irá
se tornar crescentemente incompatível com uma maior evolução e melhoria das "forças
produtivas". Estagnações econômicas e
crises se tornam cada vez mais rotineiras, criando assim as "condições
objetivas" para o surgimento de uma revolucionária consciência de classe dos
explorados. A situação se torna propícia
para a criação de uma sociedade sem classes, para o "desaparecimento do
estado", com o governo do homem sobre o homem sendo substituído pela simples
administração das coisas[3]. Como resultado, haverá uma prosperidade
econômica sem precedentes.
Todas
essas teses podem ser perfeitamente justificáveis, como eu demonstrarei. Infelizmente, no entanto, o marxismo — que apóia
a todas elas — foi a ideologia que fez mais do que qualquer outra para
desacreditar as validades dessas teses, justamente por tê-las derivado de uma
teoria de exploração evidentemente absurda.
Qual
é essa teoria marxista da exploração? De
acordo com Marx, os sistemas sociais pré-capitalistas, como a escravidão e o
feudalismo, são caracterizados pela exploração. Não há nenhuma controvérsia
quanto a isso. Afinal, o escravo não é
um trabalhador livre e não se pode dizer que ele ganha por estar escravizado. Ao contrário, ao ser escravizado, sua
utilidade é reduzida em prol de um aumento na riqueza apropriada pelo
escravizador. O interesse do escravo e o
interesse do dono do escravo são de fato antagônicos. O mesmo é válido quanto aos interesses do
senhor feudal que extrai impostos sobre a terra de um agricultor que se
apropriou originalmente dela. Os ganhos
do senhor são as perdas do agricultor. E
também não há controvérsia quanto ao fato de que tanto a escravidão quanto o
feudalismo de fato obstruem o desenvolvimento das forças produtivas. Nem o escravo nem o servo serão tão produtivos
quanto seriam sem a escravidão ou a servidão.
A
idéia genuinamente nova do marxismo foi afirmar que, essencialmente, nada muda quando
se sai do sistema escravagista para o sistema capitalista; nada muda se o escravo se torna um trabalhador livre,
ou se o agricultor decide cultivar uma terra originalmente apropriada por outra
pessoa e paga um aluguel para fazer isso. Para não haver dúvida, Marx, no famoso
capítulo XXIV do primeiro volume de seu O Capital, intitulado "A
Chamada Acumulação Original", fornece uma descrição histórica do surgimento do
capitalismo, em que chama a atenção para o fato de que grande parte ou até
mesmo a maioria da propriedade inicial capitalista é o resultado de pilhagens,
anexações e conquistas.
Similarmente,
no capítulo XXV, sobre a "Moderna Teoria do Colonialismo", o papel da força e
da violência na exportação do capitalismo para o — como diríamos hoje em dia
— Terceiro Mundo é fortemente enfatizado. Reconhecidamente, tudo isso está correto em
termos gerais — e, na medida em que isso está correto, não pode haver contendas
quanto à rotulação desse tipo de capitalismo como explorador.
Porém,
é preciso estar atento para o fato de que, nesse ponto, Marx está incorrendo em
uma trapaça. Ao fazer investigações
históricas e incitar a indignação do leitor quanto às brutalidades que
ocorreram durante a formação de muitas fortunas capitalistas, ele na verdade
está evadindo o assunto em
questão. Ele muda o
enfoque e se distrai para o fato de que sua tese é na verdade inteiramente
diferente, a saber: que mesmo sob um capitalismo "limpo", por assim
dizer (ou seja, sob um sistema no qual a apropriação original do capital foi inteiramente
honesta, sem qualquer tipo de pilhagem), com trabalho e poupança, o capitalista
que contratou mão-de-obra para ser empregada com seu capital estaria ainda
assim praticando exploração. Com efeito,
Marx considerava a comprovação desta tese como a sua mais importante contribuição
à análise econômica.
Qual
seria, então, sua prova do caráter explorador de um capitalismo limpo?
Sua
prova consiste na observação de que os preços dos fatores de produção, em
particular os salários pagos aos trabalhadores pelos capitalistas, são menores
do que os preços dos bens produzidos. O
trabalhador, por exemplo, recebe um salário que representa os bens de consumo
produzidos em três dias, sendo que ele, na verdade, trabalhou cinco dias por
seu salário e produziu um total de bens de consumo que excede em valor o que
ele recebe como remuneração. Os bens
produzidos durante esses dois dias extras — a mais-valia, na terminologia
marxista — são apropriados pelo capitalista.
Portanto, de acordo com Marx, existe exploração.[4]
O que há de errado com essa análise?[5] A resposta se
torna óbvia tão logo se pergunta por que seria possível o trabalhador concordar
com esse arranjo. Ele concorda porque
seu pagamento salarial representa bens presentes — ao passo que os serviços de
sua mão-de-obra representam apenas bens futuros —, e ele, como qualquer ser
humano, atribui um valor muito maior aos bens presentes do que aos bens
futuros. Afinal, ele também poderia
optar por não vender seus serviços ao capitalista e, com isso, se apossar ele
próprio do "valor total" de sua produção.
Mas
isso, é claro, significa que ele teria de esperar muito mais tempo até que
quaisquer bens de consumo se tornassem disponíveis para ele. Ao vender sua mão-de-obra, ele demonstra preferir
uma menor quantidade de bens de consumo agora a uma quantidade possivelmente
maior em algum momento futuro.
Por
outro lado, por que o capitalista iria querer fazer um acordo com o
trabalhador? Por que ele iria querer
adiantar bens presentes (dinheiro) para o trabalhador em troca de serviços que trarão
frutos somente mais tarde? Obviamente,
ele não iria querer pagar, por exemplo, $100 agora se ele fosse receber a mesma
quantia daqui a um ano. Neste caso, por
que não simplesmente ficar com o dinheiro por um ano e, com isso, receber o
benefício extra de tê-lo sob seu total controle durante todo esse tempo? Ao invés disso, é natural que ele espere
receber uma soma maior que $100 no futuro a fim de poder abrir mão dos $100
agora na forma de salário pago para o trabalhador. Ele espera ser capaz de auferir um lucro — ou,
mais corretamente, um retorno de juros.
