João está no mercado à procura de um carro usado.
Pedro está interessado em vender seu carro. João procura por anúncios na
internet. Pedro coloca seu anúncio na internet.
João e Pedro se conectam, se encontram e concordam
em um preço de $ 20.000.
João fica com o carro de Pedro e Pedro fica com os $
20.000 de João.
O que podemos depreender de imediato desta transação
é que João, presumivelmente, valoriza aquele carro mais do que qualquer outro
bem ou serviço que ele pode obter com seus $ 20.000. Igualmente, Pedro valoriza
mais o que ele pode fazer com $ 20.000 do que com seu carro.
João incorreu nesta transação porque acredita que
ela o deixará em melhor situação — seja material, psicológica ou até mesmo
financeira (ele pode, por exemplo, utilizar o carro como instrumento de
trabalho e, assim, auferir um fluxo de renda futuro).
O mesmo vale para Pedro.
Ambos, por definição, não teriam incorrido nesta
transação voluntária caso acreditassem que ela os deixaria em pior situação.
Mas quão melhor eles ficaram após a transação? É
impossível responder com precisão. Podemos apenas dizer que, para João, seu ganho
foi a diferença entre o valor de uso que ele atribui ao carro adquirido e o
valor de uso que ele atribuía ao $ 20.000 que deu a Pedro.
E, para Pedro, seu ganho foi a diferença entre o
valor de uso que ele atribui aos $ 20.000 que ganhou e o valor de uso que
atribuía ao carro que deu em troca.
Não há nenhum motivo para dizer que os ganhos de
João e Pedro são, ou deveriam ser, iguais.
As trocas voluntárias explicitam nossas
preferências subjetivas
Infelizmente, e isso vem desde Aristóteles, ainda há
quem acredite que as trocas comerciais ocorrem somente entre bens com igualdade
de valor. Ou seja, se o bem A é trocado pelo bem B, então necessariamente o
valor de A deve ser igual ao valor de B.
Pior ainda: há quem acredite que o valor de A tem de
ser superior ao de B, ou vice-versa, o que implica que, em toda e qualquer
transação, um lado ganha à custa do outro (ele entregaria algo com um valor
objetivo maior em troca de algo com um valor objetivo menor).
No entanto, graças ao austríaco
Carl Menger, que popularizou a descoberta de que o
valor dos bens não é objetivo, mas sim subjetivo, a realidade se
comprova totalmente distinta: em toda e qualquer transação comercial, cada lado
atribui àquele bem que está recebendo um valor subjetivo maior do
que atribui àquele bem que está dando em troca.
Afinal, se não fosse assim — se você não
valorizasse mais aquilo que está recebendo do que aquilo que está dando em
troca —, a transação simplesmente não ocorreria.
Portanto, dizer que o valor de um bem ou serviço é subjetivo significa dizer que o valor
deste bem ou serviço depende do uso e do grau de importância pessoal (subjetiva)
que alguém (João no nosso exemplo) confere a ele. Se o bem ou serviço
servir para algum fim ou propósito, então terá valor para ao menos uma pessoa.
Vale ressaltar que o valor de um bem ou serviço não é determinado pela quantidade de
trabalho consumida em sua produção. Tampouco é determinado pelos insumos
físicos, inclusive mão-de-obra, que ajudaram a produzi-lo. O valor de um bem ou
serviço advém da percepção humana quanto ao seu proveito e quanto à sua função
para satisfazer determinados objetivos aos quais os indivíduos almejam em um
determinado momento.
Se o bem servir para algum fim ou propósito, então
terá valor para ao menos um indivíduo.
O
valor independe de fronteiras
Nada disso se altera quando incluímos fronteiras
geográficas em nossa análise.
Voltando ao exemplo, João está "exportando" $ 20.000
e "importando" o carro de Pedro, ao passo que Pedro está "exportando" um carro
e "importando" $ 20.000.
No entanto, e como já discutido, dado que o valor de
uso que João atribui ao carro excede $ 20.000, sua verdadeira importação foi
maior do $ 20.000. Igualmente, uma vez que Pedro atribui aos $ 20.000 que ele
importou um valor maior que $ 20.000, então ele, subjetivamente, está
importando mais do que $ 20.000.
Com efeito, tanto João quanto Pedro estão incorrendo
em um déficit em seus respectivos balanços comerciais — não no sentido
contábil, mas no sentido econômico. Afinal, e de novo, se não fosse assim, a
transação comercial nem ocorreria.
O "déficit" de João é a diferença entre o valor de
uso que ele atribui ao carro que ele importou e o valor de uso que ele atribuía
aos $ 20.000 que ele exportou para pagar pelo carro. Já o "déficit" de Pedro é
a diferença entre o valor de uso que ele atribuiu aos $ 20.000 que ele importou
e o valor de uso que ele atribuía ao carro que exportou por $ 20.000.
Pouco importa a localização geográfica de ambos. Eles
podem estar separados por uma rua ou por um oceano. A lógica não se altera.
