Nota
do IMB: o artigo a seguir faz parte do concurso de artigos promovidos pelo
Instituto Mises Brasil (leia mais aqui). As
opiniões contidas nele não necessariamente representam as visões do Instituto e
são de inteira responsabilidade de seu autor.
Introdução
A Escola Austríaca de economia foi fundada
oficialmente com a publicação da teoria do valor de Carl Menger no final do
século XIX. Naquela época, era tida
apenas como uma escola que preferia usar palavras no lugar de números para
explicar a situação econômica.
Posteriormente, com o trabalho de Ludwig Von Mises,
foi introduzida a praxeologia
nessa escola, o que finalmente conseguiu definir claramente o seu campo de
estudo. Transformando-se em uma escola com uma linha teórica bem refinada e que
conseguiu traduzir os efeitos econômicos de forma mais eficaz que o mainstream[1] - o qual tentava criar modelos econômicos se baseando
nas ciências naturais, desconsiderando a existência na ação humana de fatores
impossíveis de serem valorados.
Desde então, houve vários outros trabalhos notáveis, como
a teoria do conhecimento disperso de Friedrich Hayek, a teoria empreendedora de
Israel M. Kirzner, a teoria do capital heterogêneo de Ludwig Lachmann e várias
outras. Esses diversos trabalhos podem
ser encontrados de forma resumida em uma infinidade de artigos que desejam
sintetizar as principais contribuições do pensamento austríaco.
Entretanto, pode-se notar que existe ainda uma certa
escassez de trabalhos voltados a analisar as contribuições mais recentes da
Escola Austríaca. Talvez o principal
fator seja o fato de as teorias recentes não serem mais divulgadas em grandes
livros como outrora, pois o debate econômico migrou de grandes obras para
diversos papers, que são muito mais
difíceis de serem lidos por não acadêmicos.
Apesar de ser algo interessante e passível de ser
discutido em obras futuras, não iremos nos alongar muito sobre o porquê da
escassez de análises sobre as contribuições recentes do pensamento austríaco
para o debate econômico.
O escopo desse artigo é analisar as contribuições
austríacas recentes em diversas áreas da economia. Ao analisar cada área, será feita uma breve
análise das contribuições mais antigas para que possam ser traçadas as modificações
e evoluções feitas recentemente nessas teorias.
Além de poder ser usado como base para uma futura pesquisa
por acadêmicos interessados na Escola Austríaca de Economia, este resumo também
servirá para os entusiastas do pensamento austríaco se manterem atualizados
sobre tais contribuições - sendo apenas um esboço inicial que não só pode, como
deve, ser aprimorado em trabalhos futuros.
Empreendedorismo
A teoria do empreendedorismo foi originalmente
desenvolvida pelo austríaco Israel M. Kirzner.[2] Para este autor, o empreendedorismo é um sinal
do alerta empresarial[3] que consiste em achar
oportunidades de lucro quando elas não estão visíveis a outras pessoas. Para este processo, é necessária a interação
de empresários especulando sobre as oportunidades futuras de ganhos, sendo que
alguns irão achar estas oportunidades, enquanto outros fracassarão na tentativa.[4]
Para Kirzner, o empresário é quem nota as
inconsistências do mercado e tenta diminuí-las. Essa perspectiva, entretanto, é
contrastada com a linha schumpeteriana, na qual os empresários desequilibram a
forma tradicional de se enxergar o mundo através de suas inovações. Sendo esse desequilíbrio, diferentemente da
visão kirzneriana, um fator positivo.[5] Esse conflito entre a visão kirzneriana e
schumpeteriana de se enxergar a figura do empresário ainda é um ponto a ser
melhor discutido pelos futuros trabalhos dos austríacos.
Algumas críticas foram feitas aos primeiros trabalhos
sobre o empreendedorismo, principalmente pelos economistas Jakee e Spong,
afirmando que os fatores psicológicos geradores desse alerta não estão
necessariamente presentes em todas as circunstâncias e, dessa forma, caberia à
economia estudar o que modifica o alerta de forma positiva ou negativa.
