segunda-feira, 8 abr 2019
Qual é a diferença mais notável entre o funcionamento
do governo e o da economia de mercado?
Ludwig von Mises nos forneceu uma resposta
surpreendente, uma resposta que ele explicou em detalhes em seu sensacional
livro Liberalismo —
Segundo a Tradição Clássica, publicado no longínquo ano de 1927.
Mises disse que a diferença toda estava na contabilidade,
isto é, no cálculo de custos.
Dentro das burocracias não-comerciais do governo, tudo
é um jogo de adivinhação. Você não sabe exatamente o quanto deve gastar em
quê; você não sabe se há algum objetivo racional naquilo que você está fazendo;
você não sabe se este ou aquele plano será bem-sucedido ou se irá fracassar
completamente; você não sabe onde cortar gastos caso tenha de fazê-lo; e você não
sabe quais seções e quais pessoas estão fazendo um bom trabalho e quais não
estão.
O setor público é um setor que, inevitavelmente, por
pura lógica econômica, sempre funciona às escuras, sem ter a mínima ideia do
que faz, e sempre tendo de fingir que está fazendo tudo certo.
Por quê? Porque o governo não opera de acordo
com os sinais de preços emitidos pelo mercado. Ele não opera segundo a
lógica do sistema de lucros e prejuízos. Como ele não tem acesso aos sinais de
preços, ele não é capaz de calcular lucros e prejuízos. Por conseguinte,
ele não tem uma bússola que possa guiá-lo em suas ações. Ele não tem como
avaliar e estimar a real valia econômica de qualquer coisa que faça. Seus
investimentos nunca poderão ser feitos da maneira correta, seus serviços nunca
serão prestados de maneira satisfatória, e sempre haverá desperdício de
recursos e gritante ineficiência.
Esta é uma realidade inevitável. Não se trata
de ideologia; é pura ciência econômica.
Em suma: o governo e seus órgãos não vendem seus
serviços no mercado concorrencial para consumidores que voluntariamente optam
por comprá-los, não se direcionam pelo sistema de lucros e prejuízos, e suas
receitas não são auferidas de acordo com a qualidade dos seus serviços.
Por não ter esta racionalidade, as burocracias estatais
sempre acabam seguindo os caprichos do governo do momento, preocupadas
exclusivamente em satisfazer as demandas de políticos que visam apenas sua
autopromoção e sua reeleição.
Consequentemente, as burocracias estatais sempre
estarão sob os auspícios de uma gente cujo horizonte temporal é de no máximo
quatro anos, e inevitavelmente se transformarão em fábricas de desperdício,
ineficiência, confusão e ressentimento.
No
setor privado o mundo é outro
Já nas empresas privadas que operam em ambiente de
livre concorrência a situação é diferente.
No mundo do comércio, os sinais de preços emitidos
pelo mercado comandam as decisões. O sistema de lucros e prejuízos mostra
como os recursos escassos estão sendo empregados. Se corretamente, os
consumidores recompensam as empresas propiciando-lhes grandes lucros; se
erroneamente, os consumidores punem as empresas impondo-lhes prejuízos.
Uma expansão ou um corte nos investimentos é algo
que será guiado pelo balancete das empresas. E, se as empresas quiserem
realmente se estabelecer no mercado, ofertando bons serviços, os empregados terão de ser
tratados produtores valorados, e não explorados.
Não interessa se a empresa é grande ou micro: ela
estará sempre em busca da lucratividade. E a lucratividade sempre será, em
última instância, determinada pela decisão voluntária dos consumidores.
Para ver como algo aparentemente simples possui
ramificações muito mais complexas do que se poderia imaginar a princípio,
peguemos o exemplo de um restaurante chique.
A estrutura de produção deste restaurante não se
resume apenas à coordenação entre os garçons e a cozinha. É necessário
haver uma administração voltada exclusivamente para o controle dos estoques de
todos os alimentos e de todas as bebidas. Como não é possível saber com
antecedência o que os clientes irão ordenar de seu variado menu, o estoque de
alimentos e bebidas tem de ser vasto e plenamente adaptável às súbitas
alterações de gosto e interesse de seus clientes.
Tal controle de estoque não seria possível de ser
planejado sem preços de mercado, sem a contabilidade e sem o sistema de lucros
e prejuízos.
Além da coordenação entre os chefs e os cozinheiros,
e entre os cozinheiros e os garçons, a estrutura de produção deste restaurante
se estende para muito além de suas paredes. A comida tem de vir de todos
os cantos do mundo. Diversos meios de transporte têm de ser utilizados
para fazer com que a comida chegue ao estabelecimento. Mas não é possível
servir comidas e bebidas se não houver agricultura, criação de gado e plantio
de ervas e temperos em lugares remotos do mundo.
