Os
bancos europeus ainda estão profundamente encrencados. No momento, a única coisa impedindo uma
corrida bancária é a habilidade dos políticos dos PIIGS em persuadir o público
de que estes países serão capazes de continuar pagando os juros de sua dívida
no curto prazo — dívida essa em posse desses bancos.
Os
investidores não se preocupam com os prospectos de longo prazo. Eles simplesmente assumem que serão capazes
de vender esses títulos podres para o próximo grupo de investidores ingênuos,
os quais ficarão na dependência da próxima rodada de pagamento de juros dos PIIGS. Cada grupo supõe que os grupos seguintes
serão otários. Eles se consideram
investidores sofisticados que sabem o que irá acontecer e quem será capaz de
descarregar os títulos em cima dos outros investidores realmente tolos.
Historicamente,
isso é conhecido como "quem será o maior dos bobos?". É algo que sempre vigora nas etapas finais de
uma bolha.
Em
maio passado, escrevi sobre a crise nas finanças do governo grego e disse que
não deveríamos esperar muito das promessas feitas pelo primeiro-ministro de que
ele implementaria fortes medidas de austeridade fiscal, especialmente no setor
público. Em um artigo intitulado "Os PIIGS e os bancos
venceram, mas o estado de bem-estar social se exauriu", escrevi:
Quanto aos cortes de gastos na
Grécia, uma risada. Quanto a mais
austeridade no sul da Europa, mais risadas.
Uma vez que você passa a dever aos bancos do norte um trilhão de
dólares, você tem os políticos de lá sob total controle, uma vez que eles estão
lá exatamente para proteger seus bancos.
Assim, você consegue fazer com que os políticos de lá vendam cada vez mais
dívidas para assim conseguir o dinheiro necessário para lhe dar. E é com esse dinheiro que você vai cumprir
seu pagamento de juros aos bancos do norte - e então voltar a vender mais
dívidas a taxas baixas.
O endividamento irá
aumentar. Essa é a inescapável realidade
do risco moral. Os lucros dos bancos
irão continuar, pois seus prejuízos são transferidos para os governos. Nada
mudou. O mesmo velho sistema se mantém.
No
dia 10 de setembro, os sindicatos gregos começaram a organizar mais uma onda de
badernas, preparando-se para um discurso do primeiro-ministro. No
dia 11 de setembro, começaram os tumultos — em um sábado. Uma fonte britânica informou que pelo menos
20.000 manifestantes marcharam até o centro de convenções onde o primeiro-ministro
estava fazendo seu discurso. A polícia
utilizou gás lacrimogêneo contra a multidão.
O
primeiro-ministro anunciou uma redução na alíquota do imposto de renda para
as empresas, de 24% para 20%. Ele também
prometeu privatizar a companhia de eletricidade.
O
país precisa reduzir seu déficit, que foi de quase 14% do PIB em 2009, para 8%
esse ano. Isso, para colocar de maneira
bem direta, é impossível. Todo mundo
sabe que é impossível. Não obstante, ele
anunciou: "Eu tenho toda a confiança de que, ao final do ano... teremos
atingido essa redução de 40% no déficit."
"As receitas estão 1,5 bilhão de
euros menores do que as despesas", ele disse.
"Mas no ritmo em que estamos avançando, e com as medidas que já tomamos,
estamos confiantes de que iremos atingir o objeto que estabelecemos para 2010."
Números do orçamento divulgados
na sexta-feira sugerem que, apesar da várias medidas tomadas pelas autoridades,
as receitas tributárias aumentaram apenas 3,3% nos oitos meses do ano até
agosto, muito aquém da meta de 13,7% para esse ano. Entretanto, a notícia boa foi a de que o
gasto público nesse mesmo período caiu 12%, mais do que o dobro da meta de 5,8%
até o fim de 2010.
Ele
também garantiu aos seus ouvintes que não há necessidade de mais medidas de
austeridade. Ele assegurou que as
medidas já tomadas irão gerar uma reação positiva nos credores ocidentais.