Ele
também é restringido pela preferência temporal, isto é, pelo fato de que um indivíduo
invariavelmente prefere possuir um bem no presente a ter esse mesmo bem apenas
no futuro. Se um indivíduo pode obter
uma maior soma no futuro sacrificando uma soma menor no presente, por que então
o capitalista não poupa mais do que está poupando? Por que ele não contrata mais trabalhadores do
que contrata atualmente, dado que cada um deles promete um retorno de juros a
mais? A resposta novamente deveria ser óbvia: porque o capitalista é também um
consumidor como qualquer outro indivíduo, e como todo ser humano simplesmente
não pode deixar de ser um. A quantidade
que ele pode poupar e investir é restringida pela necessidade de ele, assim como
o trabalhador, também requerer uma oferta de bens presentes "suficientemente
grande para garantir a satisfação de todas as necessidades cuja satisfação
durante o período de espera é considerada mais urgente do que as vantagens que
um período ainda maior de produção poderia proporcionar".[6]
O
que há de errado, portanto, com a teoria da exploração de Marx é que ele não compreende
o fenômeno da preferência temporal como uma categoria universal da ação humana.[7] O fato de o trabalhador não receber seu "valor
total" não tem nada a ver com exploração; simplesmente reflete o fato de que é
impossível o homem trocar bens futuros por bens presentes sem que haja um
desconto. Contrariamente ao caso do
escravo e do dono de escravos, em que o último se beneficia à custa do
primeiro, o relacionamento entre o trabalhador livre e o capitalista é
mutuamente benéfico. O trabalhador entra
no acordo porque, dada a sua preferência temporal, ele prefere uma menor
quantidade de bens presentes a uma quantidade maior no futuro; e o capitalista
entra no acordo porque, dada sua preferência temporal, ele possui uma
preferência de ordem inversa, dando mais valor a uma quantidade maior de bens
futuros a uma quantidade menor de bens presentes. Seus interesses não são antagônicos, mas sim
harmoniosos. Caso o capitalista não
tivesse a expectativa de receber um retorno de juro, o trabalhador estaria numa
situação pior, pois teria que esperar mais tempo do que deseja; e sem a
preferência do trabalhador por bens presentes, o capitalista estaria numa
situação pior, pois teria que recorrer a métodos de produção mais curtos e com
menos estágios — logo, menos eficientes — do que aqueles que deseja adotar.
Tampouco
o sistema salarial capitalista pode ser considerado um obstáculo à
evolução das forças de produção, como afirma Marx. Se o trabalhador não pudesse vender seus
serviços de mão-de-obra e se o capitalista não os pudesse comprar, a produção
não seria maior, mas sim menor, pois a produção teria de ser feita com níveis
relativamente reduzidos de acumulação de capital.
Sob um sistema de produção socializado, a evolução das forças produtivas — ao
contrário do que afirmava Marx — não alcançaria novos ápices, mas, sim,
afundaria dramaticamente.[8] Afinal, é algo óbvio
que a acumulação de capital deve ser feita por indivíduos específicos em pontos
específicos do tempo e do espaço por meio da apropriação original, da produção
e da poupança. Em cada caso, a
acumulação de capital é realizada na expectativa de que ela levará a um aumento
da produção de bens futuros. O valor que
um indivíduo atribui ao seu capital reflete o valor que ele atribui a todas as
rendas futuras possibilitadas por esse capital, renda essa descontada por sua preferência
temporal.
Se,
como no caso de fatores de produção sob propriedade coletiva, um indivíduo não mais
possui controle exclusivo do seu capital acumulado — e, portanto, sobre a
renda futura a ser derivada do emprego deste capital —, sendo que o controle
parcial deste capital foi dado a outros indivíduos que não são produtores e nem
poupadores, o valor para esse indivíduo da renda esperada e, consequentemente,
o valor dos bens de capital será reduzido. Sua preferência temporal efetiva subirá; ele
passará a ser mais imediatista, mais voltado para o presente. Haverá menos apropriação original de recursos escassos
e menos poupança para a manutenção dos recursos existentes e para a produção de
novos bens de capital. O período de
produção, o número de estágios da estrutura de produção, será reduzido e o
resultado será um relativo empobrecimento.
Se a teoria marxista da exploração capitalista e suas idéias sobre como acabar
com a exploração e estabelecer a prosperidade universal são falsas a ponto de
serem ridículas, resta claro que qualquer teoria de história que seja derivada
dela também deve ser falsa. Ou, caso ela
esteja correta, sua derivação se deu de modo totalmente incorreto.
Ao
invés de incorrer na prolixa e enfadonha tarefa de explicar todas as falhas presentes
no argumento marxista, que começa com sua teoria de exploração capitalista e termina
na sua teoria de história como acabei de descrever, tomarei um atalho. A
seguir, delinearei, da forma mais breve e correta possível, a teoria austríaca-misesiana-rothbardiana
da exploração; farei um esboço explanatório de como essa teoria faz sentido partindo
da teoria de classes da história; e ressaltarei, ao longo do percurso, algumas
diferenças essenciais entre esta teoria de classes e a teoria marxista,
apontando também algumas afinidades intelectuais entre o austrianismo e o
marxismo, afinidades essas que advêm de suas convicções comuns de que realmente
existe uma exploração e uma classe dominante.[9]
O
ponto de partida para a teoria austríaca da exploração é claro e simples, como
deve ser. Na realidade, ele já foi
estabelecido por meio da análise da teoria marxista: a exploração caracterizava
a relação entre escravo e mestre e entre servo e senhor feudal. Porém, não foi possível encontrar nenhuma
exploração sob um sistema de capitalismo limpo. Qual a diferença principal entre esses dois
casos? A resposta é: o reconhecimento ou
não do princípio da apropriação original
(o princípio que diz que os recursos naturais previamente sem dono podem ser
apropriados originalmente quando um indivíduo coloca-os em uso ou, segundo as
palavras de John Locke, "mistura seu trabalho a eles").
O
camponês sob o feudalismo é explorado porque ele não possui controle exclusivo
sobre a terra da qual ele se apropriou originalmente, e o escravo porque ele
não possui controle exclusivo sobre seu corpo, do qual, obviamente, ele deve
ser o proprietário original. Se, ao
contrário, todos possuírem controle exclusivo sobre seus próprios corpos (ou
seja, se todos forem trabalhadores livres) e agirem de acordo com o princípio da
apropriação original, não há como haver exploração. É logicamente absurdo afirmar que uma pessoa
que se apropria de bens previamente não apropriados por ninguém, ou que emprega
esses bens na produção de bens futuros, ou que poupa os bens presentemente
apropriados ou produzidos com o intuito de aumentar a oferta futura de bens, estaria
explorando alguém ao agir assim. Nada foi
tirado de ninguém nesse processo, e bens adicionais foram realmente criados.
