quinta-feira, 19 set 2019
A boa teoria econômica explica que, em um mercado
concorrencial, não são os vendedores que determinam os preços dos bens e serviços.
Eles não têm o poder de determinar preços a seu bel-prazer. Eles não podem sair
aumentando preços incontidamente. Tampouco podem impor aumentos súbitos nos
preços.
Em última instância, quem determina os preços são os
consumidores.
Se as preferências dos consumidores não se
alteraram, e nem sua renda, então fortes aumentos de preços de determinados
bens ou serviços terão como consequência uma redução de sua demanda.
Por isso, em um cenário de aumento de tarifas de
importação (ou de súbita desvalorização cambial), os preços dos bens de consumo
nas lojas não teriam por que subir sensivelmente. Afinal, as preferências dos
consumidores não se alteraram neste curto espaço de tempo. Se os preços
pudessem ser majorados em decorrência de um aumento das tarifas de importação,
então, obviamente, empreendedores já teriam elevado esse preço antes das tarifas. Não são necessárias
tarifas para mostrar que os preços podem ser aumentados.
O que ocorre, portanto, quando há uma súbita
elevação nas tarifas de importação (ou súbitas desvalorizações cambiais) em
mercados concorrenciais é o óbvio: os produtores ajustam a única coisa que é
realmente variável — sua estrutura de custos.
Sim, pequenos repasses de preços podem ocorrer, mas
nada muito além da própria taxa anual de inflação de preços do país.
Trump
e as tarifas
As tarifas de Trump sobre
os produtos chineses tiveram efeitos relativamente pequenos sobre os preços aos
consumidores americanos. Uma reportagem sobre isso foi feita pela NPR.
Há um ano, uma equipe da NPR foi a um Walmart no
estado da Georgia para pesquisar os preços de 80 produtos. Recentemente, os
pesquisadores voltaram ao mesmo local para ver quais foram os efeitos das
tarifas de Trump sobre os preços. A conclusão, embora tenha surpreendido as
pessoas, não deveria ser nada surpreendente para economistas seguidores da
Escola Austríaca.
O aumento foi de aproximadamente
3% — sendo que as tarifas, que eram de zero, chegaram a 20%.
E de quanto foi a inflação de preços oficial do país
neste mesmo período? Se você utilizar o índice cheio do CPI (Consumer Price Index – Índice de Precços
ao Consumidor), ela foi de 1,7%.
Se você utilizar apenas o núcleo do CPI (que exclui itens voláteis como
combustíveis e alimentos), ela foi de 2,4%.
E se você usar a mediana do CPI, que sempre considerei ser o
índice mais acurado, a inflação de preços foi de 2,9%.

Ou seja, as tarifas não tiveram nenhum efeito
especial sobre os bens específicos selecionados para a pesquisa no Walmart.
Há quem diga que essa quase ausência de repasses é
explicada pelo fato de que as tarifas foram impostas majoritariamente sobre materiais industriais
(máquinas, insumos e demais bens de produção), e não para a maioria dos bens de
consumo. A afirmação é
verdadeira, mas não muda a lógica. Em ambos os casos
(tarifas sobre bens de consumo ou bens de capital), o que altera são os custos dos
produtores e vendedores, e não o preço final da venda, pois este depende
exclusivamente das preferências dos consumidores (mais sobre isso abaixo).
Oficialmente, a justificativa para essas tarifas é
que elas forçarão as empresas americanas a voltar a produzir dentro dos EUA.
Mas tal raciocínio é completamente tolo. As empresas americanas podem até
realmente fechar algumas de suas instalações industriais na China, mas não
voltarão para os EUA. Há muito mais chances de elas se mudarem para o Vietnã do
que irem para Detroit, Pittsburgh ou Toledo. Os custos trabalhistas são muito
mais altos nos EUA do que em outras partes do sudeste asiático. Empresas de
todo o mundo têm ido para o Vietnã ao longo dos últimos anos, e isso inclui até
mesmo empresas chinesas. Trata-se
de uma tendência irreversível.