Porém,
se os credores tiverem lido o artigo de Michael Lewis na Vanity Fair, "Cuidado
com os títulos gregos", é difícil imaginá-los tendo qualquer reação
positiva.
NÚMEROS FALSOS
Lewis
ficou famoso por causa de seu livro sobre Wall Street, Liar's
Poker.
Agora
ele está destrinchando as finanças do governo grego. É uma história de trapaças e tramóias como
nenhuma outra que eu já tenha lido.
Há
11 milhões de pessoas na Grécia. A nação
acumulou um déficit operacional de $400 bilhões, mais um encargo de $800
bilhões do fundo estatal de pensão. Isso
dá $1,2 trilhão. Tudo isso para uma
nação com uma população menor que a de Los Angeles.
Dá uma dívida de $250.000 para cada cidadão grego.
"Uma equipe nossa foi até lá e
não acreditou no que eles descobriram", contou-me um funcionário graduado do
FMI, não muito tempo depois de ele ter retornado da primeira missão do FMI à
Grécia. "A maneira como eles estavam
controlando suas finanças — eles sabiam quanto eles podiam gastar, mas ninguém
estava mantendo controle do que já havia de fato sido gasto. Não era nem algo que você chamaria de
economia emergente. Era um país de
terceiro mundo mesmo."
Trata-se
de uma nação que, uma década atrás, entrou na União Monetária europeia em
condições iguais às dos outros países membros.
Isso significa que os bancos ao redor do mundo compraram os títulos da
dívida de uma nação que simplesmente não tem como quitar seus empréstimos.
Essa
semana, uma missão do FMI esteve na Grécia para examinar os registros
contábeis. Parece não haver nenhuma
preocupação nos mercados internacionais.
O
resumo que Lewis faz do grau de corrupção e descontrole administrativo deixa o
leitor atônito.
O
sistema ferroviário estatal gera receitas de 100 milhões de euros. Só a folha salarial é de 400 milhões, e há
mais 300 milhões de gastos com outras despesas correntes. O empregado médio da ferrovia ganha 65.000
euros por ano.
O
sistema público de ensino está entre os piores da Europa. Porém, ele emprega quatro vezes mais professores
por aluno do que a Finlândia, a nação com o melhor sistema escolar.
E
há a questão das aposentadorias. Para os
empregos árduos, a idade de aposentadoria é de 55 para os homens e 50 para as
mulheres. "Como esse é também o momento
em que o estado começa distribuir generosas pensões, mais de 600 profissões
gregas conseguem de alguma forma ganhar a classificação de 'árdua': cabeleireiro,
locutor de rádio, garçom, músico, e por aí vai, em uma lista infindável."
E
há também o sistema tributário. Praticamente
nenhum trabalhador autônomo paga imposto de renda. Médicos aceitam pagamento somente em dinheiro
vivo. Dois terços deles declaram ganhar
apenas 12.000 euros por ano, quantia sobre a qual há isenção. Um dedo-duro disse a Lewis que, se a lei de
fato fosse aplicada, todos os médicos da Grécia iriam para a cadeia.
A maneira mais fácil de lavar
dinheiro era comprando imóveis.
Convenientemente para o mercado negro — e algo único entre os países
europeus —, o registro nacional de propriedades de terra e imóveis não
funciona na Grécia. "Você tem de saber
onde o sujeito comprou o terreno — o endereço — para poder chegar até ele",
disse o funcionário da Receita. "E,
mesmo assim, tudo é escrito à mão, difícil de decifrar." Porém, eu retruquei,
se algum cirurgião plástico ganhar um milhão em dinheiro vivo, comprar um lote
em uma ilha grega, e construir uma mansão para si próprio, aí haveria outros
registros — por exemplo, a autorização de construção. "As pessoas que dão as autorizações de
construção não informam ao Tesouro", disse o funcionário da Receita.
E
assim ocorre em todos os setores da economia.
Apenas as pessoas assalariadas pagam imposto de renda.
Quanto
às propinas, trata-se de um costume amplamente difundido. Se alguém é pego sonegando, ele paga uma
pequena multa. Um dos dois delatores que
conversou com Lewis, funcionário da Receita, dedurou uma empresa que havia
lucrado 15 milhões de euros. Ela não
pagou impostos. O delator foi
rebaixado. A empresa pagou uma multa de 2.000
euros.