E
seria igualmente absurdo afirmar que um acordo voluntariamente feito entre
diferentes apropriadores
originais, poupadores e produtores envolvendo seus bens e serviços (que
foram apropriados de maneira não exploratória) pode possivelmente conter alguma
injustiça ou exploração. Ao contrário, a
exploração ocorre justamente quando há algum desvio do
princípio da apropriação original. Ocorre uma exploração sempre que um indivíduo exitosamente
adquire o controle parcial ou total de recursos dos quais ele não se apropriou
originalmente, não poupou ou não produziu, e os quais ele não adquiriu
contratualmente de outro indivíduo que havia sido o genuíno proprietário-produtor
desses recursos. Exploração ocorre
quando apropriadores originais, produtores e poupadores são expropriados por
não-produtores, não-poupadores e não-contratantes que só chegaram mais tarde. Exploração é quando pessoas cujas propriedades
foram adquiridas por meio do trabalho e do contrato são expropriadas por
pessoas que simplesmente alegam ter direitos a essas propriedades; direitos esses
derivados do nada, e que desprezam todo o trabalho e todos os contratos feitos
por terceiros.[10]
Desnecessário
dizer que a exploração assim definida é, com efeito, parte integral da história
humana. Um indivíduo pode adquirir
riqueza e aumentá-la tanto por meio da apropriação original, da produção, da
poupança ou de contratos, quanto por meio da expropriação pura e simples de
outros apropriadores originais, produtores, poupadores ou contratantes. Não há outras maneiras. Ambos os métodos são naturais à humanidade. Junto com a apropriação original, a produção e
a contratação, sempre houve no mundo propriedades que foram adquiridas por meio
de métodos não-produtivos e não-contratuais. Na história do desenvolvimento econômico,
assim como os produtores e contratantes podem formar empresas, empreendimentos
e corporações, também os exploradores podem fazer conluio para criar
empreendimentos, governos e estados exploradores em larga escala.
A
classe dominante (a qual, novamente, pode ser internamente estratificada)
inicialmente é formada por membros dessa empresa exploradora. E com uma classe dominante estabelecida sobre
um dado território e ocupando-se de expropriar os recursos econômicos de uma
classe de produtores explorados, o centro de toda a história de fato passa a
ser a luta entre exploradores e os explorados. A história, portanto, se corretamente contada,
é essencialmente a história das vitórias e derrotas dos dominadores em suas
tentativas de maximizar suas rendas adquiridas exploratoriamente, e dos
dominados em suas tentativas de resistir a essa tendência e de tentar
revertê-la.
É
quanto a essa abordagem da história que os austríacos e os marxistas concordam,
e é por isso que existe uma notável afinidade intelectual entre as
investigações históricas austríacas e marxistas. Ambas as escolas se opõem a uma historiografia
que reconhece apenas ação ou interação, tudo econômica e moralmente no mesmo
nível; e ambas se opõem a uma historiografia que, ao invés de adotar uma
posição com juízo de valor neutro, julga-se no dever de inserir arbitrariamente
julgamentos de valor subjetivo com o intuito de realçar suas narrativas históricas.
Em vez disso, a história precisa ser
contada em termos de liberdade e exploração, parasitismo e empobrecimento
econômico, propriedade privada e sua destruição — caso contrário, ela estará
sendo contada falsamente.[11]
Ao
passo que empresas produtivas surgem e desaparecem em decorrência do apoio
voluntário (ou de sua ausência) dos consumidores, uma classe dominante nunca
chega ao poder porque houve uma demanda por ela; tampouco ela abdica do poder quando
sua abdicação é explicitamente demandada. Não se pode dizer, nem com muita imaginação,
que apropriadores originais, produtores, poupadores e contratantes demandaram
suas próprias expropriações. Eles devem
ser coagidos a aceitá-la, e isso prova de maneira conclusiva que a existência
dessa empresa exploradora não é demandada de forma alguma. Tampouco se pode dizer que uma classe
dominante pode ser derrubada por meio da abstenção de transações com ela, assim
como tal medida pode pôr abaixo um empreendimento produtivo. Afinal, a classe dominante adquire sua renda por
meio de transações não-produtivas e não-contratuais, sendo assim jamais afetada
por boicotes. O que torna possível o
surgimento de uma empresa exploratória, e a única medida que pode extingui-la,
é um estado específico da opinião pública — ou, na terminologia marxista, um estado
específico de consciência de classe.
Um
explorador cria vítimas, e vítimas sempre serão inimigos em potencial. É possível que essa resistência seja duradouramente
suprimida pela força — como, por exemplo, no caso de um grupo de homens que explora
outro grupo aproximadamente do mesmo tamanho. Entretanto, é necessário muito mais do que
força para conseguir ampliar a exploração sobre uma população cujo tamanho é
várias vezes maior do que o seu. Para
que isso aconteça, uma empresa precisa também ter o apoio do público. A maioria da população deve aceitar as ações
exploradoras como legítimas. Essa
aceitação pode variar do entusiasmo vigoroso à resignação passiva. Mas é necessário haver uma aceitação no
sentido de que uma maioria já deve ter abdicado da ideia de oferecer alguma
resistência ativa ou passiva a qualquer tentativa de aquisição de propriedades por
meio de métodos não-produtivos e não-contratuais. A consciência de classe deve estar baixa, rudimentar
e confusa. Somente enquanto esse estado de coisas persistir haverá espaço para
uma empresa exploradora prosperar, mesmo que realmente não haja nenhuma demanda
por ela.
Somente
se os explorados e expropriados desenvolverem uma clara idéia de sua real situação
e se unirem a outros membros da própria classe por meio de um movimento
ideológico que dê expressão à idéia de uma sociedade sem classes, na qual toda
forma de exploração é abolida, poderá a força e o poder da classe dominante serem
debilitados. Somente se a maioria do
público explorado se tornar conscientemente integrado a esse movimento e se
mostrar correspondentemente indignado com todas as aquisições de propriedade
que ocorrem por meio de métodos não-produtivos e não-contratuais, e demonstrar desprezo
por todos que praticam esses atos, pode aquele poder se desmoronar.
