I. Introdução
A tradição iniciada por Carl Menger em 1871 é um campo vasto
e fascinante do conhecimento humano, que transcende a economia, porque se
estende ao âmbito mais abrangente das ciências sociais, da filosofia e da
cultura humanista. Não foi por acaso que Hayek afirmou que um economista que só
enxerga dentro dos limites estritos da teoria econômica, por mais apurados que
sejam seus conhecimentos técnicos, nunca será um economista completo. Não basta
que ele domine o estado das artes em sua ciência: é preciso ir mais além, é
preciso ser essencialmente um humanista. No entanto, mesmo sendo um campo muito
amplo do conhecimento humano, a EA guarda uma simplicidade impressionante, que
se explica pela lógica irrepreensível de suas proposições e postulados. É como
dizia Mises: "good economics is basic
economics"!
Os
grandes economistas austríacos do
século XX foram de uma coragem exemplar, porque, mesmo vivendo em uma época em
que seus colegas faziam questão de se tornarem progressivamente especializados
em áreas cada vez mais restritas da economia, não permitiram, em nenhum
momento, que o modismo os fizesse abrir mão de serem generalistas, não no
sentido pejorativo que essa palavra adquiriu, mas no de valorizarem a vasta
cultura e o humanismo. Infelizmente, os economistas, desde o abandono da
tradição humanista, ao mesmo tempo em que dominavam mais conhecimentos técnicos
específicos, foram se tornando cada vez menos cultos, e hoje em dia é
lamentável verificarmos que raros são aqueles realmente eruditos, no sentido de
dominarem campos que ultrapassem os contidos nos manuais de microeconomia e de
macroeconomia. Muitos, infelizmente, chegam a tratar com desdém as demais
ciências sociais, porque, em sua maneira obnubilada de encarar o conhecimento —
ensinada desde os cursos de graduação — estas não seriam "científicas".
Mas a verdade é que a infinidade de ações que
caracterizam a economia do mundo real costuma ser muito diferente e muito mais
complexa do que a que se encontra nos livros-textos. A EA não é "intuitiva": é
lógica! E não se restringe à economia: estuda as relações desta com a
epistemologia, a política, o direito, a história, a sociologia, a psicologia, a
antropologia e a filosofia política. Aquele típico homo oeconomicus a que todos os estudantes da economia tradicional
são apresentados no início das estruturas curriculares dos cursos de ciências
econômicas em todo o mundo, simplesmente, não existe. É fruto da imaginação, é
um fantasma, um espectro, sem qualquer relação com a realidade. Isso não
significa que a teoria convencional deva ser descartada, nem que o homo oeconomicus seja um íncubo a ser
esconjurado. Significa apenas que os aspectos humanistas da economia não podem
ser postos de lado, como se não fossem importantes ou "científicos". Na
verdade, o humanismo em economia é muito anterior a Menger: remonta a São Tomás
de Aquino e, depois, aos autores da chamada Escolástica
Tardia e prossegue com David Hume e Adam Smith e só foi "descartado" a
partir do século XX, com o avanço das ideias positivistas. Tanto no dia a dia
como no mundo da ciência, o que importa não é o homo oeconomicus e sim o homo
agens.
II. A tríade básica ou
núcleo fundamental
A EA tem como fundamentos uma tríade
concomitante e complementar, formada pelos conceitos de ação humana, de tempo
dinâmico e pela hipótese acerca dos limites ao nosso conhecimento. Esses três
elementos formam o seu núcleo fundamental e se transmitem por meio de seus
elementos de propagação para os diversos campos do conhecimento humano. Essa
difusão tem implicações na filosofia política, na epistemologia e na economia.
São por assim dizer a pedra angular do monumental edifício teórico que
constitui a Escola Austríaca de Economia. Deles emanam os elementos de
propagação e neles se assentam todos os componentes essenciais às deduções
lógicas e às propostas teóricas.
(a) ação
Ação significa
qualquer ato voluntário, qualquer escolha feita deliberadamente com vistas a se
passar de um estado menos satisfatório para outro, considerado mais
satisfatório no momento da escolha. A praxeologia
é a ciência geral que se dedica ao estudo da ação humana, considerando todas as
suas implicações formais. Ora, todos os atos econômicos, sem exceção, podem ser
reduzidos a escolhas realizadas de acordo com o conceito seminal de ação
humana. E a proposição básica, o primeiro axioma da praxeologia, é que o
incentivo para qualquer ação é a insatisfação, uma vez que ninguém age a não
ser que sinta alguma insatisfação e avalie que uma determinada ação venha a melhorar
seu estado de satisfação, ou seja, aumentar seu conforto, sensação de alegria
ou de realização, diminuindo, portanto, seu desconforto, frustração ou
insatisfação. Este axioma é universal: onde quer que existam pessoas existirá
ação assim definida. Portanto, a ciência econômica construída com base na praxeologia é, por corolário, universal.
Não há teorias econômicas específicas ou particulares para cada país ou região,
mas uma teoria econômica epistemologicamente correta, que é a que se monta peça
por peça a partir da observação e do estudo sistemático da ação. Mises
denominou o conceito de ação humana de
axioma praxeológico número um, no
sentido de que a partir dele podem-se deduzir as principais leis
comportamentais que regem a economia.