O principal trabalho nesse sentido foi feito pelo
economista David Harper. Para este, as
características individuais de cada pessoa interagem com as situações externas
para tornar o processo de descoberta possível, já que o empreendedor deve
enxergar uma oportunidade de lucro e perceber se possui as características
necessárias para executá-la. Utilizando
essa teoria, Harper ainda mostrou o processo de evolução de instituições
econômicas, políticas e culturais mediante esses fatores.
Pesquisando o processo de empreendedorismo, Frederic
Sautet notou que esse processo não era unificado, mas que era executado em
múltiplos níveis. Em um caso simples, o empresário está alerta a oportunidades
de lucro fora da firma, mas em casos mais complexos ele não possui o
conhecimento de seus empregados. Em
"firmas complexas" os empresários deveriam então desenvolver uma estrutura de
firma que encoraje a atividade empresarial de cada funcionário. [6]
Aperfeiçoando a teoria kirzneriana,
Randall Hocombe lembra que o empreendedorismo é um alerta puramente cognitivo e
inclui a ação de acordo com sua percepção sobre oportunidades novas. Um empresário pode ter certeza de que
descobriu uma oportunidade de lucro até agir e testar isso.
Alguns
austríacos, entretanto, não seguiram a linha kirzneriana. Joseph Salerno enxerga a posse de recursos
como fator fundamental para o empreendedorismo. Da mesma forma fazem autores como K. Foss, N.
Foss e P. Klein, que juntam a teoria da incerteza knightiana com a teoria do
capital heterogêneo lachmaniana para criar uma teoria do julgamento, a qual
considera a posse de recursos fundamental para a atividade empresarial. Estas teorias são geralmente utilizadas para
pesquisas relacionadas a operações internas de firmas.
Processo de Mercado e Instituições Econômicas
Ao ser
estudada a função do empreendedor, tem
que se entender também como se dá o processo de mercado.
Para o
economista Mario Rizzo, o mercado não está em equilíbrio contínuo. A falta de alerta pode levar a inconsistências
no mercado e o processo de mercado consiste na resposta a essas coordenações
ruins.[7]
Rizzo discorda, junto com outros autores, do processo de mercado kirzneriano
pelo fato de este não conseguir ser demonstrado empiricamente.
O
processo de mercado toma tempo, e nesse tempo, conhecido como tempo real,
ocorrem mudanças no conhecimento. Os
dados iniciais podem mudar já que o processo de "equilibração" ocorre no tempo
real.
Além
disso, os mercados operam de forma que nem todas as possibilidades são vistas
por todos, mais conhecida como incerteza radical.
Juntando
tudo isso, o processo de mercado é indeterminado e, como ele não pode ser
previsto, os economistas não podem afirmar com exatidão como ele se dá - podendo
ser traçado um modelo apenas para melhor entendimento de como o processo
ocorre.
Howard
Baetjer Jr. Foca-se na forma como a informação é transmitida através do
mercado. Para ele o mercado age juntando
a informação de todos os membros através do sistema de preços. Os bens também podem transmitir informação
sobre as melhores combinações destes para a alocação de recursos e
oportunidades de lucro, e até o design dos produtos pode dar informações de
mercado. [8]
A
transmissão de conhecimento depende também do contexto institucional, e isso
inclui o sistema legal e produtos culturais. Harper chama a atenção sobre como o
desenvolvimento dos sistemas e das técnicas numéricas reduze os custos
transacionais, ajuda na tomada de decisão dos agentes e na computação de
valores, escassez, oportunidades e dos aspectos econômicos importantes dos
bens.
Para o
economista Peter Boetkke, o empreendedorismo também pode ocorrer em estruturas
que não sejam as de mercado, como estruturas em atividades filantrópicas. Existe empreendedorismo político sobre como
alocar os recursos de acordo com um arranjo institucional. A diferença do processo de mercado para esses
tipos de empreendedorismo é a falta dos mecanismos de lucro e prejuízo. Se existe um mecanismo de resposta adequado a
esse tipo de instituição, é algo em aberto.