O
homem tinha tantas evidências de vários outros casos similares, que Lewis pediu
para ele parar de mostrar. Ia levar a
noite toda para ver tudo.
Em Atenas, tive por várias vezes
uma sensação nova para mim, como jornalista: uma completa falta de interesse
por algo que era obviamente um material chocante. Eu me sentava com alguém que conhecia todo o
funcionamento interno do governo grego: um banqueiro do alto escalão, um
funcionário da Receira, um auxiliar do ministro da fazenda, um
ex-primeiro-ministro. Eu pegava meu
bloco de anotações e começava a escrever as histórias que eles revelavam. Era sempre um jorro ininterrupto de escândalos. Via de regra, após vinte minutos eu já perdia
todo o interesse. Simplesmente era uma
coisa excessiva: dava para encher bibliotecas com todo o material; aquilo não
cabia em um artigo de revista.
Esse
é o país que persuadiu os investidores mais sofisticados do mundo a lhe
emprestarem centenas de bilhões de dólares a juros alemães. Ninguém se importou em checar os registros
contábeis. Não havia registros a serem
checados.
Há
um ano, quando o novo governo tomou posse, o homem encarregado das finanças não
conseguia fazer a prestação de contas para uma semana. A cada dia surgiam novas revelações. Um fundo de pensão do governo apresentava um
déficit de $1 bilhão por ano. Não havia
registros dele. Tudo corria por fora do
orçamento. Em uma semana, o déficit
anual pulou de 7 bilhões de euros para 30 bilhões. Ninguém jamais o havia contabilizado antes.
O
resumo de Lewis é persuasivo.
A estrutura da economia grega é
coletivista, mas o país, em espírito, é o oposto de um coletivo. Sua estrutura real é cada um por si. Foi nesse sistema que os investidores despejaram
bilhões de dólares. E a explosão do
crédito fácil empurrou o país até a beira do precipício, em um completo colapso
moral.
O
governo grego vai dar o calote? Ele não
responde diretamente, mas, indiretamente, está claro que ele pensa que
sim. Ele vê tudo isso como um colapso
moral. Ele não tenta argumentar ser
possível o governo evitar o calote. A
questão mais interessante, diz ele, é se os gregos podem se reformar a si
próprios. Ele termina seu artigo dizendo
isso:
O povo grego se comporta como
uma coleção de partículas atomizadas, cada uma delas tendo crescido acostumada a
buscar seus próprios interesses à custa de terceiros. Não há dúvida de que o governo está decidido
a pelo menos tentar recriar uma vida cívica na Grécia. A única questão é: pode tal coisa, uma vez
perdida, ser recriada?
O
colapso moral está apenas marginalmente relacionado à propensão dos eleitores
em se preocuparem apenas com seus próprios interesses. O colapso moral veio quando os eleitores
acreditaram que o governo estava lhes dizendo a verdade. Os eleitores confiaram nas promessas feitas
pelo governo de que ele garantiria a boa vida de todos na velhice, tudo à custa
dos ricos. Isso sim é um colapso moral
profundo.
O calote virá. "O ímpio toma emprestado, e não paga"
(Salmos 37:21)
MAIS
PROFUNDO, MAS NADA DIFERENTE
O
artigo de Lewis mostra em termos sinistros o grau de extensão das trapaças e da
corrupção da vida cívica grega. Porém,
já está claro que todos os governos modernos estão a caminho do Grande
Calote. Todos eles brincam com suas
respectivas previdências e com seus variados esquemas de seguridade
social. Os sistemas de contabilidade de
todas as nações modernas são meros exercícios de como enganar o povo. Todos os membros dos escalões superiores dos
governos sabem disso. A própria mídia,
lida por toda a intelligentsia, tem escrito sobre isso nos últimos anos.
Não
há força e nem vontade política para resistir aos eleitores, que sempre querem
algo em troca de nada. E não há
disposição dos eleitores para ouvir a verdade.