A
gradual abolição do domínio feudal e absolutista e o surgimento de sociedades
crescentemente capitalistas na Europa Ocidental e nos EUA — junto com um
crescimento econômico e populacional sem precedentes — foi resultado de uma
crescente consciência de classe entre os explorados, os quais foram
ideologicamente moldados pelas doutrinas do direito natural e do liberalismo. Quanto a isso, os austríacos e os marxistas
concordam.[12] Eles discordam, contudo, quanto à
próxima afirmação: a reversão desse processo de liberalização e os níveis gradualmente
crescentes de exploração nessas sociedades desde o último terço do século XIX,
e particularmente consideráveis desde a Primeira Guerra Mundial, são o resultado
de uma perda da consciência de classe. Com efeito, na visão austríaca, o marxismo possui
enorme parcela de culpa por essa situação: ele desviou a atenção do correto
modelo de exploração (a luta entre o apropriador original/produtor/poupador/contratante
e o não-apropriador original/não-produtor/não-poupador/não-contratante) para o
falacioso modelo do trabalhador assalariado versus o capitalista, assim bagunçando
as coisas.[13]
O
estabelecimento de uma classe dominante sobre uma classe explorada — cujo
tamanho é várias vezes maior que o seu — por meio da coerção e da manipulação
da opinião pública (isto é, por um baixo grau de consciência de classe entre os
explorados) possui sua expressão institucional mais básica na criação de um
sistema de direito público sobreposto ao direito privado. A classe dominante se dissocia das outras
classes e protege sua posição como classe dominante adotando uma constituição que
defende todo o funcionamento de sua própria empresa. Por um lado, ao formalizar as operações
internas dentro do aparato do estado, bem como suas relações com a população
explorada, uma constituição cria algum grau de estabilidade jurídica. Quanto mais as noções familiares e populares de
direito privado estiverem incorporadas na constituição e no direito público,
mais propício isso será para a criação de uma opinião pública favorável. Por outro lado, qualquer constituição e qualquer
lei pública também formalizam o status de imunidade da classe dominante em
relação ao princípio da apropriação original.
Uma constituição formaliza o direito dos representantes do estado de incorrerem
em aquisições de propriedade por meio de métodos não-produtivos e
não-contratuais, e a subordinação suprema do direito privado ao direito
público.
A
justiça de classe — isto é, a dualidade entre um conjunto de leis para os
governantes e outro conjunto para os governados — vem para sustentar esse
dualismo do direito público e privado e para sustentar a dominação do direito
público sobre o direito privado e infiltrar este por aquele. Ao contrário do que os marxistas pensam, não é
porque os direitos de propriedade privada são reconhecidos pela lei, que a
justiça de classe é estabelecida. Na
verdade, a justiça de classe surge precisamente quando uma distinção legal
existe entre uma classe de pessoas agindo sob e sendo protegida pelo direito
público e outra classe agindo sob e sendo protegida por um direito privado
subordinado. Mais especificamente,
portanto, a proposição básica da teoria marxista do estado é particularmente
falsa. O estado não é explorador porque
protege os direitos de propriedade dos capitalistas, mas sim porque ele próprio
está isento da restrição de ter que adquirir propriedade por meios produtivos
ou contratuais.[14]
Entretanto, apesar deste erro fundamental, o marxismo, porque interpreta corretamente
o estado como explorador (ao contrário, por exemplo, da Escola da Escolha Pública
[Public Choice School], que o vê como
uma empresa normal entre outras[15]), nos fornece alguns
vislumbres importantes com relação à lógica das operações do estado. Por exemplo, ele reconhece a estratégica
função das políticas estatais de redistribuição de renda. Como uma empresa exploradora, o estado tem de
estar, a todos os momentos, interessado em um baixo grau de consciência de
classe entre os dominados. A
redistribuição de propriedade e de renda — uma política de divide et impera — é a forma pela qual
o estado pode criar uma divisão entre o público e destruir a formação de uma
consciência de classe unificadora entre os explorados.
Além
disso, a redistribuição do próprio poder estatal por meio da democratização do
processo de entrada no aparato estatal — em que as principais posições do
governo estão abertas para todos, e em que se concede a todos o direito de
participar na determinação dos eleitos e das políticas do estado — é um meio
de reduzir a resistência dos explorados à exploração que sofrem. Ademais, o estado de fato é, como os marxistas
o vêem, o grande centro de propaganda ideológica e mistificação: exploração na
verdade significa liberdade; impostos na verdade são contribuições voluntárias;
relações não-contratuais são na verdade "conceitualmente"
contratuais; ninguém é governado por ninguém, mas nós todos nos governamos a nós
mesmos; sem o estado não haveria lei nem segurança; e os pobres morreriam, etc.
Tudo isso é parte da superestrutura
ideológica concebida para legitimar uma base essencial, porém dissimulada, de
exploração econômica.[16]
E,
finalmente, os marxistas também estão corretos ao perceberem a estreita
associação entre o estado e as grandes empresas, especialmente a elite bancária
— embora a explicação deles para isso seja incorreta. A razão desse conluio não é que o establishment
burguês veja o estado — e por isso o defenda — como o protetor dos direitos
de propriedade privada e da santidade dos contratos. Muito pelo contrário, o establishment
corretamente vê o estado como a antítese da propriedade privada, e tem
interesse nele justamente por essa razão. Quanto mais bem sucedida for uma empresa,
maior o perigo potencial de ela sofrer uma exploração governamental, mas também
maiores serão os ganhos potenciais que poderão ser auferidos caso ela possa
conseguir a proteção especial do governo e ficar isenta do peso total da concorrência
capitalista.
É
por isso que a elite empresarial tem interesse no estado e em tentar
infiltrá-lo. A elite dominante, por sua
vez, tem interesse em cooperar com a elite empresarial por causa do poder
financeiro desta. Mais especificamente,
a elite bancária é de interesse especial do estado porque, sendo uma empresa
exploradora, o estado naturalmente deseja possuir completa autonomia para
'falsificar' dinheiro — isto é, para criar moeda sem restrições.
Ao
se oferecer para incluir a elite bancária em suas próprias maquinações contraventoras,
dando aos bancos o privilégio de poderem criar dinheiro adicional sobre todo o
dinheiro já criado pelo estado — arranjo esse que ocorre sob um regime
bancário de reservas fracionárias —, o estado pode facilmente alcançar seu
objetivo: estabelecer um sistema monetário monopolizado pelo estado e um
sistema bancário cartelizado e controlado por um banco central. E por meio dessa direta conexão com o sistema
bancário e, por extensão, com os maiores clientes dos bancos, a classe
dominante efetivamente se expande para muito além do próprio aparato do estado,
chegando até os nervos centrais da sociedade civil — um arranjo não muito
diferente, pelo menos em aparência, da imagem que os marxistas tanto gostam de
pintar sobre a cooperação entre o sistema bancário, as elites empresariais e o
estado.[17]
A competição que ocorre dentro da classe dominante e entre as diferentes
classes dominantes gera uma tendência de crescente concentração. O marxismo está certo quanto a isto. Entretanto, sua incorreta teoria da exploração
novamente faz com que os marxistas situem a causa dessa tendência no local
errado. O marxismo vê essa tendência
como sendo inerente à competição capitalista. Contudo, a realidade é exatamente inversa: é
precisamente enquanto as pessoas estiverem envolvidas em um capitalismo limpo,
que a competição não será uma forma de interação de soma-zero.