E a coordenação não pára por aí. Ela ainda
volta no tempo — décadas e às vezes até séculos — para as primeiras sementes
plantadas nos vinhedos que produziram os vinhos, e os primeiros centeios que
produziram os uísques e as demais bebidas servidas no restaurante.
E a tecnologia que possibilita tudo isso é
relativamente nova, desde a refrigeração até a comunicação digital entre a
cozinha e o maître.
Nada disso seria possível sem o sistema de preços,
que permite a contabilidade de custos e determina se há ou não lucratividade em
qualquer uma das etapas envolvidas neste processo.
Este mecanismo extraordinariamente complexo — muito
mais complicado do que qualquer operação já tentada por qualquer burocracia
estatal — tem de funcionar harmoniosamente para
todos os clientes que aparecerem no restaurante a qualquer momento.
E se ninguém aparecer? Se
isso acontecer com muita frequência, todo o investimento entra em
colapso. Todo o planejamento, todos os gastos, todas as habilidades
envolvidas revelar-se-ão um grande desperdício. O mercado enviou seu
sinal: o empreendimento não estava empregando recursos escassos da maneira mais
eficiente possível.
O que determina se este empreendimento será pujante
e lucrativo ou se ele desaparecerá rapidamente é simplesmente a decisão do consumidor de comer lá ou não.
Não há ninguém apontando armas para ninguém, não há
coerção, não há chantagem. Há apenas um empreendimento implorando para
poder servir seus clientes.
Se você propusesse a criação de algo assim para uma
pessoa que jamais houvesse visto algo parecido em operação, ela nunca iria acreditar
que tal coisa pudesse funcionar. Muito menos existir.
É por tudo isso, escreveu Mises, que o cálculo
monetário e a contabilidade de custos constituem as mais importantes
ferramentas intelectuais do empreendedor capitalista. Mises celebrou a
famosa declaração de Goethe, que havia dito que o método contábil das partidas
dobradas foi "uma das mais admiráveis invenções da mente humana".
Ciclos
econômicos
Uma vez vislumbrado todo este processo, fica fácil
entender por que vivenciamos recorrentemente o fenômeno dos ciclos econômicos. Fica
mais fácil entender por que empresas privadas muitas vezes parecem fazer coisas
tão insensatas e imprudentes quanto o governo; por que elas também tomam
decisões irracionais; por que elas também produzem burocracias; por que elas
também seguem o capricho de políticos; por que elas também passam por ciclos de
expansão e contração.
Mises explicou isso, neste mesmo livro. A causa
de tudo é aquilo que ele chamou de intervencionismo.
Quanto mais o governo regula, intromete, tributa,
erige barreiras, inflaciona a moeda, confisca, proíbe e dá ordens, mais a
iniciativa privada se torna sujeita à mesma irracionalidade que permanentemente
assola o governo. As intervenções do governo no mercado, por menores que
aparentemente sejam, provocam distúrbios no sistema de preços, afetando toda a
contabilidade de custos das empresas. (Eis o mais completo e sucinto artigo
sobre isso.)
As intervenções estatais podem tanto fazer com que
empreendimentos insustentáveis repentinamente aparentem ser lucrativos (sem que
realmente o sejam), como também pode fazer com que empreendimentos genuinamente
lucrativos se tornem rapidamente insolventes.
O governo expande à iniciativa privada os mesmos
males que o acometem.
A descrição feita por Mises em 1927 é interpretada
hoje como se ele estivesse de posse de alguma bola de cristal. Tudo se
torna mais claro assim que você passa a ver o mundo da mesma maneira que
ele. Basta analisar a realidade atual.
Até 2007, estimulados pela expansão artificial do
crédito feita por seus respectivos bancos centrais, os mercados
imobiliários da
Europa e dos
EUA estavam a pleno vapor, com preços e lucros em contínua ascensão, o
que gerava vários milionários por minuto. Parecia que o mundo havia
entrado em uma nova era de prosperidade e de riqueza infinita para todos. E
então, da noite para o dia, tudo ruiu. Várias empresas amanheceram quebradas,
e bancos até então aparentemente robustos se tornaram zumbis, com seus
balancetes contaminados e com as economias totalmente letárgicas (em decorrência
desta contaminação dos balancetes dos bancos, que, em conseqüência, têm de
restringir o crédito).
Até hoje, os governos e os bancos centrais ao redor
do mundo, principalmente na Europa, ainda
estão completamente perdidos. Praticamente todas as semanas, um
figurão do alto escalão de algum governo ou de algum Banco Central vem a
público anunciar uma nova medida intervencionista, e sempre termina seu anúncio
dizendo que "agora vai!". Só que nada efetivamente avança. E quase ninguém entende por
quê.
O desconhecimento das obras de Mises é algo que
continuará afetando nossa prosperidade e nosso bem-estar muito mais do que você
pode imaginar.