(b) tempo
O segundo componente da tríade é o tempo,
especialmente sua concepção dinâmica,
ou tempo subjetivo, ou, ainda, tempo real, em que o tempo deixa de ser
uma categoria estática que possa ser descrita por um simples eixo horizontal,
para ser definido como um fluxo permanente de novas experiências, que não está no tempo, como na concepção estática ou
newtoniana, mas que é o próprio o
tempo. Quando consideramos o tempo dinâmico, estamos implicitamente aceitando o
fato de que algo de novo sempre está acontecendo e assumindo suas três
características: continuidade dinâmica, heterogeneidade e eficácia causal. Portanto,
o tempo é, em si, um processo ou procedimento permanente de descobertas, como
frisava Hayek. O tempo dinâmico real é irreversível e sua passagem acarreta uma
evolução criativa, ou seja, implica alterações
imprevisíveis. O conceito de tempo real é fundamental para que se possa
entender a natureza da ação humana: agindo, os indivíduos acumulam
continuamente novas experiências, o que gera novos conhecimentos, o que, por
sua vez, os leva a alterarem frequentemente seus planos e ações.
(c) conhecimento
O terceiro elemento da tríade básica da EAE é o
tratamento epistemológico do fato — indiscutível — de que o conhecimento humano contém sempre
componentes de indeterminação e de imprevisibilidade, o que faz com que todas
as ações humanas produzam efeitos involuntários e que não podem ser calculados a priori. Além disso, existem, para os austríacos, limites inescapáveis à
capacidade da mente humana que a impedem de compreender integralmente a
complexidade dos fenômenos sociais e econômicos. Os sistemas formais possuem certas
regras de funcionamento e de conduta que não podem ser previamente determinadas.
É como escreveu José Ortega y Gasset: "o
olho não se vê a si mesmo". (Só no espelho)... Como não é possível
quantificar todo o nosso conhecimento, a EA não analisa os mercados como estados
de equilíbrio, mas como processos de descoberta e articulação de conhecimentos
que, normalmente, na economia do mundo real, permanecem calados, silenciosos, escondidos,
espalhados e desarticulados, à espera da inteligência humana subjetiva exatamente
para despertá-los, exibi-los, organizá-los e articulá-los. Esta terceira
hipótese nucléica da Escola Austríaca, para diversos estudiosos de
epistemologia, é a mais importante. No entanto, preferimos considerá-la em pé
de igualdade com as duas primeiras, por acreditarmos que assim procedendo fica
mais fácil destacar as interações e a interdependência existentes entre as
três.
Esse núcleo básico da EAE é tão importante que
nos permite definir a economia como ação
humana nos mercados ao longo do tempo sob condições de incerteza genuína.
III. Os elementos de
propagação
(a) utilidade marginal
O primeiro elemento de propagação da Escola
Austríaca não é exclusivo dela. Trata-se do conceito ou doutrina da utilidade marginal que, como se sabe,
foi a resposta correta, encontrada isoladamente, no ano de 1871, por três
economistas, à denominada questão do
valor, que vinha desafiando todos os que se interessavam pela ciência
econômica, desde São Tomás de Aquino, ainda no século XIII. Cerca de seiscentos
anos depois da Suma, Carl Menger,
Leon Walras e William Stanley Jevons, o primeiro em Viena, o segundo em
Lausanne e o terceiro em Londres, perceberam que o valor de um bem ou serviço é
determinado por sua utilidade marginal em
cada momento do tempo, isto é, que o valor depende de uma combinação simultânea
da utilidade com a escassez. Embora o conceito tenha sido introduzido na teoria
econômica pelos três, cada um deles o trabalhou individualmente segundo sua
própria convicção: Menger adotou uma postura subjetivista, enquanto Walras (o
precursor da chamada escola de equilíbrio
geral) e Marshall (o pai da escola de
equilíbrio parcial) dispensaram-lhe tratamento matemático, já que o
conceito de unidades marginais ou
adicionais de bens e serviços
encaixava-se perfeitamente no aparato do cálculo diferencial. Para os
austríacos, o princípio da utilidade
marginal, a ação, o tempo dinâmico e o subjetivismo são inseparáveis.
(b) subjetivismo
O subjetivismo
da Escola Austríaca não se limita à teoria subjetiva do valor ou à percepção de
que as teorias que lidam com o campo humano seriam pessoais e, portanto, não
sujeitas a testes, mas refere-se a uma pressuposição básica: a de que o
conteúdo da mente humana — e, portanto, os processos de tomadas de decisão que
caracterizam nossas escolhas ou ações —
não são determinados rigidamente por eventos externos. Assim, o subjetivismo enfatiza a criatividade e a
autonomia das escolhas individuais e, por conta disso, subordina-se ao
individualismo metodológico, à concepção de que os resultados do mercado podem
ser explicados em termos dos atos de escolha individuais. Para os austríacos a teoria econômica deve
considerar prioritariamente o emaranhado de fatores que explicam as escolhas e
não limitar-se a simples interações entre variáveis objetivas. O subjetivismo, então, analisa a ação
humana levando em conta que essa ação se dá sempre sob condições de incerteza
genuína, não mensurável, e, também, que ela necessariamente acontece ao longo
do tempo dinâmico. Quando um agente escolhe um curso de ação, os resultados de
sua escolha vão depender dos cursos de ações executadas e a serem
potencialmente executadas por outros indivíduos. Prevalecendo a autonomia nas
decisões individuais, isto quer dizer que o futuro não apenas não é conhecido,
mas que não pode ser conhecido e nem aprendido.
