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Economia

Multa para diferença salarial entre gêneros: caminho certo para distorções e demissões

Para os políticos, o capitalista põe o machismo acima do lucro

05/05/2021

Multa para diferença salarial entre gêneros: caminho certo para distorções e demissões

Para os políticos, o capitalista põe o machismo acima do lucro

Na semana passada, a Câmara dos Deputados aprovou urgência para o PL (projeto de lei) 1.558/2021, que estabelece multa a empresas por eventual disparidade salarial entre homens e mulheres — e por outras disparidades salariais, baseadas em idade, cor ou situação familiar. 

Com a urgência, o tema pode a qualquer instante seguir para votação em plenário.

O Senado já aprovou multa de até 500% da diferença salarial sobre todo o período em que tenha ocorrido. O atual PL irá acrescentar uma nova taxa a esta multa. Em Brasília, espera-se que a Câmara confirme a penalidade.

Ao contrário da expectativa dos legisladores, a multa prejudicará as mulheres e os demais grupos que pretende proteger.

O machismo supera a busca por lucros?

Comecemos por uma lógica básica: em um mercado de trabalho com liberdade de contratação e demissão, é impossível haver divergências salariais entre homens e mulheres em decorrência unicamente de discriminação

E isto por um motivo puramente econômico: se houvesse tal discriminação, qualquer empregador iria obter lucros fáceis contratando mulheres e dispensando homens, uma vez que as mulheres poderiam receber um salário menor para fazer exatamente o mesmo trabalho. 

A concorrência entre os empregadores iria, então, elevar os salários das mulheres e, assim, abolir qualquer diferença salarial que porventura exista.

Logo, sempre e em qualquer ocasião que houver qualquer tipo de discriminação salarial sem motivos econômicos — e isto vale não apenas para gêneros, mas também para cor de pele, religiões, etnias etc. —, o capitalismo irá abolir tal situação, e não aprofundá-la. 

E o motivo essencial é que um empregador que permite que seus preconceitos turvem seu juízo de valor estará assim criando uma oportunidade de lucro para seus concorrentes. 

Uma mulher que produz $75.000 por ano em receitas para seu patrão, mas que recebe, digamos, $20.000 a menos que um empregado masculino igualmente produtivo, poderá ser contratada por um concorrente por, digamos, $10.000 a mais do que recebe hoje e ainda assim permitir que este novo empregador embolse os $10.000 de diferença. 

À medida que este processo concorrencial for se aprofundando ele irá, ao fim e ao cabo, elevar os salários femininos ao ponto de paridade com os salários masculinos caso a concorrência salarial seja vigorosa o bastante.

Ou seja: se as mulheres de fato ganhassem menos que os homens para realizar as mesmas tarefas, empresas que buscam o lucro só contratariam mulheres. Diante de dois candidatos com o mesmo potencial, o patrão, é claro, contrataria o mais barato.

Consequentemente, quem afirma que há discriminação no mercado de trabalho está, por definição, afirmando que os capitalistas brasileiro colocam seus preconceitos acima do lucro. 

Mas, de fato, há mais homens do que mulheres empregados

No entanto, uma coisa é fato: os homens ainda são maioria dos empregados do Brasil.

E, de acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), as mulheres auferem rendimentos cerca de 20% menores que os homens na média agregada de todo o Brasil, em todas as profissões.

Para muitos, essa seria a prova da discriminação enraizada na sociedade brasileira.

Haveria realmente machismo no mercado de trabalho brasileiro?

Em um estudo da Fundação de Economia e Estatística, do Rio Grande do Sul, os economistas Guilherme Stein e Vanessa Sulzbach analisaram 100 mil salários e concluíram que as mulheres brasileiras de fato ganham 20% menos que os homens — mas só 7% dessa disparidade não podem ser explicados pela diferença de produtividade.

A conclusão do estudo converge com os dados da economista Claudia Goldin, de Harvard, uma estudiosa em diferenças salariais. Para os Estados Unidos, Goldin encontrou uma porcentagem um pouco menor (5%) que não é explicada pela produtividade.

De acordo com os pesquisadores gaúchos, há principalmente dois fatores que puxam o salário das mulheres para cima, mas há outros três que o empurram para baixo.

As mulheres têm em média mais anos de estudo e começam a trabalhar mais tarde. No entanto, interrompem a carreira com mais frequência, têm uma jornada um pouco menor que a dos homens e tendem a se concentrar em ocupações que remuneram menos. 

Em termos gerais, a probabilidade de as mulheres saírem da força de trabalho por um período de tempo — por causa de gravidez, criação e educação de filhos e outras tarefas (das quais a maioria dos homens se esquiva) — é maior que a dos homens. 

Dos 20% de diferença salarial, 13% são explicados por essas razões. Ou seja: se homens e mulheres trabalhassem as mesmas horas e tivessem o mesmo perfil, ainda assim as mulheres ganhariam 7% menos. 