Alguns
austríacos, como Chamlee-Wright, consideram que a reputação pode ser uma
instituição que traz um mecanismo de resposta sem a necessidade do mercado. Um
exemplo desse tipo de mecanismo são os cientistas.[9]
Continuando
sua análise, Boettke nota que o empreendedorismo pode moldar e criar
instituições, pois estas são criadas unicamente pela contínua interação dos
indivíduos. Algumas instituições podem também ser impostas, mas existe um risco
dessas instituições não vingarem caso as normas conflitem com as das
instituições já existentes. Nesse caso, pode existir uma oportunidade de lucro
para os agentes caso mude a estrutura política.
Existem
vários níveis de instituições. As mais
básicas são os gostos, tradições, normas e religião. Essas requerem mais tempo para serem
modificadas e determinam a avaliação das outras instituições, fazendo com que
um novo sistema político seja mal avaliado caso conflite com elas.
Ordens
Espontâneas
Ordens
espontâneas são formas orgânicas de organização emergente das coordenações de
mercado que se manifestam através de instituições e são originadas sem um
planejamento central. [10] As teorias de ordens espontâneas podem se
designar para ordens de mercado ou não, e serem positivas ou normativas.[11]
A forma
mais básica de ordem espontânea é o mercado operando com propriedade, contratos
e um sistema legal, sendo geralmente estudado através do empreendedorismo, como
foi visto anteriormente.
Um dos
economistas a tratar das instituições em processo de mercado é Bruce Benson, mostrando a evolução das leis
comerciais e analisando como as interações de mercado podem determinar leis sem
nenhum planejamento central, com o auto-interesse dos mercadores levando-os a
traçar leis de cooperação geral. Esse
processo é feito através de tentativas e erros, no qual o empreendedorismo dos
árbitros é necessário.
Peter
Leeson estuda a pirataria do século XVIII para mostrar como um subgrupo da
sociedade consegue criar regras utilizando o critério de maximização do
bem-estar da mesma, as quais envolviam tratamento entre os próprios piratas e para
com as outras pessoas. Desta forma,
mostra como um subgrupo pode adotar regras que maximizem seu bem-estar, mas não
o da sociedade em geral.
Thomas
McQuade e William Butos mostram a interação dos indivíduos em um processo sem
mercado através do exemplo dos cientistas. Conhecimento científico é um produto dos
próprios cientistas, que querem publicar seus resultados para aumentar suas
reputações. Os cientistas com esse
processo filtram as idéias inferiores. O
produto resultante são os trabalhos mais confiáveis. Para isso, uma série de regras é feita para
fazer uma filtragem dos textos e o que sai do filtro pode ser coletado, integrado
com outros conhecimentos e reutilizados por outros cientistas.
Pelo
fato de ainda não ser uma área plenamente desenvolvida, acaba por deixar
algumas dúvidas não respondidas. Uma delas é: em que condições as ordens
espontâneas podem surgir e qual seria o papel do mercado nisto (já que essas
ordens podem surgir tanto com ou sem mercado). Outra questão ainda não respondida é: quando
essas ordens podem promover um bem-estar social maior e quando elas só aumentam
o bem-estar de um determinado grupo em detrimento do restante da população.[12]
Direito e Economia
O ramo
de direito e economia é uma das áreas de pesquisa atuais mais importantes da Escola
Austríaca. Estuda a conexão entre o
contexto legal e a economia. Gosta de prestar
atenção no resultado de intervenções estatais no mercado, na necessidade de uma
lei estável, nos limites da lei em função do conhecimento descentralizado e na
privatização de algumas funções básicas do estado.
Os
principais trabalhos iniciais sobre as conseqüências da intervenção estatal na
atividade econômica foram traçados por Mises, Hayek e Kirzner. Atualmente, é estudado principalmente por
Sanford Ikeda e pela parceria entre Rizzo e Glenn Withman.