O apropriador original, o produtor, o
poupador e o contratante não ganham à custa de terceiros. Seus ganhos deixam as propriedades físicas de
terceiros completamente inalteradas; ou então geram ganhos mútuos (como no caso
de todas as trocas firmadas por meio de contratos).
O
capitalismo, portanto, aumenta a riqueza absoluta. Porém, sob esse regime, não se pode dizer que
exista qualquer tendência sistemática rumo a uma concentração relativa.[18] Ao contrário, interações que resultam em uma
soma-zero de ganhos caracterizam não apenas o relacionamento entre o governante
e o governado, mas também entre governantes que concorrem entre si. A exploração, definida como aquisições de
propriedade por meios não-produtivos e não-contratuais, só é possível quando há
algo a ser apropriado coercivamente. Entretanto,
se houvesse livre concorrência no ramo da exploração, não restaria mais nada
para ser expropriado. Logo, a exploração
requer um monopólio sobre um dado território e sua população; e a concorrência entre
os exploradores é, por sua própria natureza, eliminatória e precisa desencadear
uma tendência à relativa concentração de empresas exploradoras assim como uma
tendência à centralização dentro de cada uma dessas empresas. O desenvolvimento de estados, e
não de empresas capitalistas, fornece a melhor ilustração dessa tendência: há hoje
um número significativamente menor de estados controlando exploratoriamente territórios
que são muito maiores do que nos séculos anteriores. E dentro do aparato de cada estado houve de
fato uma constante tendência de aumento dos poderes do governo central em
detrimento de suas subdivisões regionais e locais.
No
entanto, fora do aparato estatal, uma tendência de relativa concentração também
se tornou aparente pela mesma razão — não, como já deve estar claro agora, por
causa de qualquer característica inerente ao capitalismo, mas sim porque a
classe dominante expandiu seu domínio para o seio da sociedade civil por meio
da criação de uma aliança entre estados, sistema bancário e grandes empresas,
e, em particular, por meio do estabelecimento de um sistema de bancos centrais.
Então, se ocorre uma concentração e uma
centralização do poder estatal, é natural que esse processo seja acompanhado
paralelamente de um outro processo de relativa concentração e cartelização do sistema
bancário e do setor industrial. Em
conjunto com esses maiores poderes estatais, aumentam também os poderes do sistema
bancário e das empresas ligadas ao establishment de eliminar seus concorrentes
ou de colocá-los em desvantagem econômica por meio de expropriações realizadas
por meios não-produtivos e não-contratuais. A concentração de empresas é simplesmente o
reflexo de uma estatização da vida econômica.[19]
Os principais meios utilizados para a expansão dos poderes do estado e para a
eliminação dos centros rivais de exploração é a guerra e a dominação
militar. A concorrência interestados
implica uma tendência à guerra e ao imperialismo. Na condição de centros de exploração, seus
interesses são antagônicos por natureza.
Ademais, possuindo cada um deles — internamente — o poder de aplicar tributação
e o poder absoluto sobre a criação de dinheiro, torna-se possível para as
classes dominantes obrigarem terceiros a pagar por suas guerras. Naturalmente, se alguém não tem de pagar ele
próprio por seus próprios empreendimentos arriscados, mas pode obrigar
terceiros a fazê-lo, então é certo que ele tenderá a assumir mais riscos e a
ser mais beligerante do que seria de outra forma.[20]
O
marxismo, ao contrário de muitas das chamadas ciências sociais burguesas, compreende
corretamente os fatos: há realmente na história uma tendência ao imperialismo;
e os maiores poderes imperialistas são de fato as nações capitalistas mais
avançadas. Entretanto, a explicação
novamente é errônea. É o estado,
como uma instituição isenta das regras capitalistas de aquisições de
propriedade, que é agressivo por sua própria natureza. E a evidência histórica de uma correlação
próxima entre o capitalismo e o imperialismo contradiz isso apenas
aparentemente.
A
explicação surge facilmente no fato de que, para ter êxito nas guerras
interestados, um estado precisa ter à sua disposição recursos econômicos suficientes
(em termos relativos). Tudo o mais
constante, o estado com mais amplos recursos à sua disposição será o vencedor. Sendo uma empresa exploradora, o estado é por
natureza destruidor de riqueza e um obstáculo à acumulação de capital. A riqueza é produzida exclusivamente pela
sociedade civil; e quanto mais fracos os poderes exploradores do estado, mais
riqueza e capital a sociedade consegue acumular. Assim, por mais paradoxal que possa parecer,
quanto mais fraco ou mais liberal for um estado internamente, mais o
capitalismo irá se desenvolver; poder extrair recursos de uma economia
capitalista já desenvolvida torna o estado mais rico; e um estado mais rico é
capaz de empreender guerras expansionistas em maior escala e com maior êxito. É esse relacionamento que explica por que
inicialmente foram os estados da Europa Ocidental, e em particular a
Grã-Bretanha, as maiores potências imperialistas, e por que no século XX esse
papel foi assumido pelos EUA.
E
uma explicação similarmente direta, embora novamente totalmente não-marxista,
existe para a observação frequentemente feita pelos marxistas de que o sistema
bancário e a elite empresarial normalmente estão entre os mais ardorosos
apoiadores do poderio militar e do expansionismo imperialista. Esse apoio não ocorre porque a expansão dos
mercados capitalistas necessita que haja exploração, mas sim porque a expansão
desses empreendimentos que são protegidos e privilegiados pelo estado requer
que essa proteção e privilégio lhes seja estendida também dentro desses países
estrangeiros, fazendo com que seus novos concorrentes estrangeiros sejam tolhidos
através de aquisições de propriedade feitas por meios não-contratuais e
não-produtivos, da mesma forma ou até mais pronunciadamente do que ocorre na concorrência
dentro do país de origem.
Especificamente,
o establishment bancário e empresarial irá apoiar o imperialismo sempre que
esse apoio prometer levar a uma posição de domínio militar do estado aliado
sobre outro estado. Porque assim, a
partir de uma posição de força militar, torna-se possível estabelecer um
sistema que pode ser chamado de imperialismo
monetário. O estado dominante irá
utilizar seu poder superior para impor uma política de inflação coordenada internacionalmente.
Seu próprio banco central irá estabelecer
o ritmo do processo de criação de dinheiro, e os bancos centrais dos estados
dominados serão obrigados a utilizar essa moeda dominante como suas próprias
reservas e, a partir daí, inflacionar sua base monetária de acordo com a
inflação que ocorre no estado dominante.
Assim,
junto com o estado dominante e sendo os primeiros recebedores dessa moeda de
reserva internacional, o establishment bancário e empresarial pode expropriar
propriedades estrangeiras e produtores de riqueza a um custo praticamente zero.
