Suponha
que um pai, desde a mais tenra idade de seus filhos, ensine-lhes a gastar tudo e
até mais do que ganharem; incuta em suas cabeças que o hábito de poupar é um
vício abominável; recomende-lhes que contrair dívidas é uma virtude louvável; quando
estiver à beira da morte, os chame e lhes diga que deixa para eles um enorme
buraco financeiro; e que, além disso, ainda lhes prescreva que façam o mesmo
com seus próprios filhos, esforçando-se, quando ficarem idosos, por deixar-lhes
débitos maiores do que os que receberam como herança, empurrando-a
sucessivamente para filhos, netos, bisnetos e todas as gerações futuras. Certamente, um sujeito assim seria
imediatamente tachado como irresponsável, perdulário, dissipador, esbanjador,
gastador; extravagante e estróina. Em
termos morais, um péssimo exemplo para os filhos.
Entretanto,
o que pouca gente percebe — inclusive a quase totalidade dos economistas — é
que o keynesianismo nada mais é do
que uma defesa pretensamente "científica" do comportamento do pai hipotético do
parágrafo anterior! Mais ainda, que os
vícios desse pai não são, do ponto de vista coletivo, vícios, mas virtudes; e
que as virtudes individuais, tais como a frugalidade, a modéstia, a poupança, a
parcimônia, a boa administração dos bens e o trabalho duro, quando considerados
do ponto de vista da sociedade, não são virtudes, mas vícios execráveis,
verdadeiros pecados mortais.
Você
está espantado? Então pense comigo sobre
a essência da Teoria Geral e observe
se não é o conceito de "multiplicador" de gastos, segundo o qual aumentos na
propensão a gastar da "coletividade" acabam provocando aumentos mais do que
proporcionais na renda "coletiva", como que em um passe de mágica. Em uma economia fechada, esse "multiplicador"
é definido como sendo matematicamente igual ao inverso da "propensão marginal a
poupar", ou seja, quanto maior a taxa de poupança, pior para todos: o
"multiplicador" será baixo e haverá desemprego, choro e ranger de dentes... Não
vou mostrar aqui a impropriedade desse tipo de raciocínio "macroeconômico",
porque no momento estou mais interessado em destacar a imoralidade do keynesianismo do que em discutir as
fraquezas técnicas da Teoria Geral, que
o tornam um livro medíocre em termos de teoria econômica.
Porém,
se você estiver interessado em detectá-las e analisá-las, basta ler a obra dos
economistas da Escola Austríaca de Economia e, em particular, o livro de Murray
Rothbard, Man, Economy and State, que
está sendo traduzido para o português pelo Instituto Ludwig von Mises Brasil. Ou, se quiser enriquecer os seus
conhecimentos, ler os autores da chamada escola da Public Choice, principalmente James Buchanan e Gordon Tullock. (Observe que até importantes críticos do
intervencionismo e defensores fervorosos do livre mercado, como Milton Friedman
e os monetaristas da escola de Chicago usaram um instrumental essencialmente keynesiano em suas críticas. É conhecida
a frase de Friedman: we are all
keynesians).
O
keynesianismo é uma doutrina imoral,
porque se baseia no privilégio do imediato, do consumo e dos gastos, e não na
preocupação com o futuro, na poupança e nos aumentos de produtividade. Com o pretexto de combater o desemprego e a
pobreza, inverte radicalmente os valores morais consagrados pela teoria
econômica desde São Tomás de Aquino, passando pelos pós-escolásticos, por David
Hume e Adam Smith, ao transformar vícios privados em virtudes públicas e
virtudes privadas em vícios públicos. Rompe com toda a tradição da ciência
econômica que, como se sabe, começou com grandes filósofos morais. Não significa isto que todo economista keynesiano seja um imoralista. Na verdade, em sua grande maioria, são pessoas
moralmente corretas e bem intencionadas. Significa apenas que, por deficiências
sérias em sua formação, não estudaram filosofia moral e ética e, por isso, não
se dão conta da imoralidade das teorias que, ingenuamente, defendem.
Como
explicar o sucesso do keynesianismo? Como entender que, no famoso debate verificado
nos anos 30 do século XX, entre Keynes e Hayek, o inglês tenha saído vencedor,
apesar das inúmeras inconsistências de sua teoria quando contrastada com os
fortes argumentos austríacos, baseados na racionalidade? Como explicar que, no campo da política,
praticamente todos os partidos no mundo inteiro tenham se transformado em
redutos keynesianos?