(c) ordens espontâneas
Ordens
espontâneas são classes intermediárias de fenômenos que são específicos da
ciência da ação humana ou Prxeologia.
São, por assim dizer, instituições que se situam entre o instinto e a razão, resultantes
da ação humana, mas não da execução de qualquer desígnio humano. Com efeito, para
os pensadores da Grécia antiga, existiam dois tipos de fenômenos,
correspondentes aos termos - introduzidos pelos sofistas do século V a. C. — physei, que significa "por natureza" e thesei, que significa "por decisão
deliberada". Para os austríacos, entretanto, essa dicotomia não é condizente com as
ciências sociais. No dizer de Hayek, em The Counter-Revolution of Science: Studies on the Abuse of Reason (Collier-Macmillan, New
York-London, 1964, p. 39): "alguma
espécie de ordem aparece como resultado da ação individual, mas sem ser
intencionada por qualquer indivíduo". Exemplos característicos dessas
ordens são o sistema monetário, os mercados, as manifestações culturais e a
linguagem. A economia do mundo real, desde que os homens descobriram que
poderiam obter ganhos com o processo de trocas até os nossos dias é uma grande ordem espontânea, semelhante ao
universo, em que há permanentemente forças em expansão e em contração, razão
pela qual os austríacos costumam denominar a economia de mercado de cataláctica ou cataláxia.
IV. Filosofia política
A filosofia política da EA deve ser vista como
uma tentativa de compreender e explicar a história e as instituições sociais à
luz dos limites naturais ao conhecimento humano. Como escreveu o filósofo
italiano Raimondo Cubeddu, professor em Pisa, "a história e as instituições sociais aparecem frequentemente como
produtos das ações humanas individuais, voltadas para a consecução de fins
subjetivos" (The Philosophy of the
Austrian School, Routledge, London-New York, 1993, p. x do Prefácio).
Menger, Mises, Hayek e outros austríacos não
foram apenas economistas que mergulharam no mundo da política, ou sonhadores de
um mundo melhor de cunho utópico, mas pensadores que elaboraram uma teoria do melhor regime baseada em uma concepção da ação humana e da natureza
da sociedade. O início da chamada era moderna foi marcado pela emancipação da
economia da ética e da política, ou seja, pela suposição de que a economia,
diferentemente desses dois outros campos do conhecimento, teria o status de "ciência". Entretanto, nos
dias atuais, as discussões sobre o melhor
regime sempre aparecem entremeadas com as questões econômicas. Porém,
quando os austríacos recusaram-se a
aceitar a separação da economia da ética e da política, os acadêmicos, embevecidos
pelo canto da sereia do positivismo, não pensavam assim. Quando os austríacos publicaram suas críticas ao
socialismo, advertindo que sua adoção acabaria gerando o caos ou a tirania,
precisamente porque jamais seria possível conciliar planejamento e liberdade,
eram como que vozes solitárias clamando no deserto. Naquela primeira metade do
século XX havia uma crença geral de que os perigos com do socialismo, apontados
pelos austríacos, simplesmente, não
existiam, que suas críticas tinham tão somente motivações de natureza
ideológica e que embutiam uma visão errada dos mecanismos que proporcionam o
crescimento das economias.
É espantoso que ainda hoje, depois do fracasso
de todas as experiências socialistas, ainda haja predominância nas academias, em
todo o mundo, de intelectuais que simpatizam com o socialismo. Há olhos que vão
além da frase de Gasset, porque se recusam a enxergar. A filosofia política não
é uma forma de ideologia e não pode ser reduzida a um mero conhecimento da
história, nem representa uma simples expressão de uma "luta de classes". Ela é
um desafio filosófico, guiado pela razão e pela experiência em busca do melhor
regime político. Em suma, é o que a EA jamais deixou de sustentar.
(a) crítica aos
sistemas mistos
Com base na antítese entre ordens espontâneas e ordens
dirigidas Hayek faz uma distinção importante a cerca das normas do sistema
político e institucional. As primeiras, do tipo nomos, são as que evolvem de maneira não deliberada, em que o
sistema jurídico vai paulatinamente, em consonância com os usos, costumes e
tradições, estabelecendo as garantias às liberdades individuais básicas para
que os casos concretos de violação a essas liberdades sejam solucionados.
Trata-se da common law. Essas normas
devem servir de base ao direito, por serem regras gerais de justa conduta,
aplicáveis a todos de modo igual e, ao fim e ao cabo, representam o fundamento
para a proposição de que o poder do estado precisa e deve ser limitado. As
regras do tipo thesis, em
contrapartida, são deliberadas, planejadas no campo do direito positivo, para a
obtenção de objetivos específicos de interesse do poder do estado e dos grupos
que ocupam o poder ou que se beneficiam dele. Exemplos de normas desse segundo
tipo são: a obrigatoriedade de se usar cintos de segurança dentro de um
automóvel, os orçamentos públicos e as alíquotas de impostos. Por outro lado,
às economias de mercado aplica-se o paradigma cosmos e às economias dirigidas ou planificadas o paradigma taxis. Direito e economia são, na concepção
austríaca, inseparáveis e precisam ser complementares, quando se busca uma
ordem social adequada. Portanto, cosmos-nomos
representa uma ordem social em que prevalece a economia de mercado regida
por normas de justa conduta que atendem à tradição da common law. Já uma ordem dirigida no direito e na economia pode ser
sintetizada pelo paradigma thesis-taxis,
que traduz uma economia dirigida pelo estado, que faz o seu intervencionismo
ser suportado por comandos e ordens no campo jurídico.