Surge assim uma dupla camada de
exploração: um estado estrangeiro e uma elite estrangeira, agindo em conjunto
com o estado e a elite nacionais, expropriam silenciosamente a classe explorada
dos territórios dominados, causando prolongada dependência econômica e relativa
estagnação econômica em relação à nação dominadora. É essa situação — totalmente não-capitalista —
que caracteriza o atual status dos Estados Unidos e do dólar americano, e que gera
as (corretas) acusações sobre a exploração econômica feita pelos EUA e sobre o
imperialismo do dólar.[21]
Finalmente, a crescente concentração e centralização de poderes exploratórios
leva à total estagnação econômica, criando assim as condições objetivas para a
destruição final desses poderes e o consequente surgimento de uma sociedade sem
classes capaz de produzir uma prosperidade econômica jamais vista.
Ao contrário do que dizem os marxistas, essa sociedade não será o resultado de
nenhuma lei histórica. Com efeito, não
existem leis históricas inexoráveis, como os marxistas imaginam.[22] Tampouco será isso o resultado de uma tendência contínua
de queda da taxa de lucros, oriunda de um aumento da composição orgânica do
capital (isto é, de um aumento na proporção do capital constante em relação ao
capital variável), como Marx pensava. Assim
como a teoria do valor-trabalho é irreparavelmente falsa, também o é a lei da
tendência de queda da taxa de lucros, a qual se baseia na lei do valor-trabalho.
A fonte do valor, dos juros e do lucro
não está exclusivamente no trabalho, mas sim na ação — isto é, no emprego de
meios escassos para se atingir determinados fins; ação essa empreendida por
agentes econômicos que são limitados pela preferência temporal e pela incerteza
(conhecimento imperfeito). Não há razão
para supor, portanto, que mudanças na composição orgânica do capital devam ter
qualquer relação sistemática com as mudanças nos juros e no lucro.
Em vez disso, a probabilidade de crises que estimulam o desenvolvimento de um
maior grau de consciência de classe (isto é, que estimulam as condições
subjetivas para a derrubada da classe dominante) aumenta por causa da — para
usar um dos termos favoritos de Marx — "dialética" da exploração da qual falei
anteriormente: a exploração é destruidora da formação de riqueza.
Portanto,
na concorrência entre empresas exploradoras (estados), aqueles estados que são
internamente menos exploradores ou mais liberais tendem a sobrepujar os estados
que são internamente mais exploradores e menos liberais, pois aqueles terão
mais recursos econômicos (mais riqueza) à sua disposição. O processo de imperialismo tem inicialmente um
efeito relativamente libertador sobre as sociedades que passam a ficar sob seu
controle. Um modelo social relativamente
mais capitalista é exportado para sociedades relativamente menos capitalistas
(mais exploradoras). O desenvolvimento
das forças produtivas é estimulado: a integração econômica é promovida, a
divisão do trabalho é ampliada e um genuíno mercado mundial é estabelecido. A população aumenta como consequência disso
tudo, e as expectativas quanto ao futuro econômico sobem para níveis sem
precedentes.[23]
Entretanto,
com o domínio explorador se consolidando e a concorrência interestados sendo
reduzida ou mesmo eliminada nesse processo de expansionismo imperialista, as
limitações externas sobre o poder do estado dominante de explorar sua própria
população, bem como seu poder de expropriação, começam a desaparecer
gradualmente. A exploração interna, a tributação
e as regulamentações começam a aumentar na medida em que a classe dominante vai
chegando mais perto do seu objetivo supremo de dominação global. A estagnação econômica inevitavelmente se
instala e as grandes expectativas — mundiais — são frustradas. E esse cenário — as grandes expectativas
sendo crescentemente frustradas por um realidade econômica depressiva — propicia
a clássica situação para o surgimento de um potencial revolucionário.[24]
Surge
uma desesperadora necessidade de apresentar soluções ideológicas para essa
crise emergente. Paralelamente, há também
a disseminação da percepção de que o domínio estatal, a tributação e a regulamentação,
longe de oferecerem uma solução, na verdade constituem o real problema que
precisa ser superado.
Se
nessa situação de estagnação econômica, de crise e de desilusão ideológica[25] uma solução positiva for oferecida na forma de
uma sistemática e abrangente filosofia libertária em conjunto com sua
contrapartida econômica — a Escola Austríaca de economia —, e se essa
ideologia for propagada por um movimento ativista, então as chances de se
inflamar o potencial revolucionário para o ativismo se tornam altamente positivas
e promissoras. Pressões antiestatistas irão
aumentar e gerarão uma esmagadora tendência ao desmanche do poder da classe
dominante e, por conseguinte, do estado como seu instrumento de exploração.[26]
Contudo,
caso isso venha a acontecer — e dependendo da intensidade com que venha a
acontecer —, isso não resultará na propriedade coletiva dos meios de produção,
contrariamente ao modelo marxista. Com
efeito, a propriedade coletiva não é somente economicamente ineficiente, como
já foi explicado, mas é também incompatível com a idéia de que o estado vai "desaparecer".[27] Pois se os meios de produção são de propriedade
coletiva, e se for realisticamente pressuposto que todas as idéias sobre como
empregar esses meios não irão
coincidir (apenas por milagre isso ocorreria), então são precisamente os meios
de produção sob propriedade coletiva que necessitam de ações estatais contínuas
— isto é, de uma instituição coercivamente impondo a vontade de uma pessoa
sobre uma outra que discorde.
Ao
invés disso, o desaparecimento do estado — e por conseguinte o fim da
exploração e o início da liberdade e de uma prosperidade econômica jamais vista
— significa o estabelecimento de uma sociedade puramente privada, regulada apenas
e somente pelo direito privado.
________________________________________________
Notas
[1] Sobre isso, ver K. Marx e F. Engels, Manifesto
Comunista (1848); K. Marx, Das Kapital, 3 vols. (1867;
1885; 1894); dos marxistas contemporâneos, E. Mandel, Marxist Economic
Theory (Londres: Merlin, 1962); idem, Late Capitalism (londres:
New Left Books, 1975); P. Baran e P. Sweezy, Monopoly Capital (Nova
York: Monthly Review Press, 1966); para uma perspectiva não-marxista, L.
Kolakowski, Main Currents of Marxism, G. Wetter, Sovietideologie
heute (Frankfurt/M.: Fischer, 1962), vol. 1; W. Leonhard, Sovietideologie
heute(Frankfurt/M.: Fischer, 1962), vol. 2.
[2] Manifesto Comunista, seção 1.