A
resposta a essas indagações não é difícil de ser achada. O sucesso do keynesianismo está em seu forte apelo popular, no sentido de que
"os mercados são perversos" e os governos são "bons" e zelam pelo bem comum. Além disso, enquanto Hayek pregava
austeridade, Keynes dizia que era necessário gastar mais. Ora, isso não representou sempre, ao longo da
história, tudo o que a maioria dos políticos em todo o mundo desejou ouvir, ainda
mais se dito ou aconselhado por uma fonte supostamente "científica"?
Em
artigo recente (Crise econômica e financeira
ou cultural e institucional? Análise à luz do debate entre Hayek e Keynes)
publicado na Revista de Economia & Relações Internacionais da FAAP (vol.
9(17), 2010), os economistas portugueses José Manuel Moreira e André Azevedo
Alves, professores da Universidade de Aveiro, concluem enfaticamente que "a
sociedade de consumo e da imprevidência é, afinal, o reverso da moeda de uma
famosa expressão atribuída a Keynes: "no longo prazo, estaremos todos mortos". E aduzem:
Afirmamos
também que tanto as verdadeiras causas como as mais chocantes consequências da
crise do nosso tempo só poderão ser percebidas e combatidas se conseguirmos
olhar para o keynesianismo como um sistema articulado e coerente que ultrapassa
a economia. Um sistema que, em especial
a partir dos anos 1960 — ao transformar a generalidade dos economistas,
políticos e 'opinion makers' em apoiantes e servidores dos dogmas do
keynesianismo —, se conseguiu impor como teoria social do nosso tempo. Um sistema que, mais do que na teoria
econômica, se assenta num sistema de pensamento global. Um sistema de contestação e de ataque à
poupança e ao conjunto de valores liberais-conservadores e cristãos e sempre
com ânsia de eliminar o futuro, a idade, as rugas, enfim, o tempo e os juros.
(pág. 122)
Nos
últimos anos de sua vida, Keynes deu indícios de que não acreditava mais no que
havia escrito na Teoria Geral — o
que chegou a contrariar alguns de seus discípulos mais famosos, como Nicholas
Kaldor e Joan Robinson —, mas, como observou Rothbard, achava que estava velho
demais para assumir sua mudança de atitude e, por essa razão continuaria a
considerar-se um imoralista. Nunca é
demais lembrarmos que, em uma passagem autobiográfica (My Early Beliefs), Keynes tenha se vangloriado da forma como o
círculo de seus amigos de Cambridge (quase todos pertencentes ao Bloomsbury Group) jactava-se de não
respeitar as normas morais tradicionalmente consagradas: "repudiávamos
totalmente qualquer obrigação pessoal de obedecer a normas gerais". E, ainda, que esses amigos chegavam mesmo a
considerar-se, "no sentido estrito do termo, imoralistas"...
A
propósito da crise que explodiu no mundo em setembro de 2008, é entristecedor
vermos que, após tantos anos decorridos da Teoria
Geral, muitos analistas econômicos e — o que é pior — o público em geral
e os bancos centrais dos países desenvolvidos, defenderam e aplicaram terapias
keynesianas na tentativa de debelá-la. Expansões
monumentais de moeda e crédito, utilização de recursos dos contribuintes para
salvar banqueiros e empresários imprevidentes e políticas de incentivo ao
consumo. Parecia um rissorgimento do keynesianismo. Isto, no entanto, vai durar pouco, muito
pouco.
Por
que esse novo surto será curto? O
diagnóstico de Keynes para a Grande Depressão era inteiramente equivocado (como
a crise do início dos anos 20, que terminou sem qualquer necessidade de
intervenção do estado na economia), mas hoje, decorridas sete décadas, há um
sério agravante que o torna mais errado ainda, porque, depois de setenta anos
de keynesianismo fiscal e monetário,
os estados estão quebrados em todo o mundo, assolados por dívidas públicas que
não podem pagar e por outros males (sistemas previdenciário, de saúde,
trabalhista e tributário) que cresceram, incharam e hoje transbordam em
decorrência do wealfare state keynesiano.
Os
netos de 2011 estão sendo chamados para pagar as contas que seus avôs e pais
abriram ao longo de sete décadas e, embora o keynesianismo lhes recomende que passem a bola para as gerações
futuras, isso será absolutamente impossível: os estados quebrarão antes. E a
moralidade fiscal e monetária, individual e coletiva, será restaurada, não por
bem, mas pelo mal do desemprego e da inflação.
E
o moralismo que sempre caracterizou a Escola Austríaca de Economia, bem como a
Escola da Escolha Pública, será restabelecido na prática. E, espero, também, na academia.