Ikeda segue o argumento bastante usado por
Mises sobre o desvio dos planos estatais em relação a suas reais
intenções. Esses erros, baseados na
ignorância dos agentes estatais, distorcem todo o sistema de preços (ou porque
regulam os preços, ou porque redistribuem a riqueza, retirando assim os incentivos
em relação à atividade econômica). Esses
erros econômicos interagem com mudanças nas ideologias e geram mais ação
estatal.
Rizzo e
Withman focam em argumentos do tipo "ladeira escorregadia"[13] , principalmente sua
interferência no papel da mudança de idéias e nos argumentos que legitima a
atividade estatal. Para eles, decisões
governamentais geram respostas inesperadas e assim os argumentos clamando por
mais governo acabam por se tornar aceitáveis para corrigir esses supostos
problemas.
Ambas
as teorias são compatíveis entre si, possuindo apenas abordagens diferentes.
Ikeda foca no processo das decisões governamentais como um todo, enquanto Rizzo
e Withman nos impactos que esse processo gera no campo das idéias.
Hayek
inaugurou a pesquisa sobre a estabilidade das leis, notando a importância de um
sistema legal estável que consiga se adaptar às mudanças externas. Devendo assim, por exemplo, o contrato legal
permanecer sempre o mesmo, mas os preços se modificando de acordo com os dados
externos.
Prosseguindo
o estudo, Rizzo e Roy Cordatto criticam a análise de custo-benefícios da lei
sobre considerações de negligência[14], afirmando que isso pode gerar situações que
podem não dar direito de negligência a pessoas, uma vez que as situações que
não podiam ser previstas.
Pelas
considerações de custo-benefício, por exemplo, uma pessoa deve ser considerada
culpada caso jogue cigarro em um local com gases inflamáveis sem que ela saiba
e com isso produzir uma explosão, pois evitar jogar o cigarro seria menos
custoso do que a modificação dos locais onde se encontravam os gases.
Peter
Lewin estende essa visão às questões de externalidade. Falta de predição sobre possíveis danos que
sua ação causa a terceiros gera, inevitavelmente, conseqüências. O problema em contorná-las por meio de uma
análise de eficiência é que isso geralmente é feito por um padrão abstrato ao
invés de por um conjunto de regras específicas.
Walter
Block, economista do Mises Institute, também faz sua contribuição a questões de
externalidades criticando o argumento de Coase, no qual o mercado sempre
contornaria os problemas de externalidade não importando quem possua os
direitos de propriedade em questão. Em
sua crítica, Block demonstra o fato de este argumento relativizar as noções de
propriedade em prol da eficiência econômica, algo que pode ser extremamente
danoso. [15]
O campo
dos limites legais em função do conhecimento estuda se seria possível o governo
atingir seus objetivos inicialmente previstos.
Rizzo
aborda essa questão em relação ao paternalismo moral.[16] Usando as três
principais correntes éticas - lei natural, kantianismo e jusnaturalismo - ele
demonstra que o conhecimento para provar o que é moral não está disponível aos
governantes.
Ao lado
de Whitman, Rizzo também faz algumas aplicações dessa análise à economia
comportamental, afirmando que o conhecimento necessário que os governantes
deveriam ter para conseguir melhorar as decisões dos agentes econômicos não
estaria disponível para os mesmos.
O último
campo de pesquisa sobre direito e economia tenta investigar se o mercado
poderia prover as funções básicas do governo. Por ser desenvolvido mais recentemente, é um campo
que ainda necessita ser melhor investigado.[17]
Bryan
Caplan e Edward Stringham comparam disputas com arbitragens públicas e
privadas. Após essa análise, argumentam que a arbitragem privada é mais
eficiente em áreas de disputa comercial ou em áreas onde já existe
relacionamento entre as partes. Enquanto isso, Ben Powell e Stringham oferecem
uma vasta literatura de áreas da economia em uma sociedade sem estado usando o
instrumento da escolha pública (public
choice).