A reportagem da NPR afirma que as empresas
americanas estão tentando ocultar os aumentos dos preços espalhando esses
aumentos para várias linhas de produção, de modo a difundi-los. Pode até ser
verdade, mas a reportagem não apresentou nenhuma evidência estatística que dê
suporte a essa afirmação. E, mesmo que apresentasse, não mudaria absolutamente
nada da lógica econômica: aumento de custos não têm como ser integralmente
repassados aos consumidores.
Mais ainda: a reportagem também admitiu que havia
alguns produtos cujos preços caíram. Isso também era esperado.
Basicamente, a reportagem não ofereceu nenhuma evidência
de que as tarifas geraram qualquer aumento de preços.
O jornalista entrevistou representantes de várias
empresas americanas. Nenhum atribuiu às tarifas qualquer causa às mudanças de
preços. Eles não deram muitas informações sobre sua política de preços. Creio
ser a atitude correta. Essas empresas não têm obrigação nenhuma de fornecer informação gratuita a jornalistas da NPR, e nem a qualquer outra pessoa.
Eis os exemplos que foram apresentados como sendo os
produtos que tiveram as maiores elevações de preços. Você observará que são
itens essencialmente irrelevantes para a vida de qualquer pessoa: uma coleira
de cachorro e um colar de cachorro. Tais itens são tão marginais na lista de
compras da esmagadora maioria das pessoas, que o vendedor está disposto a
correr o risco de elevar seus preços, mas somente com a pressuposição de que os
concorrentes também estão enfrentando as mesmas restrições por causa das
tarifas. Consumidores não irão se deixar restringir por causa de um aumento de
preços em uma coleira de cachorro. Eles não compram muitas coleiras de cachorro
em um ano. Eles também dificilmente se lembram de quanto custava uma coleira de
cachorro um ano atrás.
Sendo assim, vendedores conseguem se safar com
aumentos de preços nestes tipos de produtos. Mas a maioria dos vendedores não
consegue se safar com aumentos generalizados de preços. Os consumidores
simplesmente iriam atrás de outros produtos. Vendedores sabem disso, e por isso
aumentos de custos não são livremente repassados aos consumidores.
A
Walmart não comentou a reportagem. No entanto, em maio, a empresa havia
alertado que "um aumento das tarifas levará a um aumento nos preços para os
consumidores". Já no mês passado, o diretor financeiro, Brett Biggs, afirmou
que a empresa havia conseguido "com muita ponderação, gerenciar seus preços e
suas margens".
"Nós
dispersamos o impacto para centenas de milhares de itens que temos no mercado",
disse o CEO da Walmart, Greg Foran, à época.
O
problema é outro
Imaginar que aumentos nos custos de
produção se traduzem automaticamente em aumentos de preços é desconhecer
por completo como funcionam os processos de mercado. Tal idéia advém do velho
conceito de valor econômico defendido pelos economistas clássicos. Esta teoria
é conhecida como a teoria do "valor
determinado pelo custo de produção". Ela foi refutada definitivamente
por Carl Menger em 1871. Ele foi o indivíduo que originou a Escola Austríaca de
pensamento econômico.
Então quem paga pelo aumento das tarifas?
Majoritariamente, os varejistas.
Dado que os preços não podem ser arbitrariamente
aumentados — afinal, as preferências dos consumidores não se alteraram em
decorrência de um imposto de importação; a demanda dos consumidores não foi
alterada só porque o governo criou um imposto —, as tarifas têm de ser
absorvidas pelas empresas.
Ou seja, as tarifas nada mais são do que um aumento
no custo de produção. Como não é possível repassar integralmente aumento de
custos para os preços, os varejistas é que acabam absorvendo este aumento de
custos.
Portanto, de um lado, os custos de produção aumentam;
de outro, as receitas permanecem as mesmas. Com isso, a margem de lucro é
diminuída.
