quarta-feira, 21 jul 2010
Ainda no dia em que escrevo este
texto, tenho por lido uma queixa de uma leitora, que me pergunta a quem
recorrer nestes tempos em que tudo parece estar perdido. Se posso ajudar de alguma forma, ouso
confortar-lhe que, em primeiro lugar, não há mal que dure para sempre, e
principalmente, que há muitas e muitas pessoas que têm uma noção, pelo menos
intuitiva, de que as coisas estão fora do lugar.
Para ilustrar esta situação, causada por um domínio maciço
dos meios de comunicação e dos recintos estudantis, eu recorro a um filme da
década de 80, intitulado "The Day After". Naquela película, após a eclosão de uma
hecatombe nuclear, a primeira iniciativa dos sobreviventes é procurarem uns aos
outros. Na verdade, existem muitos
deles, mas estão ilhados e sem comunicação, de modo que cada um pensa ser o
único.
Assim estamos nós, mas agora, graças a Deus, no meio de um
trabalho formiguinha que já tem conseguido aglutinar muitas almas amigas. Frente a um inimigo que conta com recursos
poderosíssimos, temos nos esforçado e, com a verdade ao nosso lado, já demos
mostras de ter incomodado um tanto.
A esta pessoa aflita, digo que prevejo um momento futuro de
reversão da opinião pública, mais ou menos segundo uma poderosa reação em
cadeia, para me utilizar de um conceito de comparação utilizado pelo escritor
Alain Peyrefitte em sua obra "A Sociedade de Confiança". Não sei quando ocorrerá, até porque, quanto
mais perto de acontecer, maior será a velocidade da reversão desta opinião que
não digo coletiva, mas majoritária.
Somente com este ânimo e compreensão majoritários por parte
da população é que poderemos reverter o atual estado de estatolatria em que
vivemos, com todas as suas consequências. Somente os conceitos de liberdade e
responsabilidade individuais bem assimilados pelas pessoas poderão fazer com
que repudiem e reajam às tentativas de concentração de poder e intervenção
sobre a vida privada que, infelizmente, jamais deixarão de existir.
Desta vez, venho trazer mais um lamentável caso em que se
demonstra que o senso de propriedade privada no seio de nossa gente ainda é
plenamente desconhecido. No Diário do Pará,
leio a seguinte matéria:
O promotor militar Armando
Teixeira entrou em contato com o comando da Polícia Militar em Salinópolis para
que a polícia proíba a prática abusiva de consumação mínima nas barracas da
praia do Atalaia, em Salinópolis, nordeste do Pará, um dos principais destinos
turísticos do Pará. A prática abusiva aplicada pelas barracas varia de R$ 50,00
até absurdos R$ 150,00.
De acordo com o promotor, a
prática é criminosa e fere a relação de consumo, prevista no Código de Defesa
do Consumidor, com pena prevista de dois a cinco anos de reclusão. A ordem é
para que os barraqueiros sejam presos em flagrante caso insistam na cobrança.
"Esses barraqueiros ocupam um espaço público da
União de maneira irregular e ainda cometem outro crime contra o consumidor",
vaticina o promotor.
Ora, o que é o comércio, senão a troca de títulos de
propriedade privada? No regular
funcionamento de uma sociedade livre, as pessoas ajudam umas às outras trocando
propriedade, e a condição da consumação pode ser um meio de tornar estas trocas
possíveis, de modo que, para uma delas, não se torne anti-econômica e portanto,
inviável, o que traria um decréscimo do padrão-de-vida para todos.
Em nossa sociedade, são inúmeros os casos de consumação
mínima, sem que as pessoas menos atentas se dêem conta: por exemplo, para o
vendedor ou o garçom, o mínimo a receber no fim do mês é o salário mínimo,
mesmo que suas comissões não alcancem o valor estipulado por ele. É ou não um caso de consumação mínima?
E quanto aos diversos planos telefônicos? Não estamos a falar aqui de consumação mínima
também? E aos planos médicos e
odontológicos? E aos programas de tv de
canal fechado? Contratamos, por acaso,
cada um dos canais, individualmente? E
aos pacotes turísticos? Será que posso
estabelecer, para um determinado plano de estada, ficar apenas dois dias em
Bariloche, ao invés de cinco?
Os exemplos fornecidos aqui dão uma mostra rápida da função
da consumação. No caso das malocas de
praias - e estamos falando da alta estação - há inúmeros consumidores que enrolam
o dia inteiro com um copo de cerveja na mão, desfrutando do usufruto das
instalações que custaram significativamente ao empreendedor investir.
Com a repressão aos barraqueiros, o que poderá acontecer é
que os produtos simplesmente terão de ficar mais caros, ou então, que eles
passarão a cobrar pelo "aluguel" das mesas e pelo uso dos banheiros. De qualquer jeito, ficará mais caro por
unidade de produto consumida. Em última
instância, se nada puderem fazer, simplesmente abandonarão a atividade.
Qualquer pessoa, de posse de sua propriedade privada
guardada na carteira - isto é, seu dinheiro - pode aceitar ou não entrar em uma
daquelas barracas. O que qualquer pessoa
também pode fazer é trazer o seu isopor e o seu guarda-sol, e isto é justamente
o que muitos outros cidadãos preferem - inclusive, eu e imagino, representamos
a maioria - sem ameaçar os barraqueiros.
Porém, isto não é tudo: a matéria ainda traz um flagrante
ainda mais grave do abuso de poder. Chamo
a atenção do leitor para a citação do promotor, que investe contra os
barraqueiros, acusando-os de ocupação irregular de terreno da União. Ora, se há irregularidade na ocupação, o que
ele deveria fazer como promotor público seria agir para retirar os barraqueiros
de lá, e não reclamar da forma como eles praticam sua atividade.
Imagine um guarda rodoviário que constata que o motorista
trafega em um carro roubado, mas que decide apenas lhe multar por uma lanterna
queimada! Não seria esdrúxulo? Desta forma, a ocupação irregular se torna um
pretexto de legitimação da perseguição contra a propriedade privada, ao modo
como tanto acontece todos os dias contra quem abra uma porta de comércio, já de
antemão enquadrado por uma longa lista de irregularidades que estão lá para
conceder ao seu dono um status precário de legalidade, ou melhor dizendo, uma
concessão.
Função Apriorística da Propriedade Privada! Eis o que falta aos brasileiros conhecerem e
entenderem para então termos uma sociedade mais livre e justa. Dentro dos meus esforços pessoais, tenho
estado muito desanimado com a classe empresarial, que teima em não entender a
importância da divulgação deste conceito, antes preferindo agir como ovelhas a
balir coisas estapafúrdias como "responsabilidade social". Preferem patrocinar antes quem planeja lhes
destruir do que quem lhes alerta para o perigo e mostra o caminho correto. Mudarão quando as pessoas em geral adotarem
estes conceitos, mas até lá...que custo!