Quaisquer formas intermediárias entre uma ordem
espontânea e uma ordem dirigida são inviáveis, porque sofrem, por definição, de
inconsistências lógicas internas fatais. Os sistemas mistos - economia de
mercado sob comandos legais ou economias dirigidas sob a common law - são inviáveis por sua inconsistência interna, já que
uma economia de mercado pressupõe ausência de ordens e controles, enquanto uma
economia dirigida não admite as normas características da common law. Sendo assim, no longo prazo, essas formas mistas de
organização jurídica e econômica, por serem contraditórias, não conseguem ser
sustentadas e tendem a convergir para uma ordem dirigida ou totalitária do tipo
thesis-taxis.
(b) evolução nas
ciências sociais
As sociedades sempre foram ordens espontâneas, desde os primeiros agrupamentos tribais até a
moderna civilização de nossos dias. Sendo assim, as sociedades evolvem não como
resultado exclusivo da razão planejada, mas mediante processos de mutações
permanentes, de processos evolutivos,
que em nada se assemelham ao evolucionismo biológico darwiniano. O evolucionismo em ciências
sociais não é uma extensão do evolucionismo biológico darwiniano. A verdade é
exatamente o oposto: foi Charles Darwin quem aplicou à biologia o conceito de
evolução. A crença de que a teoria da evolução social consiste de "leis de evolução" é completamente equivocada, uma vez que não se pode falar em leis
ou sequências definidas, às quais a evolução das instituições sociais deveria
estar subordinada. Logo, não é possível estabelecer modelos de previsão das
trajetórias futuras dos fenômenos sociais. Em outras palavras, a evolução das
sociedades não segue um curso pré-determinado; é antes um processo de
tentativas e erros e, fundamentalmente, de natureza cultural, ao não resultar nem
do instinto e nem da razão.
(c) democracia e
divisão de poderes
A democracia não pode ser vista como um fim em
si, mas como simples meio de assegurar que os governantes eleitos exerçam o seu
papel de governar por meio de normas
gerais e não se valendo de decretos que expressam seus próprios desígnios.
A democracia deve, por outro lado, conter mecanismos de prevenção contra os
abusos da vontade da maioria parlamentar e impor limites à atuação do partido
ou coligação que esteja eventualmente no poder.
A finalidade da democracia, para Hayek, é
garantir uma verdadeira separação entre os três poderes tradicionais, algo que,
apesar das boas intenções do estado constitucional moderno, nunca foi
realizado, dado que, tradicionalmente, o poder de legislar e o poder de dirigir
o governo - o legislativo e o executivo - sempre se misturaram nas assembléias
legislativas e, com o passar do tempo, as instituições democráticas existentes
foram se moldando às necessidades dos governos democráticos mais do que à de descobrir
sistemas apropriados de regras gerais de justiça para atender ao interesse
público. Assim, as atribuições de legislar têm passado cada vez mais para o
âmbito do executivo, restando ao legislativo um papel meramente fiscalizador,
servindo a democracia como simples vestimenta ou disfarce, embora indispensável
para dar aparato de legalidade a eventuais arbitrariedades do executivo. Este fato se constitui em uma inversão de
valores e é reflexo da transformação da lei
(nomos) em legislação (thesis), fazendo com que o compromisso
com princípios e normas de conduta gerais fosse substituído por consensos a
respeito de medidas particulares.
(d) contenção do poder
O grande desafio na organização de uma ordem
social que assegure as liberdades individuais e o respeito às normas gerais de conduta é o de limitar
efetivamente o poder. Liberdade, razão e estado são essenciais no processo de
conformação da ordem nas sociedades, porque as duas primeiras são inseparáveis
das normas de conduta e estas, por sua vez - mesmo que isto nos incomode -, são
mais facilmente respeitadas por coerção implícita do que por acordos
voluntários. Hayek propôs duas
assembléias, uma para cuidar das normas de conduta (nomos), e outra a quem caberia, exclusivamente, a legislação (thesis). A primeira deveria refletir
uma representação de acordo com o peso eleitoral dos partidos políticos e a
segunda funcionaria de maneira independente destes. Essas diferentes funções e
composições atenderiam concomitantemente ao princípio da separação dos poderes
e ao estado de direito, estabeleceriam de modo mais efetivo uma verdadeira
primazia da lei sobre os indivíduos e impediriam os detentores do poder
executivo de usar esse poder para atender aos interesses partidários ou
pessoais, disfarçando-os com argumentos de "interesse público" ou de "justiça
social". Adicionalmente, esse sistema bicameral impediria que a maioria
parlamentar seguisse comportamentos discricionários, de acordo com as
conveniências de cada momento político.
A filosofia política de Hayek está longe de ser
um modelo abstrato, porque está baseada na evolução da common law inglesa, um sistema jurídico que, mediante a solução
para casos concretos, foi ao longo do tempo e desde muitos séculos descobrindo
as liberdades individuais. A evolução das instituições políticas limitativas
dos poderes do Estado está assentada nessa mesma base. Na Inglaterra, o
surgimento do poder legislativo não foi resultado de nenhuma concepção segundo
a qual o direito deve ser deliberadamente "planejado" por uma assembléia
colegiada, mas uma medida de caráter mais prático do que teórico para tentar
limitar os poderes do rei. O fato de existirem duas câmaras, a dos lordes e a dos comuns, também se explica pelo mesmo princípio: enquanto aquela se
incumbe de defender o direito, mesmo que não sancionado sob a forma de leis
escritas, mas já existente na common law,
a câmara dos comuns deve preocupar-se
com as normas do tipo thesis que, na
nomenclatura de Hayek, significa legislação
e se diferencia do direito (nomos). Ao legislativo, portanto, não compete elaborar
o direito, mesmo porque este já existe na common
law.