Portanto, o desafio real está em explicar estes 7%. 

Algumas elucubrações são cabíveis: por exemplo, as profissões ligadas às ciências exatas têm menor participação de mulheres — na engenharia, mulheres correspondem a menos de um quarto dos alunos — e o oposto ocorre nas humanidades. Como o salário das profissões ligadas a humanidades é menor que o das ciências exatas, explica-se a maior parte dos 7%.

O professor James T. Bennett, do departamento de economia da George Mason University, em seu livro The Politics of American Feminism: Gender Conflict in Contemporary Society, enumera mais de vinte motivos por que os homens ganham mais que as mulheres. 

Dentre eles está o fato de homens serem mais propensos a aceitar trabalhos perigosos (que pagam mais do que empregos mais confortáveis e seguros), a se expor a climas inclementes, a aceitar empregos mais estressantes que não sigam a típica rotina de oito horas, a correr mais riscos (que levam a recompensas mais altas), e o fato de que mulheres apresentam uma probabilidade nove vezes maior de sair do trabalho por "razões familiares" (menos tempo de serviço leva a menores salários).

Tudo isso explicaria os 7% de diferença salarial.

Ainda assim, caso nada disso seja convincente, e o indivíduo ainda insista em atribuir a diferença salarial ao preconceito "machismo dos empregadores", ele terá de assumir que tal machismo diminui o salário das mulheres em no máximo 7%.

Por fim, um adendo: o estudo "Child Penalties Across Countries", de 2019, demonstra que a trajetória dos salários entre gêneros nos países desenvolvidos se mantém similar até a chegada do primeiro filho.

A partir daí estabelece-se uma redução permanente de salário das mulheres, que chega a 26% na Suécia e a 60% na Alemanha, presumidamente atribuível a uma dedicação diferenciada aos filhos.

Ou seja, a tese de discriminação do empregador brasileiro não prospera.

O que se vê e o que não se vê

Como dizia Frédéric Bastiat, uma nova regra legal segue produzindo efeitos secundários mesmo após o impacto inicial evidente. O efeito imediato é bem visível, palpável; os demais precisam ser previstos.

É fundamental perceber a diferença entre "o que se vê" e "o que não se vê". O que se vê é a implicação favorável a curto prazo, fruto de nobres intenções declaradas pelos legisladores. O que não se vê são as consequências últimas, quase sempre opostas e destrutivas do propósito original.

A capacidade de contemplar os desdobramentos futuros é privilégio dos bons formuladores de políticas públicas. Mas essa faculdade não é recompensada na política, que incentiva o populismo imediatista.

Como demonstrado acima, é de esperar que haja casos pontuais nos quais ocorra disparidade de rendimento por hora, mesmo para funções similares. No entanto, caso esse Projeto de Lei seja aprovado, a Justiça atribuirá essa diferença salarial a uma discriminação, sendo que ela pode perfeitamente advir de uma diferença — objetiva ou subjetiva — de valor agregado (indivíduos nunca são idênticos).

Consequentemente, sabendo agora do risco da multa arbitrária (a disparidade de um salário mínimo ao longo de cinco anos pode ensejar multa de R$ 650 mil), o empregador, em nome de sua sobrevivência, estará incentivado a demitir o colaborador menos produtivo — homem ou mulher.

Nos segmentos em que as mulheres ganham mais — professores e outras 223 carreiras —, os homens têm maior tendência a serem demitidos, e vice-versa.

Afinal, por que empregar um indivíduo com rendimento igual ao que aufere o mais produtivo? É mais vantajoso, por exemplo, contratar um terceiro do mesmo gênero que o mais produtivo, evitando assim a probabilidade de multa. Ou então contratar um terceiro tão produtivo quanto.

O resultado "do que não se vê" é que, ao final, os mais vulneráveis serão prejudicados.

Para concluir

Empregadores não têm como saber qual a produtividade de um empregado antes de sua contratação. E a produtividade deste empregado pode não ser prontamente perceptível após sua contratação. 

Adicionalmente, o período de teste e adaptação é custoso; ele também consome recursos da empresa na forma de monitoramento, supervisão e materiais. E empregadores têm um incentivo para economizar todos estes custos.  

Logo, uma contratação não pode ser algo guiado unicamente pelo sexo do indivíduo. Vários outros possíveis atributos e possíveis ocorrências futuras têm de ser considerados pelo empregador.

A criação de uma multa por "discriminação de gênero" irá afetar todo este processo decisório, e afetará exatamente os(as) candidatos(as) menos qualificados(as), que assim terão muito menos chances de conseguir um emprego formal.

Sobre o autor

Helio Beltrão

Helio Beltrão é o presidente do Instituto Mises Brasil.

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