Observe também que, para ambos, o objetivo são as importações
que eles obtêm, e não as exportações
que eles utilizam para obter essas importações. Se você retirar as importações
do cenário, não há nada de intrinsecamente benéfico a respeito das exportações
de cada um. Com efeito, se João houvesse exportado seus $ 20.000 sem ter obtido
o carro, ele estaria em pior situação. Igualmente, se Pedro houvesse exportado
o carro, sem ter importado os $ 20.000, ele estaria em pior situação.
Esta constatação — que é totalmente trivial para
qualquer ser humano sensato — adquire ares de suprema importância por causa de
um mantra mercantilista que jamais morre e que sempre insiste em infectar o
debate econômico: a ideia de que exportações são intrinsecamente benéficas, e
que importações são, na melhor das hipóteses, algo relutantemente tolerável.
Um excelente exemplo desta mentalidade é ver como
são conduzidas as negociações internacionais com o propósito de aumentar o
comércio internacional. Medidas que aumentam o acesso da população de um país
às importações são rotuladas pelo próprio governo deste país como uma
"concessão" dada a outros países.
Em outras palavras, o governo permitir às pessoas do
país A importarem mais seria um favor concedido apenas para garantir que os
governos de outros países também "concedam" o favor de permitir que suas
respectivas populações importem mais produtos da A.
Em nosso exemplo, seria como se João, em vez de
aceitar a oferta de Pedro ($ 20.000 pelo carro), estipulasse uma "tarifa" para
encarecer artificialmente o carro de Pedro, na esperança de que isso o fará
exportar mais para Pedro. O mesmo vale para Pedro: com a tarifa imposta por
João, Pedro teria de vender seu carro por menos (pois a tarifa aumentou o preço
final) com o objetivo de importar menos de João.
Ou, colocando em outras palavras, seria como se João
relutantemente aceitasse o carro de Pedro ao mesmo tempo em que oferece em
troca um valor maior que os $ 20.000 pedidos por Pedro, apenas para ver se, com
isso, consegue exportar mais para Pedro. E Pedro, por sua vez, iria se esforçar
para aceitar um preço menor para que, em troca, possa importar menos de João.
Faz sentido? É óbvio que não. Com efeito, tal
comportamento seria a receita para o desastre financeiro. No final, ambos
teriam menos bens e serviços à disposição. Ambos ficariam mal alimentados, mal
vestidos, mal alojados e, no extremo, mortos.
No entanto, é exatamente esta a mentalidade que
permeia a política econômica da maioria dos países do mundo no que diz respeito
ao comércio internacional. Infelizmente, a atual noção de "comércio
internacional" nos faz perder a realidade essencial do comércio, a saber:
o comércio, de qualquer natureza, sempre e em todo lugar, envolve indivíduos de carne e osso negociando e transacionando entre si,
com cada um dos indivíduos envolvidos agindo de acordo com aquilo que julga ser
de seu melhor interesse.
Como disse
o economista Don Boudreaux, assim como (felizmente!) não há restrições ao
comércio entre bairros, entre cidades e entre estados (não há nenhuma
preocupação com a balança comercial entre o seu estado e o estado vizinho),
também não deveria haver restrições ao comércio entre indivíduos em diferentes
países. Qual exatamente é a diferença econômica entre você comprar algo de uma
pessoa que está do outro lado da rua ou do outro lado do planeta?
Comércio é comércio. Trata-se de uma atividade na
qual um indivíduo incorre voluntariamente visando a aumentar seu bem-estar. Não
interessam as fronteiras geográficas e políticas envolvidas.
Conclusão
Assim como João e Pedro, os defensores de doutrinas
contrárias ao livre comércio não seguem essas mesmas idéias em sua rotina
diária, o que faz deles pessoas totalmente incoerentes. Eles querem que as
outras pessoas do país sejam submetidas às suas idéias tolhedoras, mas eles próprios
não as praticam em sua dia a dia.
Apenas quando surgir um mercantilista que realmente
pratica aquilo que prega — a saber, abre mão de descontos e ofertas baratas, e
faz questão de só comprar apenas o que é pior e mais caro —, deveria você prestar
alguma atenção a ele.
Somente indivíduos — separadamente ou em grupos
voluntariamente formados, como empresas — comercializam. Países não
comercializam. Por isso, toda e qualquer transação comercial feita
voluntariamente por dois indivíduos, não interessam suas localizações geográficas,
deve ser analisada do ponto de vista da valoração subjetiva destes dois indivíduos,
e não de um amorfo e intraduzível "interesse nacional".
___________________________________________________
Leia
também:
Por que ainda há histeria
em relação a déficits na balança comercial?
A cabeça confusa de um
protecionista
Como a Nova Zelândia e o
Chile transformam vacas, ovelhas, uvas e cobre em automóveis de qualidade
Se você é contra o livre
comércio, você tem medo da abundância e da prosperidade