Com margens menores tende a haver menos
investimentos. E aí então é que os efeitos começam a se espalhar pela economia.
Menos investimentos significam menos produção e menos crescimento da renda.
Leva-se um tempo até chegar a este ponto, mas ele sempre chega.
Por outro lado, se os preços de fato forem aumentados em decorrência desta
elevação das tarifas, haverá necessariamente uma queda no consumo — pelo óbvio
motivo de que tarifas de importação não alteram as preferências dos
consumidores do modo que eles repentinamente passem a aceitar um preço maior
para os bens de consumo.
Logo, se o aumento de custos for repassado aos
preços, haverá uma redução do consumo. E isso, é claro, também afetará
diretamente os lucros das empresas.
A conclusão básica é que qualquer aumento nos custos
terá de ser absorvido pela empresa; tal aumento não pode ser repassado
integralmente para os consumidores.
No extremo, este aumento no custo de produção pode
levar uma empresa à falência, o que afeta a oferta do produto. E, aí sim,
haverá um aumento nos preços. Mas tal aumento não se deu por um mero repasse de
impostos, mas sim por uma redução na oferta.
Murray Rothbard já havia descrito este processo há quase 50 anos:
A
primeira lei da incidência pode ser estabelecida imediatamente, é uma bem
radical: nenhum imposto pode ser integralmente repassado. Em outras palavras,
nenhum tributo pode ser repassado do vendedor para o comprador e dali até o
consumidor final. Abaixo, veremos como isso se aplica especificamente aos
impostos sobre o consumo, os quais são normalmente tidos como totalmente
repassáveis aos consumidores.
Normalmente
se considera que qualquer imposto sobre a produção ou sobre as vendas aumenta o
custo de produção e, portanto, é repassado como um aumento de preço para o
consumidor. Os preços, no entanto, jamais são determinados pelos custos de
produção. O que ocorre é exatamente o contrário.
[…]
De
certa maneira, é até verdade que um imposto pode ser repassado, mas o mecanismo
é outro: o imposto faz com que a oferta do produto seja reduzida, o que,
consequentemente, eleva seu preço no mercado [N. do E.: confira a descrição em detalhes do processo aqui]. Tal fenômeno
dificilmente pode ser rotulado de repasse, pois repassar implica que o tributo
é repassado sem gerar nenhum dano ao produtor. Se alguns produtores têm de ir à
falência para que o tributo seja repassado, então isso obviamente não é um
repasse, mas sim um efeito da tributação. [...]
Conclusão
O principal fardo de um aumento de impostos sobre
bens importados — e tarifa de importação nada mais é do que um imposto sobre vendas
— recai sobre os importadores.
No caso específico da Walmart americana, que importa
muito da China e que atua em um ambiente extremamente concorrencial (e, logo, não
pode simplesmente sair aumentando preços), é ela quem sofrerá as principais
perdas geradas pelo aumento dos impostos sobre as vendas de bens importados.
Os exportadores chineses também perderão, pois irão
tentar reduzir os preços dos bens exportados para manter a Walmart como
cliente. (Ou então o governo chinês irá desvalorizar a moeda, o que prejudicará toda a população chinesa
em benefício da americana).
Também perdem os exportadores americanos, pois
passam a ser vítimas de tarifas
retaliativas impostas pelo governo chinês. Em especial, vários
agricultores americanos estão sofrendo com as restrições retaliativas
impostas pelo governo chinês.
Já os consumidores americanos perdem porque a
Walmart teria reduzido os preços dos outros bens não fossem as tarifas. Haverá menos
vendas por causa dos custos de produção maiores. Mas isso não é o mesmo que
dizer que os consumidores americanos serão forçados a pagar preços maiores
pelos bens específicos sobre os quais foram impostas tarifas de importação. As perdas
para os consumidores americanos serão indiretas.
No final, a única certeza é que todo o padrão de vida
cai com a restrição do livre comércio. Sem exceção.