[3] Manifesto Comunista, seção 2, últimos
dois parágrafos; F. Engels, Von der Autoritaet in: Marx e
Engels, Ausgewaehlte Schriften, 2 vols. (Berlim Ocidental: Dietz,
1953), vol. 1, p. 606; idem, Die Entwicklung des Sozialismus von der
Utopie zur Wissenschaft, idem, vol. 2, p. 139.
[4] Ver K. Marx, Das Kapital,
vol. 1; a apresentação mais curta é seu Lohn, Preis, Profit (1865).
[5] Sobre isso, ver Eugen von Böhm-Bawerk, A Teoria
da Exploração do Socialismo-Comunismo
(disponível gratuitamente em
português no site do IMB).
[6] L. v. Mises, Ação Humana, p. 564; ver
também Murray N. Rothbard, Man, Economy, and State (Los
Angeles: Nash, 1970), pp. 300-01.
[7] Sobre a teoria da preferência temporal dos juros, em
adição aos trabalhos citados nas notas 5 e 6, ver também Frank Fetter, Capital,
Interest, and Rent (Kansas City: Sheed Andrews and Mcmeel, 1977).
[8] Sobre isso, veja Hans-Hermann Hoppe, A Theory of
Socialism and Capitalism (Boston: Kluwer, 1988); idem, "Por que o socialismo sempre
irá fracassar"; idem, "The Economics and Sociology of Taxation",
in: Taxation: An Austrian View, editado por Lew Rockwell (Auburn:
Mises Institute, 1990).
[9] As
contribuições de Mises à teoria da exploração e de classe não são sistemáticas.
No entanto, através de seus escritos, ele apresenta interpretações históricas e
sociológicas que são análises de classe, mesmo que implicitamente. Digna de
nota aqui é a sua aguda análise da colaboração entre o governo e a elite
bancária em destruir o padrão-ouro para aumentar seus poderes inflacionários
como meio de redistribuição de renda e riqueza fraudulentamente e
exploratoriamente em favor deles próprios. Veja, por exemplo, seu Monetary
Stabilization e Cyclical Policy (1928) in: idem, On the
Manipulation of Money and Credit, editado por B. Greaves (Dobbs Ferry: Free
Market Books, 1978); veja também seu Socialism (Indianapolis:
Liberty Fund, 1981), capítulo 20; The Clash of Group Interests and
Other Essays, Occasional Paper no. 7 (Nova York: Center for Libertarian
Studies, 1978). Contudo, Mises não fornece um status sistemático à análise de
classe e à teoria da exploração porque ele, em última análise, incorretamente
concebe exploração como um mero erro intelectual, que a análise econômica
correta pode dissipar. Ele não reconhece completamente que a exploração é
também, e provavelmente bem mais, um problema de motivação moral que existe a
despeito de toda análise econômica. Rothbard adiciona esta percepção à
estrutura misesiana da economia austríaca e torna a análise do poder e das
elites do poder uma parte integral da teoria econômica e das explicações
histórico-sociológicas; e ele sistematicamente expande o argumento austríaco
contra a exploração para incluir a ética na teoria econômica, isto é, uma
teoria de justiça lado a lado a uma teoria de eficiência, pois assim a classe
dominante pode também ser atacada como imoral. Para a teoria do poder, classe e exploração de
Rothbard, veja em particular seu Power and Market (Kansas
City: Sheed Andrews and McMeel, 1977); For a New Liberty (New
York: McMillan, 1978); The Mystery of Banking (Nova York:
Richardson and Snyder, 1983); America's Great Depression (Kansas
City: Shjeed and Ward, 1975). Sobre os importantes precursores da análise de
classe austríaca, veja L. Liggio, "Charles Dunoyer e o Liberalismo
Clássico Francês", Journal of Libertarian Studies 1, no. 3,
1977; R. Raico, "Classical Liberal Exploitation Theory", idem; M.
Weinburg, "The Social Analysis of Three Early 19th Century French
Liberals: Say, Comte, and Dunoyer", Journal of Libertarian Studies
2, no.1, 1978; J. T. Salerno, "Comment on the French Liberal
School", Idem; D. M. Hart, "Gustave de MOlinari and the Anti-Statist
Liberal Tradition", 3 partes, Journal of Libertarian Studies 5,
nos. 3 e 4, 1981.
[10] Sobre
isso, ver também H. H. Hoppe, A Theory of Socialism and Capitalism;
idem "The Justice of Economic Efficiency", Austrian Economics
Newsletter, 1, 1988; idem, "The Ultimate Justification of the Private
Property Ethics", Liberty, Setembro 1988.
[11] Veja
também sobre esse tema Lord (John) Action, Essays in the History of
Liberty (Indianapolis: Liberty Fund, 1985), F. Oppenheimer, System
der Soziologie, Vol. II: Der Staat (Stuttgart: G. Fischer, 1964); A.
Ruestow, Freedom and Domination (Princeton: Princeton
University Press, 1986).
[12] Sobre
isso, veja M. N. Rothbard, "Left and Right: The Prospects for
Liberty" in: idem, Egalitarianism as a Revolt Against Nature and
Other Essays (Washington, D. C.: Libertarian Review Press, 1974).
[13] Apesar
de toda a propaganda socialista em contrário, a falsidade da descrição marxista
dos capitalistas e trabalhadores como classes antagônicas também vem a carregar
certas observações empíricas: logicamente falando, as pessoas podem ser
divididas em classes de maneiras infinitamente diferentes. De acordo com a
metodologia ortodoxa positivista (a qual eu considero falsa, mas que pretendo
aceitar aqui para o bem da argumentação), o melhor sistema de classificação é
aquele que nos ajuda a prever melhor. Contudo, a classificação de pessoas como
capitalistas ou trabalhadoras (ou como representantes de variados graus dentro
da condição de capitalista ou de trabalhador) é praticamente inútil para prever
qual posição uma pessoa vai tomar sobre as questões políticas, sociais ou
econômicas fundamentais. Ao contrário disso, a correta classificação de pessoas
como pagadoras de impostos e reguladas vs. consumidoras de impostos e reguladoras
(ou como representativas de variados graus da condição de pagadoras ou
consumidores de impostos) é também de fato um poderoso previsor. Sociólogos têm
quase sempre desconsiderado isso por causa dos preconceitos marxistas que são quase
que universalmente compartilhados entre eles. Mas a experiência cotidiana
corrobora esmagadoramente minha tese: descubra se alguém é um funcionário
público ou não (e seu cargo e salário), e se a renda e a riqueza de uma pessoa fora
do setor público é determinada, e em qual medida, pelas compras do setor
público e/ou pelas ações regulatórias — as pessoas irão sistematicamente
diferir em sua resposta às questões políticas fundamentais dependendo de suas
classificações como consumidoras diretas ou indiretas de impostos ou como pagadoras
de impostos.