Com a forte influência de Rousseau, contudo,
esse entendimento foi se degenerando, mas ele é claro ao exprimir que as
liberdades individuais devem ser, na maior medida possível, autônomas em
relação à vontade arbitrária dos poderes do Estado, sejam o executivo ou o
legislativo. Ninguém, nem uma maioria, nem uma minoria, de acordo com a
concepção de Hayek, deve possuir qualquer poder decisório sobre o direito,
porque este deve basear-se nas liberdades individuais.
(e) crítica ao
construtivismo
Muitas das controvérsias existentes no campo
científico e, principalmente, no político, derivam das diferenças filosóficas
básicas entre duas escolas gerais de pensamento. Como ressaltou Hayek, embora
seja costumeiro referir-se a ambas como racionalismo, deve-se distinguir entre
o racionalismo evolutivo (ou, na
nomenclatura de Karl Popper, racionalismo
crítico) e o racionalismo
construtivista (ou ingênuo, no dizer
de Popper).
O racionalismo cartesiano, ao ser transplantado
para as ciências sociais, gerou a idéia de que a mente e a razão humanas seriam
capazes, por si só, de permitir ao homem construir de novo a sociedade. Essa
pretensão racionalista, que Hayek denominou de construtivismo ou de engenharia
social, teve suas origens em Platão, fortaleceu-se com Descartes e
encontrou seguimento em Hegel e Marx. Confrontado, com o racionalismo evolutivo
característico do pensamento liberal, o racionalismo construtivista - fonte das
utopias, do socialismo, do nazismo e do totalitarismo em geral - é ingênuo em
suas crenças, extremamente arrogante em sua gnosiologia e perigoso em suas
experimentações práticas nas sociedades modernas, como a história do século XX
atesta. (Para compreender esse fenômeno, recomendamos a leitura da obra do
filósofo alemão Eric Voegelin, especialmente Hitler e os Alemães).
A posição da EA - o racionalismo crítico ou
evolutivo - baseia-se em uma visão de mundo extremamente mais realista em sua
observação dos fatos, humilde em relação às limitações dos poderes da mente
humana e cética no que diz respeito
aos experimentos de engenharia social,
um resultado natural da utopia racionalista cartesiana.
Em resumo, há limites claros ao conhecimento e
esses limites impedem que as experiências construtivistas obtenham êxito. Isto não
significa, evidentemente, que o corpo teórico da EA não seja constituído por um
conjunto de proposições racionais, apenas que o tipo de racionalismo que
utiliza é evolutivo ou crítico.
V. Epistemologia
A epistemologia ou estudo do conhecimento
científico costuma dividir as ciências em factuais,
quando se baseiam na observação e na experimentação; têm objetos reais de
estudo e juízos geralmente sintéticos, isto é, em que o predicado não se
verifica a partir da análise do sujeito (por exemplo, "o torcedor do
Fluminense", pois não se pode, a partir da análise do conceito de
"torcedor", inferir que ele tenha amor ao "Tricolor"); e formais, quando têm como objeto entes de razão; utilizam o método
axiomático-dedutivo (que consiste em inferir uma série de teoremas a partir de
alguns axiomas ou proposições não demonstrativas); e elaboram juízos analíticos
de valor (que são aqueles em que o predicado se infere a partir da análise do
sujeito, como, por exemplo, o predicado da oração "Deus é infinitamente sábio"
se infere a partir da análise do conceito "Deus").
A economia, para a EA, é uma ciência
factual-dedutiva, uma vez que, embora não estude entes de razão como fazem as ciências formais e também não empregue
o método experimental, como fazem as ciências factuais, é, rigorosamente, uma
ciência dedutiva, na medida em que suas leis não são derivadas do que foi
observado em diversos casos, mas se inferem a partir de premissas gerais. A
análise austríaca parte do exame das implicações formais da ação humana, considerada como a
característica essencial de tudo o que é "econômico". Sobre essa
base, que é estabelecida por axiomas, ela prossegue, deduzindo suas implicações
lógicas, até construir os teoremas correspondentes, que são as leis econômicas.
A EA vê as leis econômicas como relações
indicativas de causa e efeito, isto é, apenas como indicativas de tendências,
sem exatidão matemática. Isto decorre do fato de que não existem, em economia,
constantes, como existem na física. Sendo assim, as leis da física, não podendo
ser deduzidas do nada, devem ser induzidas, mediante um processo de
experimentos prévios, ao passo que, em economia, as medições realizadas não são
mais que simples dados da história econômica, sem significado maior para a
teoria econômica pura. Por essas razões é que os economistas da Escola
Austríaca sempre sustentaram que o método experimental, utilizado corretamente
por ciências como a física e a química, não pode ser utilizado pela economia,
cuja metodologia deve necessariamente basear-se em procedimentos dedutivos.
