quinta-feira, 29 out 2009
A guerra estatal contra as drogas, assim como a Guerra Contra a Pobreza ou a
Guerra Contra o Terror, é um fracasso abjeto.
Ela atravanca o sistema judiciário, incha desnecessariamente a população carcerária, estimula a violência, corrompe a polícia, corroi as liberdades
civis e acaba com a privacidade financeira.
Ela também estimula buscas e apreensões ilegais, arruína inúmeras vidas,
desperdiça centenas de bilhões em impostos, obstrui o avanço de
técnicas de tratamento medicinal e não produz impacto algum no uso ou na
disponibilidade das drogas.
Como consequência dessa fracassada guerra, gente oriunda de todos os lados
do espectro ideológico já começou a clamar - em modo e intensidade nunca antes
vistos - por algum grau de descriminalização ou legalização.
Um recente exemplo disso é o filósofo político britânico John Gray. Em um artigo intitulado "O
Argumento a Favor da Legalização de Todas as Drogas é Irrefutável", Gray
faz uma forte defesa da descriminalização total das drogas. A guerra mundial contra as drogas deveria ser
abolida porque:
- A guerra às drogas já mutilou, traumatizou ou
desalojou um incontável número de pessoas.
- Apesar disso, o uso de drogas permanece
entranhado em nosso modo de vida.
- Os custos incorridos pela proibição das drogas
já excederam enormemente qualquer possível benefício.
- Penalizar o uso de drogas acaba por levar
pessoas que em outro contexto seriam cumpridoras da lei à economia do submundo.
- A proibição expõe os usuários de drogas a
enormes riscos de saúde.
- Drogas ilegais não podem ter sua qualidade e
toxicidade facilmente testadas.
- Inúmeros usuários de drogas viveram vidas
produtivas em épocas passadas antes das drogas serem proibidas.
- Os usuários de drogas têm de lidar com preços
inflacionados, riscos de saúde e a ameaças de cadeia.
- Políticos que já utilizaram drogas não sofreram
qualquer tipo significativo de efeito colateral em suas carreiras.
- Os enormes lucros obtidos com as vendas de
drogas ilegais corrompem instituições e destroem vidas.
- A cruzada antidrogas recentemente iniciada pelo
governo do México acabou se agravando e se transformando em uma miniguerra. (Pense no Rio de Janeiro).
- Alguns estados já foram, de uma forma ou de
outra, inteiramente capturados pelo dinheiro das drogas.
Ele também poderia ter falado, como vários outros já o fizeram, que certas
drogas ilegais já se comprovaram muito eficazes como analgésicos, que pessoas
que fumam maconha têm menor risco de sofrer de certas doenças, ou que o abuso
de remédios controlados mata pessoas (Elvis, Heath Ledger, Michael Jackson) da mesma forma que as overdoses de drogas ilegais. Ele
poderia ter mencionado que o abuso de álcool é um problema social maior do que
o uso de drogas ilegais, ou que apenas nos EUA ocorreram 1.702.537 prisões no
ano passado, sendo que quase metade foi por causa de uma simples posse de
maconha.
O problema com o argumento "irrefutável" de Gray é que ele é utilitarista. Ele não faz um argumento em nome da
liberdade. Ele não argumenta que as
pessoas devem ter a liberdade de usar drogas simplesmente porque elas são
livres. Assim, se a guerra às drogas
parar de mutilar, traumatizar e desalojar as pessoas, se os custos da proibição
tornarem-se menores que os benefícios, se as drogas ilegais puderem ter sua
qualidade e sua toxicidade testadas, se a miniguerra mexicana acabar, etc. -
então, de acordo com Gray, a guerra às drogas poderia ser uma coisa boa.
O único argumento irrefutável é o argumento do ponto de vista da
liberdade. Mais ainda: da imoralidade que
é a intromissão governamental na vida pessoal de cada indivíduo. Em nenhum lugar do seu artigo Gray sequer
considera que não é papel do governo e nem é direito de qualquer pessoa
proibir, regular, restringir ou controlar o que um indivíduo deseja comer,
beber, fumar, absorver, cheirar, aspirar, inalar, engolir, ingerir ou injetar
em seu corpo.
Se as drogas serão para uso médico ou recreativo é algo que não
importa. E também não importa se o uso
de drogas irá aumentar ou diminuir. Um
governo que tem o poder de proibir substâncias nocivas ou práticas imorais é um
governo que tem o poder de banir qualquer substância e qualquer prática. Sequer deveria existir algo como 'substância
controlada'.
Conservadores que reverenciam leis deveriam apoiar tanto a liberdade de se
utilizar drogas para qualquer propósito quanto um livre mercado para as
drogas. Não é minimamente racional
autorizar o governo federal a se intrometer nos hábitos alimentares, alcoólicos
ou tabagistas dos indivíduos. Com efeito,
até o início do século XX inexistiam leis contra as drogas em praticamente todo
o mudo. (
Clique aqui
para ver algumas curiosidades sobre esse período de drogas livremente
comercializadas).
Não é papel do governo e nem é direito de qualquer pessoa
proibir, regular, restringir ou controlar o que um indivíduo deseja comer,
beber, fumar, absorver, cheirar, aspirar, inalar, engolir, ingerir ou injetar
em seu corpo. |
John Gray chega a alertar contra uma "utopia libertária na qual o estado se
abstém de qualquer preocupação em relação à conduta pessoal". Mas não é com esse seu alerta ridículo que
temos de nos preocupar. O verdadeiro
problema são os puritanos, os moralistas, os intrometidos, os totalitários, os
estatistas e todos os outros reformadores sociais idealistas - dentro e fora do
governo.
As drogas de John Gray são regulamentadas, licenciadas, tributadas,
monitoradas e controladas. Mas sem um
livre mercado para as drogas, sua legalização nada mais é do que um controle
estatal do mercado de drogas, como o professor e psiquiatra Thomas
Szasz já demonstrou.
O argumento de John Gray a favor da legalização de todas as drogas é
facilmente refutável; já a defesa da liberdade é absolutamente irrefutável.
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Drogas, adultério e a guerra
sem fim
Criminalidade, drogas e proibição