[14] F.
Oppenheimer, System der Soziologie, vol. 2, pp. 322-23, apresenta a
questão dessa forma:
A
norma básica do estado é poder. Isto é, visto pelo lado de sua origem:
violência transformada em
poder. Violência é uma das forças mais poderosas para moldar
a sociedade, mas não é em si uma forma de interação social. Ela
precisa se tornar lei no sentido positivo deste termo, isto é, sociologicamente
falando, ela precisa permitir o desenvolvimento de um sistema de 'reciprocidade
subjetiva'; e isso só é possível através de um sistema de restrições
auto-impostas quanto ao uso de violência e com a presunção de certas obrigações
por seus arrogados direitos. Neste sentido, a violência é transformada em poder
e surge um relacionamento de dominação que é aceito não somente pelos
governantes, mas, sob circunstâncias não tão severamente opressivas, também
pelos súditos, como expressando uma 'justa reciprocidade'. A partir dessa norma
básica, surgem normas secundárias e terciárias implícitas: normas de direito
privado, de herança, de direito criminal, obrigacional e constitucional, todas as
quais carregam a marca da norma básica de poder e dominação, sendo todas concebidas
para influenciar a estrutura do estado de tal forma que aumente a exploração
econômica ao seu nível máximo, o qual deve ser compatível com a continuidade da
dominação legalmente regulada.
O
insight fundamental é o de que "a lei nasce de duas raízes essencialmente
diferentes." Por um lado, a partir da lei da associação dos iguais, que pode
ser chamada de direito 'natural', mesmo que não seja um 'direito natural'; e,
por outro lado, a partir da lei da violência transformada em poder regulado, a
lei dos desiguais".
Sobre a relação entre o direito privado e público, veja também F. A. Hayek, Law,
Legislation, and Liberty, 3 vols. (Chicago: University of Chicago Press,
1973-79), esp. vol. 1, cap. 6 e vol. 2, pp. 85-88.
[15] Veja
J. Buchanan e G. Tullock, The Calculus of Consent (Ann Arbor:
University of Michigan Press, 1965), p. 19.
[16] Veja
H. H. Hoppe, Eigentum, Anarchie und Staat (Opladen:
Westdeutscher Verlag, 1987); idem, A Theory of Socialism and Capitalism.
[17]Veja
H. H. Hoppe, "Banking, Nation States and International
Politics", Review of Austrian Economics vol. 4, 1989; M.
N. Rothbard, The Mystery of Banking, caps. 15-16.
[18] Sobre
isso em particular, M. N. Rothbard, Man, Economy, and State, cap.
10, esp. a seção "The Problem of One Big Cartel"; também L. v.
Mises, Socialism, caps. 22-26.
[19] Sobre
isso, veja, G. Kolko, The Triumph of Conservatism (Chicago:
Free Press, 1967); J. Winstein, The Corporate Ideal in the Liberal
State (Boston: Beacon Press, 1968); R. Radosh e M. N. Rothbard,
eds. A New History of Leviathan (Nova York: Dutton, 1972); L.
Liggio e J. J. Martin, eds., Watershed of Empire (Colorado
Springs: Ralph Myles, 1976).
[20] Sobre
o relacionamento entre o estado e a guerra, veja E. Krippendorff, Staat un
Krieg (Frankfurt/M.: Suhrkamp, 1985); C. Tilly, "War Making and
State Making as Organized Crime", in P. Evans et al., eds. Bringing
the State Back In (Cambridge: Cambridge University Press, 1985); também R.
Higgs, Crisis and Leviathan (Nova York: Oxford University
Press, 1987).
[21] Para
uma versão mais elaborada desta teoria de imperialismo militar e monetário,
veja H. H. Hoppe, "Banking, Nation States and International
Politics", Review of Austrian Economics, vol. 4, 1990.
[22] Sobre
isso, veja principalmente L. v. Mises, Theory and History (Auburn:
Mises Institute, 1985), esp. parte 2.
[23] Pode-se
notar aqui que Marx e Engels, mais pronunciadamente no Manifesto
Comunista, defenderam o caráter historicamente progressista do capitalismo
e elogiaram abertamente suas conquistas sem precedentes. Com efeito, revisando as passagens relevantes
do Manifesto, J. A. Schumpeter conclui:
Nunca,
e particularmente por nenhum moderno defensor da civilização burguesa, nada
como isso foi escrito, nada foi composto dessa forma em favor da classe empresarial
com uma tão profunda e extensa compreensão de quais foram suas conquistas e o
que elas significaram para a humanidade. ("The Communist Manifesto in
Sociology and Economics", em Essays of J. A. Schumpeter,
editado por R. V. Clemence [Port Washington, N. Y.: Kennikat Press, 1951], p.
293)
Dada
essa visão do capitalismo, Marx foi ainda mais longe a ponto de defender a
conquista britânica da Índia, por exemplo, como um desenvolvimento
historicamente progressista. Veja as contribuições de Marx ao New York Daily
Tribune de 25 de junho de 1853, 11 de julho de 1853, 8 de agosto de
1853 (Marx e Engels, Werke, vol. 9 [Berlim Ocidental: Dietz,
1960]). Para um marxista contemporâneo tomando uma posição similar quanto ao
imperialismo, veja B. Warren, Imperialism: Pioneer of Capitalism (Londres:
New Left Books, 1981).
[24] Particularmente
sobre a teoria da revolução, veja Charles Tilly, From Mobilization to
Revolution (Reading, Mass.: Addison-Wesley, 1978); idem, As
Sociology Meets History (New York: Academic Press, 1981).
[25] Para
uma abordagem neomarxista sobre a atual era do "capitalismo tardio",
caracterizado por uma "nova desorientação ideológica" nascida da
permanente estagnação econômica e do esgotamento dos poderes legitimadores do
conservadorismo e da social-democracia, veja J. Habermas, Die Neue
Unvebersichtlichkeit (Frankfurt/M.: Suhrkamp, 1985); também
idem, Legitimation Crisis (Boston: Beacon Press, 1975); C.
Offe, Strukturprobleme des kapitalistischen Staates (Frankfurt/M.:
Suhrkamp, 1972).
[26] Para
uma abordagem austríaca-libertária do caráter de crise do capitalismo tardio e
sobre os prospectos para o nascimento de uma consciência de classe libertária
revolucionária, veja M. N. Rothbard, "Left and Right", idem, For
a New Liberty, cap. 15; idem, Ethics of Liberty (Atlantic
Highlands: Humanities Press, 1982), parte 5.
[27] Sobre
as inconsistências internas da teoria marxista do estado, veja também H. Kelsen, Sozialismus
und Staat (Wien, 1965).