O político de qualquer país que mostrar claramente a verdade dos números
e falar que "Haverá um calote" irá perder as próximas eleições.
O
problema é universal. O adiamento do
problema já está muito avançado. Nos
EUA, os políticos apenas dizem que o sistema pode ser salvo com alguns pequenos
ajustes. O Congresso nunca faz esses
pequenos ajustes. Por que não? Porque eles não são pequenos. Eles são politicamente suicidas.
Foi
apenas agora que o sistema financeiro global passou a se preocupar com a
possibilidade de os gregos darem o calote em suas dívidas. Às vezes parece que essa é a única questão
que importa, já que, se os gregos se recusarem a pagar sua dívida de $400
bilhões, os bancos europeus que emprestaram esse dinheiro irão à bancarrota, e
os outros países que hoje estão flertando com a insolvência (Espanha e Portugal)
poderão facilmente ir junto. Porém, a
verdade é que essa questão sobre se a Grécia irá quitar suas dívidas envolve
algo maior. O que deve ser perguntado,
na realidade, é se a Grécia irá mudar sua cultura. E o calote só será evitado caso os gregos
estejam dispostos a mudar.
O
erro do artigo de Lewis é distinguir os gregos como se eles fossem
fundamentalmente diferentes dos eleitores do resto do ocidente
industrializado. Eles não são. Eles apenas estão bem mais avançados naquela
estrada que Lewis corretamente chamou de estrada para a perdição.
Os
bancos europeus são credores de um governo que os enganou perfeitamente. Os banqueiros hoje estão com caras de bobo, o
que eles certamente são. Eles também são
credores de governos de países apenas marginalmente mais solventes que a Grécia. Ou seja, eles estão encurralados.
A
realidade é essa: o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional
intervieram em maio e injetaram mais crédito no sistema bancário, pois ambos
acreditavam que um calote grego iria solapar a credibilidade dos bancos.
Nada
disso tem relevância na opinião dos credores ocidentais. Eles concederam tanto crédito a governos que
certamente irão dar o calote, que eles nem mais se preocupam em tentar escapar. Não há nenhuma porta de saída. Não há compradores para as dívidas. Portanto, eles apenas fingem, assim como a
Grécia fingiu durante uma década, que o atual sistema financeiro não é algo
completamente ilusório e fraudulento.
Qualquer um que dedurar e soltar alguma informação perigosa sobre o
atual estado das coisas irá ameaçar todo o sistema. Tal pessoa jamais encontrará outro emprego em
sua área, e sua carreira estará terminada.
Ninguém
quer acreditar em nada disso, assim como os gregos não querem acreditar no
final de seu estilo de vida. Mas se tudo
for verdade, então um Grande Calote está próximo. Os bancos ficarão à deriva, com vários
títulos da dívida de governos falidos nas mãos.
Consequentemente, os bancos centrais irão inflacionar a oferta monetária
para salvar os grandes bancos.
Porém,
em algum momento, a realidade vai se impor.
Os bancos centrais terão de se decidir: ou eles vão optar pela
estabilização monetária, com os juros duplicando ou triplicando, os governos
dando calote e uma inevitável depressão mundial; ou eles vão optar pela
hiperinflação. Se eles conseguirem
salvar os grandes bancos, eles vão optar pela estabilização. Afinal, a hiperinflação destroi o sistema
econômico.
Os
governos podem também nacionalizar os bancos centrais, transformando suas nações
em Zimbábues. Isso nunca aconteceu em
nenhuma nação ocidental próspera desde o fim da Segunda Guerra Mundial, apenas em
nações derrotadas.
A
hiperinflação é obviamente uma força destrutiva, mas a alternativa é um calote
completo. Os políticos temem isso. Se eles nacionalizarem os bancos centrais e
os obrigarem a comprar os títulos do governo, pode apostar na hiperinflação.
CONCLUSÃO
A
Grécia é a ponta do iceberg — um iceberg mediterrâneo. Não há como o governo evitar o calote. Mas os investidores preferem acreditar em
mentiras hoje e deixar para encarar a realidade apenas amanhã. Eles são exatamente como os eleitores e os
políticos.