(a) individualismo
metodológico
O individualismo
metodológico da EA remonta a Menger - que elaborou um tratado sobre a
essência e os métodos das ciências sociais - e está associado ao seu conteúdo subjetivista
que, ao lidar com o espírito individual e com as escolhas individuais, conduz
naturalmente ao estudo do indivíduo. Assim, os resultados dos mercados devem ser
explicados em termos dos atos individuais de escolha praticados nesses
mercados. A economia deve tratar, antes de qualquer outra coisa, com
pensamentos e avaliações individuais que antecedem e servem de base para as
escolhas e não de inter-relações entre magnitudes objetivas. Esta compreensão
do individualismo metodológico já
embute, então, críticas aos excessos de quantificação e aos insights holistas (como a macroeconomia,
por exemplo) e coletivistas.
O objeto da economia, assim como o das chamadas
ciências sociais deve ser prioritariamente o indivíduo, a pessoa humana em toda
a sua dignidade e não um ente abstrato - a "sociedade" - que, embora possa ser
considerada como o conjunto de todos os indivíduos que a compõem, não pensa,
não fala, não vai às compras, não poupa e não investe. Quando muito, essas
ações são feitas em seu nome, mas por pequenos grupos formados por indivíduos que ocupam de alguma forma o
poder. A "sociedade" é, por assim dizer, uma abstração real, no sentido de que ela existe, mas não tem vida própria,
porque não é mais do que um amontoado dos desejos, aspirações, escolhas,
sucessos e frustrações, muitas vezes conflitantes, de milhões de indivíduos.
(b) modelos vs. fatos nas ciências sociais
Em Scientism
and the Study of Society, Hayek pergunta o que são os fatos nas ciências sociais, frisando que estas não podem ser
manejadas como objetos físicos tal como as ciências naturais o fazem, mas sim
com conceitos que devem surgir da vontade das pessoas quando estão agindo. Isto
significa que para a economia não interessa se uma determinada moeda é de cobre
ou de ouro, nem se uma cédula emitida pelo Banco Central é verde ou azul, mas
sim que a moeda é um meio de troca, ou seja, o que importa é como ela é
utilizada nas ações humanas. A moeda, como conceito geral, não pode ser
explicada sem que se refira a interações entre indivíduos.
O filósofo argentino Gabriel Zanotti, no artigo Hayek y la Filosofía Cristiana
demonstra que a perspectiva gnosiológica de Hayek - ao defender quais são os fatos das ciências sociais
e, ao mesmo tempo, o individualismo
metodológico - é nominalista e
neokantiana, ou seja, relaciona o individualismo
metodológico com o individualismo
ontológico, para o qual somente existem indivíduos e as essências
universalizadas em nossa mente não possuem fundamento real. Para Zanotti, "os
conceitos gerais segundo os quais estudamos as interações individuais não se
referem a uma essência realmente existente, mas a modelos gerais mentalmente formulados antes de qualquer observação,
a que Hayek, por sua vez, relaciona com a limitação do conhecimento e com a
ordem espontânea" (p. 60).
(c) características
das ciências sociais
Uma das características mais fortes da epistemologia
da EA é a idéia de que as ciências sociais precisam ser conduzidas com objetivos
e métodos distintos daqueles utilizados pelas ciências naturais, porquanto não
devem utilizar o método indutivo daquelas ciências, mas sim modelos gerais de
análise das complexas interações sociais, que possam servir de base para a
dedução de conclusões que têm, entretanto, pouca utilidade para prever com
precisão os resultados de situações particulares. Esses resultados não podem
ser verificados por meio de experimentos controlados, mas podem ser negados (falsificacionismo) pela observação dos
fatos. Dessa forma, os austríacos rejeitam
veementemente o método positivista nas ciências sociais e, portanto, na
economia. Essas ciências não têm por que copiar os métodos das ciências
naturais, nem os seus cientistas precisam sentir-se "inferiorizados" por isso,
já que a questão central - que muitos economistas parecem ignorar - é que os
seus métodos de estudo, suas características e seus objetivos são completamente
diferentes daqueles das ciências naturais, tanto sob o ponto de vista ético
quanto do antropológico.
(d) previsão em
ciências sociais
Os economistas austríacos sempre foram céticos quanto à capacidade de previsão de
"modelos de informação incompleta". O contexto geral das ciências sociais
implicaria modelos de previsão sobre cada ordem espontânea a ser analisada. A
limitação do conhecimento, no entanto, não é apenas um fenômeno existente do
lado dos atores ou agentes, mas também no dos cientistas sociais encarregados
da elaboração desses modelos. Ora, como esperar, então, que alguém que não tem
conhecimento de todos os fatores relevantes em fenômenos tão complexos como os
estudados pelas ciências sociais possa ter capacidade para prever a trajetória
futura desses fenômenos? Trata-se, como observou Zanotti, do "indeterminismo
intrínseco à conduta humana", como diria Popper, ou, simplesmente, do "livre
arbítrio", como escreveria São Tomás de Aquino. A capacidade de previsão das
ciências sociais é restrita a previsões gerais e jamais a previsões
particulares e específicas. E a única possibilidade de testes empíricos é a
pura observação de acontecimentos que, segundo o resultado geral da previsão,
seriam impossíveis. Por isso, quando ainda não conhecia a EA e jornalistas ou
alunos me perguntavam, por exemplo, qual seria a taxa de inflação em
determinado mês ou ano, eu - treinado na macroeconomia e na econometria -
sempre tinha um número "pronto" revelado "cientificamente" por algum modelo.
