quinta-feira, 20 dez 2018
Nota
do editor
Em novembro de 2017, publicamos um artigo saudando a
decisão do governo americano de revogar a lei da "neutralidade de rede", a qual
havia sido implantada em fevereiro de 2015.
Apresentamos números que mostravam que o
investimento em internet, que até então subia continuamente, não apenas foi
interrompido em 2015, exatamente quando da implantação da neutralidade de rede,
como ainda retrocedeu
6% em relação ao ano anterior pela primeira vez na história. Apresentamos
os argumentos teóricos que explicavam o porquê desta súbita interrupção (as
regulações da neutralidade de rede eram uma espécie de controle de preços). E
argumentamos que o fim da neutralidade de rede seria positivo, pois, com a
abolição deste controles de preços, haveria novos entrantes no mercado, pois
agora faria sentido investir para inovar.
Não foram poucos os leitores que nos xingaram de
ingênuos, dizendo que o fim da neutralidade de rede seria uma catástrofe que
geraria exatamente o contrário do que prevíamos, com a internet sendo "dominada
pelas grandes corporações" (que, na realidade, eram a favor da neutralidade de
rede, como mostramos no
artigo) e com os consumidores sendo prejudicados. Não foram poucos os que
disseram que a abolição da neutralidade de rede — que, atenção!, só foi
implantada em 2015 — representaria o fim da internet como a conhecíamos.
Pois bem.
No último dia 14 de dezembro de 2018, completou-se
um ano da abolição da neutralidade de rede nos EUA. O que ocorreu? Exatamente o
que previmos no artigo:
segundo a revista PC
Magazine, a velocidade de download cresceu 35% ao longo de 2018. Já a taxa
de download em redes fixas nos EUA passou para, na média, 92 Mbps. Nada mau.
A seguir, um artigo sobre isso.
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Este mês completa um ano desde que a FCC (Federal
Communications Commission, agência do governo americano que regulamenta a
área de telecomunicações e radiodifusão) revogou
as controversas regras da neutralidade de rede nos EUA, oficialmente matando a
internet — ou, ao menos, era isso o que os defensores da neutralidade de rede
juravam que ia acontecer.
Porém, se analisarmos o que realmente aconteceu
desde que as regras foram abolidas, iremos constatar que a retórica (quase
sempre histérica) não se converteu em realidade. Ao contrário: a internet
melhorou desde que as regulações foram relaxadas.
A
criação da histeria
A internet tem sido uma mercadoria familiar
disponível para o público desde o dia 6 de agosto de 1991. No entanto, de
acordo com os mais fervorosos defensores da neutralidade de rede, a internet só
foi realmente decolar em fevereiro de 2015, quando a FCC aprovou e adotou as
novas regras. Até então — a julgar pela retórica dessas pessoas —, era como
se a internet mal funcionasse.
O período que antecedeu a votação sobre a
neutralidade de rede, bem como o período de sua subsequente revogação, foi
palco de uma incrível histeria em massa, em que várias pessoas estavam
honestamente convencidas de que, sem as intervenções estatais, todos os
serviços online que até então usufruíamos deixariam de existir.
Em um artigo intitulado "Como a abolição da
neutralidade de rede irá arruinar a internet para sempre", a revista GQ
chegou até mesmo a dizer o seguinte:
Pense
em tudo que você sempre amou na internet. Aquele website que lhe fornece todos
os códigos para trapacear em Grand Theft Auto: Vice City. Vídeos
fofinhos de animais no YouTube. A
música ilegal que você baixava no Napster e no Kazaa. A música legal que você
escuta no Spotify. … Os filmes e seriados que você vê no Netflix, na Amazon e
no Hulu em intermináveis maratonas. O site de namoros que ajudou você a
encontrar a pessoa com que agora você está casado. Todas essas coisas só
existem graças à neutralidade de rede.
É bastante espantoso que este raciocínio — na
verdade, que este sentimento — tenha sido tão amplamente aceito como
verdadeiro, considerando que absolutamente todos os exemplos citados acima já
existiam antes das leis de
neutralidade de rede.