Macroeconomia
e Teoria Monetária:
A área da Macroeconomia Austríaca, talvez seja a que
teve mais avanços nos últimos anos. Esses avanços ocorreram em novos trabalhos
na Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos(TACE) e em uma vasta pesquisa sobre
instituições monetárias alternativas aos bancos centrais.[18]
Em seu livro Time and Money: The
Macroeconomics and Capital Structure, Roger Garrison fez uma
sistematização geral e um refinamento da TACE. Os últimos trabalhos sobre o tema foram feitos
por Mises e Hayek e alguns autores fizeram uma leve associação entre a TACE e a
teoria de Ludwig Lachmann. Garrison uniu
as três teorias, corrigiu suas deficiências e encontrou problemas até então
desconhecidos.[19]
O título do livro de Garrison demonstra a consideração
importante de que investimento não é uma decisão homogênea, ideia desenvolvida
melhor por Peter Lewin em seu livro Capital
in Disequilibrium: The Role of Capital in a Changing World.
Lewin e Garrisson falam em seu trabalho que a TACE está
centrada na ideia de que taxas de juros artificialmente baixas geram um excesso
de investimento. Todavia, demonstram que o termo investimento excessivo é por
si só uma caracterização inapropriada, pois os ciclos não atingem os locais de
forma homogênea.
Com a queda dos juros, a preferência temporal dos
agentes econômicos é alterada de forma a fazer os indivíduos consumirem mais. Desta forma, cria-se a impressão nos
investidores de que esse aumento no consumo tem durabilidade, o que faz com que
eles, os investidores, reajustem seus planos para fazer mais investimentos de
longo prazo. Devido à expansão ser maior
nas etapas de produção mais afastadas do consumo, no período de retração do
ciclo essas são as que acabam sendo afetadas em maior grau.
Em trabalhos posteriores, Garrison concentrou-se em
mostrar a existência de mais distorções espalhadas pelos ciclos econômicos na
estrutura de produção.
Como foi demonstrado anteriormente, de início a
expansão do crédito gera um consumo excessivo, e faz com que investimentos com
mais proximidade temporal do consumo sejam incentivados pelo que é chamado de "efeito
derivado da demanda". Adiciona-se a isso
a alteração nas preferências temporais, o que aumenta os investimentos mais
distantes do consumo, o chamado "efeito desconto".
Unindo-se esses dois efeitos, os investimentos muito
próximos e muito distantes acabam sendo incentivados, em detrimento dos
estágios intermediários. Além disso,
essa expansão de alguns estágios não consegue ser maior do que a retração de
outros, fazendo que o nível do capital como um todo diminua.
De acordo com a visão austríaca, os períodos de
expansão artificial da economia são caracterizados pelo mau direcionamento de
recursos causados pelos investimentos ruins, pelos investimentos excessivos e
pelo consumo excessivo. Esse
direcionamento falho deve ser corrigido no momento da recuperação econômica
(recessão).
A teoria austríaca, entretanto, não é uma teoria
completa dos ciclos econômicos; é uma teoria sobre a crise. Quanto tempo a recessão dura não é explicada pela teoria ou
pelo grau em que os recursos são mal alocados. A duração da recessão vai depender dos fatores
que afetam a mobilidade dos recursos. [20]
Roger Koppl notou em seus trabalhos que um dos maiores
obstáculos para se recuperar da recessão pode estar no comportamento dos
"grandes jogadores". Agentes que,
guiados pelo mecanismo de lucros e prejuízos, podem afetar diretamente o
processo econômico e podem aumentar a incerteza dos agentes econômicos que são "jogadores
pequenos". Alguns exemplos desses
agentes seriam o banco central, os agentes que fazem a política fiscal e, em
alguns casos, os monopolistas.