Mas, desde que li Ação Humana e
decidi estudar os economistas austríacos,
minha resposta a esse tipo de pergunta passou a ser: a tendência da inflação é de alta (ou de queda, se for o caso), mas nem
eu e nem ninguém tem capacidade para dizer de quanto será a alta (ou a queda).
Ou, para resumir: não sei...
VI. Economia
A economia da EA, assim como a epistemologia e a
filosofia política, também deriva da tríade
básica - ação, tempo e conhecimento -
e se propaga por meio dos conceitos de utilidade marginal, subjetivismo e
ordens espontâneas, que são os seus elementos
de propagação. Com base no núcleo seminal e nesses elementos propagadores,
os economistas austríacos, desde os
primórdios com Menger, erigiram uma obra extraordinariamente rica sob o ponto
de vista científico, mas que funciona perfeitamente - evidentemente, naquilo
que se pode chamar de "perfeição" em uma ciência social - quando tenta explicar o mundo real.
Vejamos resumidamente cada um dos seis campos da
teoria econômica que consideramos essenciais para a compreensão do pensamento austríaco.
(a) processo de
mercado
A EA não estuda, ao contrário da mainstream economics, mercados em estado
de equilíbrio. Nem tampouco utiliza a famosa classificação dos mercados segundo
as suas "formas" (concorrência perfeita, oligopólio, concorrência monopolista e
monopólio). Ela trabalha com a hipótese de que os mercados são processos que tendem ao equilíbrio
(porque os agentes são racionais e aprendem com os erros), mas que, em cada
momento distinto do tempo dinâmico, não estão em suas "posições" de equilíbrio.
Para entender isto, basta mencionarmos os
principais elementos da teoria. Em primeiro lugar, os mercados são movimentados
pela ação humana de seus participantes, tanto no lado da demanda quanto no da
oferta. Em segundo lugar, a ação humana se dá ao longo do tempo dinâmico, em
que cada instante é uma oportunidade de aprendizado. Terceiro, as transações
nos mercados se realizam sob condições de limitação e de dispersão do
conhecimento. Quarto, os mercados são ordens espontâneas, sujeitando-se, portanto,
a permanentes mutações. E quinto, a ação humana é subjetiva. Como esperar,
então, que o mundo real possa apresentar mercados em "equilíbrio"? Este é um
dos principais pontos da teoria austríaca.
Os mercados são processos de erros e tentativas, um permanente procedimento de
descobertas de novas oportunidades, com uma dinâmica que não dá espaço para o
equilíbrio.
(b) função empresarial
A função empresarial é a capacidade
individual subjetiva de perceber as possibilidades de ganhos existentes nos
mercados. Portanto, ela nada mais é do que uma categoria de ação. Sendo assim,
a ação humana pode ser considerada como um fenômeno empresarial, mais especificamente aquela que realça as capacidades
perceptiva, criativa e de coordenação do agente. Como em qualquer ação humana,
a ação empresarial acontece em ambiente de incerteza genuína, dadas as
limitações de nosso conhecimento. Requer, por sua vez, criatividade e
desprendimento, já que o futuro é incerto e uma ação empreendedora tanto pode
dar bons resultados como maus resultados. A ação
empresarial é um conjunto de escolhas ao longo do tempo em ambiente de
incerteza e, como tal, implica em um conjunto de outras ações alternativas a
que se deve forçosamente renunciar e chama-se de custo ao valor subjetivo dessas ações a que se renuncia.
Como os meios sempre são escassos face aos fins, os agentes buscam
primeiro os fins aos quais dão maior valor e apenas depois os demais,
relativamente menos importantes. Cada ação é motivada pela crença subjetiva de que os fins escolhidos possuem um valor maior
do que o valor dos custos da escolha de uma ação e a diferença entre ambos é o lucro, o elemento que explica a ação. Toda
ação embute um componente empresarial puro e criativo em sua essência, que não
requer qualquer custo e que é exatamente o que permite aproximar o conceito de
ação do conceito de função empresarial.
(c) debate sobre o cálculo econômico
Mises,
ainda nos anos 20 do século passado, percebeu claramente que o sistema
socialista impossibilita o cálculo
econômico. Seu argumento era simples: o
cálculo econômico requer que os planejadores conheçam os preços; estes, por
sua vez, para que possam ser considerados como preços de fato (e não
pseudo-preços) pressupõem a existência do processo de mercado, em que as ações
de demandantes e ofertantes possam fluir normalmente; e os mercados, para que
possam existir, requerem a propriedade privada. Ora, o socialismo não contempla
a propriedade privada; portanto, não faz sentido falar em mercados em num
sistema socialista; se não há mercados efetivos, não pode haver preços e, não
havendo preços, o cálculo econômico torna-se impossível. Por essa razão, Mises
afirmava categoricamente, em seu debate com os economistas socialistas, que o
sistema que defendiam guiava-se às cegas e estava, portanto, fadado ao
fracasso, pela desorganização social e econômica que embute. A história
comprovou que Mises estava certo. Os órgãos centrais nesses sistemas são
formados por pessoas sem o dom da onisciência,
que não conhecem os conjuntos dispersos de informações individuais que se
alteram e renovam ininterruptamente ao longo do tempo. Os planejadores nem
conseguem saber qual o seu o grau de
ignorância sobre as informações necessárias para promover o cálculo correto
e a consequente coordenação. E quanto maior o grau de coerção imposto, menores
são as possibilidades de realização dos planos, porque a maior repressão tende
a aumentar a ausência de coordenação, provocando distorções nos mercados, que
são progressivamente crescentes com o tempo.
(d) teoria monetária
Os
pontos principais da EA a respeito da teoria monetária podem ser resumidos em
cinco: o primeiro é que os efeitos das variações do estoque de moeda afetam
desigualmente os preços relativos, a estrutura de capital, os padrões de
produção da economia e alteram os níveis de emprego dos fatores de produção. Já
em 1912, em sua obra monumental Teoria da
Moeda e do Crédito, Mises chamava a atenção para o fato de que aumentos na
oferta de moeda não produzem benefícios para a sociedade, porque eles não
possuem capacidade de alterar os serviços de troca proporcionados pela moeda,
apenas reduzem o poder de compra de cada unidade monetária. O segundo é que os
ciclos econômicos são fenômenos que, embora se manifestem no chamado setor real
da economia, têm causas exclusivamente monetárias. O terceiro é que a moeda,
como qualquer outro bem, tem o seu valor decretado pelo princípio da utilidade
marginal, como demonstrou Mises naquela obra, ao resolver o então denominado problema da circularidade austríaco, com o seu famoso teorema da regressão. O quarto é que a
inflação deve ser definida não como um simples "aumento contínuo e generalizado
de preços", uma vez que isso, na verdade, é a manifestação da inflação; a inflação
é a queda permanente no poder de compra da moeda, provocada, em última
instância, pela emissão de moeda e pela consequente diminuição de sua utilidade
marginal. E o quinto e último ponto é que a moeda, vale dizer, o sistema
monetário, é uma ordem espontânea, um fenômeno que passa permanentemente por
evoluções que são resultantes da ação humana, mas não de qualquer planejamento.
(e) teoria do capital
A teoria do capital austríaca, sem dúvida,
é um elemento que a diferencia de todas as demais, pelo simples fato de que
estas não possuem algo que se possa denominar de teoria do capital. Quem mais
contribuiu para a concepção austríaca do
capital foi, sem dúvida, Böhm-Bawerk, que seguiu a tradição iniciada por
Menger. Mises, Hayek e outros austríacos
trabalharam fortemente para o seu desenvolvimento. Seu ponto central é o
conceito de estrutura de capital ou estrutura de produção, que considera que
um bem, desde que começa a ser produzido até ficar acabado na forma de um bem
final, passa por várias etapas no processo produtivo. Esses diversos estágios correspondem à estrutura de
capital da economia. Portanto, o capital não é homogêneo e muito menos
constante, como os modelos macroeconômicos o consideram. Ele é essencialmente
heterogêneo e varia com os demais fatores de produção ao longo do tempo. A
heterogeneidade dos bens de capital e o fato de que as economias possuem estruturas de capital levam, entre
outras hipóteses (como a do individualismo metodológico) os economistas austríacos à rejeição da análise
macroeconômica.
(f) teoria dos ciclos econômicos
A ABCT (Austrian
Business Cycles Theory) foi desenhada por Mises em seu tratado de 1912,
posteriormente desenvolvida por Hayek nos anos 30 e depois aperfeiçoada por
outros economistas da tradição de Menger, dos quais o mais criativo é o
americano Roger Garrison. É, ao mesmo tempo, uma teoria da moeda, do capital e
dos ciclos econômicos. Mostra como a emissão de moeda produz o efeito de
diminuir a taxa de juros e, inicialmente, enganar os agentes - que, acreditando
que se trata de maior poupança, embarcam em investimentos de maturação mais
longa, alargando, assim, a estrutura de capital da economia. Posteriormente,
quando esses agentes descobrem que na realidade não se tratava de poupança, mas
de moeda "fantasiada" de poupança, a taxa de juros sobe e isso leva a um
encolhimento da estrutura de produção, fenômeno que produz desemprego (e que
ficou conhecido como efeito concertina ou
efeito sanfona), que é maior nos
setores mais afastados da produção de bens finais, que foram exatamente aqueles
setores inicialmente beneficiados pela expansão monetária. Assim, a inflação -
ou seja, aquela quantidade adicional de moeda que entrou na economia sem lastro
- acabará provocando o desemprego de fatores de produção. Como disse Hayek, não
há escolha entre comer demais (emitir moeda sem lastro real) e ter indigestão
(recessão), porque ambas são inseparáveis, a primeira acarretando a segunda.
Essa conclusão - de que o desemprego é a causa natural da inflação - mostra
quão equivocadas são as análises keynesianas
que ficaram conhecidas como a curva
de Phillips, que postulavam a existência de um trade off ou dilema entre
inflação e desemprego, de modo que, se algum governo desejasse combater a
inflação, teria que aceitar uma taxa de desemprego de mão de obra maior ou, se
quisesse reduzir o desemprego, seria forçado a aceitar uma taxa de inflação
mais elevada. A crise que explodiu em setembro de 2008 é explicada
perfeitamente pela EAE. E o fracasso das políticas keynesianas adotadas pelos governos do mundo inteiro só faz
confirmar essa explicação.
VII. Conclusão
Ação, tempo e conhecimento: eis o universo
fascinante da Escola Austríaca de Economia, sua pedra fundamental! Finalizo
dizendo que, após duas décadas estudando a EAE, formei a firme convicção de que
a pedra que os "construtores" da economia rejeitaram e continuam rejeitando é
de fato a pedra angular e de que o dever dos economistas austríacos é o de tentar mostrar isto para o maior número de
pessoas! Para o próprio bem delas.