Os jogadores pequenos terão que especular o
comportamento dos jogadores grandes, o que faz com que as variáveis econômicas
fiquem contaminadas pela atuação destes, tornando-se mais difícil extrair
conhecimento do sistema de preços e assim dificultando a alocação de recursos
por parte dos empresários.
No livro Risk
and Business: New and Old Austrian Perspective, Tyler Cowen foca-se na
união da teoria dos ciclos econômicos com os modernos desenvolvimentos na
teoria das finanças, uma importante variante da TACE. A principal semelhança entre esta teoria e a TACE é que ambas
consideram que as mudanças no grau de risco das decisões de investimento estão ligadas ao grau de alocação em investimentos futuros.
Um aumento no risco faz as pessoas
investirem em bens de produção, e uma diminuição do risco faz as pessoas
investirem em bens de consumo. É uma teoria mais geral e engloba
outros fatores além dos juros, como mudanças exógenas do risco e reduções na
incerteza. Qualquer uma dessas mudanças
causa um aumento no risco, podendo assim gerar um ciclo econômico.[21]
Os
economistas que estudam a teoria monetária mostram que as preocupações da
teoria dos ciclos econômicos austríacos levam inevitavelmente a uma análise
institucional. A partir disso,
perguntam-se que tipo de ambiente é melhor para evitar a distorção a partir da
inflação e da deflação.
Nesse
ponto, existe até hoje uma vasta discussão entre os defensores do lastro livre
e os defensores do padrão-ouro.
Os
adeptos do lastro livre, como Steven Horwitz, enfatizam o poder de se ajustar
as mudanças sobre a alteração da demanda por moeda. Os bancos tendem a expandir ou contrair
depósitos de acordo com as mudanças na demanda por moeda.
Quando
as reservas expandem, a demanda está aumentando e vice-versa. Não sendo assim necessária uma política para
controlar a expansão ou a contração de dinheiro, assim como não sendo necessária
uma política para controlar a expansão ou contração de qualquer recurso.
Os defensores
do lastro em ouro seguem o trabalho de Rothbard. Esses incluem Block, Hoppe, de Sotto e
Hulsmann. Eles alegam que o regime de
reservas fracionadas é inerentemente inflacionário, pois qualquer criação de
meios fiduciários irá inevitavelmente gerar um ciclo econômico.[22]
Embora
esteja levemente inclinada para o padrão fiduciário, a teoria monetária ainda
não conseguiu resolver esse impasse entre as duas vertentes. Sendo notado assim que esse é mais um campo de
estudo que merece atenção maior em pesquisas futuras.
Conclusão
Evidencia-se
que a Escola Austríaca de economia produziu recentemente diversos avanços para
a ciência econômica. Não apenas em áreas mais tradicionais, como a TACE, como
em áreas que são de desenvolvimento mais recente, como as teorias
institucionais. Contudo, essas
contribuições devem continuar por pesquisadores no futuro para aprimorá-las
ainda mais, não só consertando problemas mostrados neste breve artigo como
achando problemas ou análises mais complexas que ainda não foram
descobertos.
Caso o pensamento austríaco continue com sua
excelência acadêmica e com mais trabalhos acadêmicos, como pode ser visto nos
trabalhos dos economistas citados, não há razão para não crer que ela irá
conseguir cada vez mais respaldo no debate acadêmico e será um braço cada vez
mais forte de crítica aos deficitários modelos do mainstream, que não conseguem
explicar toda a complexidade da economia como faz as refinadas análises dos
austríacos.
______________________________________________________
Notas do autor:
[1] O mainstream é o nome dado à
corrente de pensamento mais aceita no meio acadêmico. Na economia esse título é
dado à Escola Neoclássica, a qual se pauta em desvendar os problemas econômicos
através de modelos matemáticos e de um forte uso de estatísticas. Tem uma
influência muito forte tanto Escola de Chicago quanto da Escola Keynesiana. Apesar de ser feita uma vaga crítica, não cabe
à finalidade desse artigo fazer uma enumeração geral dos defeitos na metodologia
apresentada por essa escola.
[2] Apesar de esta teoria estar
implícita nos trabalhos de Hayek e Mises, ela foi formalizada oficialmente apenas
por Kirzner.
[3] Para o autor, a teoria
econômica apenas está interessada em descobrir os efeitos desse alerta, não
sendo importante saber os fatores que geram esse alerta. A pesquisa desses
fatores deve ficar a cargo da psicologia.
[4] Este tipo de atividade não
pode ser feita através do planejamento central, mesmo planejadores expostos aos
mesmos dados que o empresário podem não achar essas oportunidades de lucro.
Desta forma, a única forma de se gerar esse alerta é através das forças de
mercado.
[5] Esta visão foi trazida
recentemente para a Escola Austríaca pelo economista Young Back Choi.
[6] Em um trabalho similar,
Harper sugere que uma equipe de indivíduos pode efetuar as descobertas como uma
"unidade empreendedora".
[7] Essa teoria ficou conhecida
como teoria do processo de mercado genético-causal.
[8] Ele prosseguiu com a análise
traçada por Friedrich Hayek e Ludwig Lachmann sobre este processo.
[9] Uma análise mais refinada do
caso dos cientistas será feita ao tratarmos de ordens espontâneas.
[10] Esta definição de ordens
espontâneas foi traçada pela primeira vez por Hayek, se tornando a definição
mais utilizada desde então.
[11] Nesse
caso, ela se pauta em analisar as conseqüências de ordens espontâneas para a
sociedade em geral ou para alguns sub-grupos.
[12]
Essas dúvidas provavelmente serão pautadas como o ponto de partida para um
estudo austríaco mais refinado da teoria das instituições a ser desenvolvido no
futuro.
[13]
Ladeira escorregadia é um tipo de argumento que consiste em dizer que uma
pequena medida pode gerar um efeito maior não esperado.
[14]
Esta vertente afirma que em situações de disputa por acidentes, a punição recai
para aquele que podia evitá-la mais facilmente. Por exemplo, caso um motorista
atropele uma pessoa ele deve ser culpado, já que para evitar o acidente deveria
apenas frear.
[15]
Esse enfraquecimento das noções de propriedade fica evidente no caso Kelo x
City of New London. http://en.wikipedia.org/wiki/Kelo_v._City_of_New_London
[16] Vertente do paternalismo
que indica ser função fundamental do governo implantar os valores corretos na
população, bastante utilizada pelo movimento dos neoconservadores.
[17] Os pesquisadores desse
campo não pertencem propriamente à Escola Austríaca de economia, sendo autores
neoclássicos com métodos bastante próximos da atual linha de pesquisa
austríaca. Entretanto, possuem alguns trabalhos onde não utilizam o
instrumental neoclássico, que são freqüentemente citados pelos austríacos
atuais como pertencente à escola.
[18] Em grande parte, isso se
deve ao fato que a teoria macroeconômica sempre foi a área mais pesquisada da
Escola Austríaca, principalmente devido à preocupação desta escola em entender
a correlação entre as crises econômicas e as políticas de crédito dos Bancos
Centrais.
[19] Os economistas austríacos
modernos costumam comparar o trabalho de Garrison para a TACE com os trabalhos
de John Hicks e Alvin Halsen para a teoria dos ciclos keynesiana.
[20] Isso não implica que os
austríacos não se preocupam com o aumento da demanda por dinheiro (uma baixa
nas preferências temporais) que acompanham recessões. Entretanto, a crise não é primariamente
causada por fenômenos deflacionários, mas pela má alocação dos recursos.
[21] Essa nova teoria,
entretanto, não afirma que esse ciclo ocorrerá certamente e pede a avaliação de
caso por caso para determinar se o ciclo ocorrerá.
[22] Fazem também uma acusação
do regime de padrão fiduciário ser eticamente suspeito, entretanto não será
considerado esse argumento aqui, a despeito de seus prós ou contras, pelo fato
de o escopo desse artigo se restringir à economia.