Com efeito, a única razão de a internet ter se
tornado uma parte tão integral de nossas vidas foi o fato de ela ter se mantido
praticamente intocada pelas forças regulatórias. A internet, até então, nunca
havia sido regulada pelo governo.
E desde que essa ordem espontânea foi permitida, os
usuários de internet foram abençoados com contínuas e desenfreadas inovações
geradas por uma robusta variedade de serviços, os quais a revista GQ estranhamente atribui a uma ação
governamental que só ocorreu 24 anos após o uso da internet ter se tornado uma
norma.
Estes pequenos detalhes foram, obviamente, ignorados
por grande parte do público, e o pânico com a notícia da revogação continuou.
Até mesmo instituições defensoras das liberdades civis se juntaram ao frenesi, dizendo
que sem a neutralidade de rede "corremos o risco de quedarmos vítimas dos caprichos
gananciosos das poderosas gigantes das telecomunicações".
Hoje já é possível ver com mais clareza quão
absurdos eram os argumentos em prol da neutralidade de rede.
O
que é a neutralidade de rede?
A neutralidade de rede foi uma política que queria
definir a internet como um "serviço de utilidade pública", o que a colocava na
mesma categoria de eletricidade, saneamento, água encanada e serviços
telefônicos. Tal medida tornava a internet totalmente vulnerável a políticas de
"fiscalização regulatória", especificamente no que diz respeito a velocidades
de conexão e aos preços que os provedores podiam cobrar dos consumidores. Estes
passariam a ser tabelados por burocratas.
Na teoria, a ideia da neutralidade de
rede soava bonita aos ouvidos dos leigos: o governo passaria a regular
os provedores
de serviços de internet (os ISPs) para que eles não impedissem o livre
acesso das pessoas à rede. Isso, inevitavelmente, gerou a pergunta: quem estava
tendo seu acesso à rede negado? Ninguém.
A ideia vendida ao público era a de que os
provedores estariam proibidos de discriminar e restringir o conteúdo que
trafegava nos cabos, e não podiam cobrar preços diferenciados para cada
conteúdo. Assim, uma pessoa que usa a internet apenas para checar emails
deveria pagar o mesmo tanto pelos serviços do que aquela que usa a internet
para ver filmes, ouvir musica e baixar volumosos dados.
Na prática, os provedores de serviços de internet
ficaram proibidos de oferecer planos de acesso específicos, ao gosto do
consumidor. E ficaram também proibidos de cobrar das empresas geradoras de
tráfego (como Netflix, Skype, Youtube, Facebook, Twitter, Amazon etc.) por esse
serviço, o qual exige uma grande largura de banda.
A neutralidade de rede, portanto, determinou que os
próprios provedores de serviços de internet (ISPs) deveriam arcar com os altos
custos desse serviço.
Por isso, a medida contou com o entusiasmado
e irrestrito apoio de todos os principais nomes do ramo de
disponibilização de conteúdo: Amazon, eBay, Facebook, Google, Microsoft,
Netflix, Twitter e Yahoo.
O então presidente Obama teceu louvores à
neutralidade de rede, dizendo:
Por
quase um século, nossas leis sempre estipularam que as empresas que conectam
você ao mundo têm obrigações especiais para não explorarem o monopólio que elas
possuem sobre o acesso para dentro e para fora de sua casa ou de sua empresa. É
sensato que esta mesma filosofia seja utilizada para nortear qualquer serviço
que se baseie na transmissão de informação — seja uma chamada telefônica ou um
pacote de dados.
Para aqueles que pensam que as regras de
neutralidade de rede são uma boa ideia, a indústria ferroviária americana serve
como um perfeito exemplo prático do quão danoso é declarar que bens de consumo
são "serviços de utilidade pública". Assim como a internet, as ferrovias
mudaram o mundo ao conectar pessoas, idéias e bens de uma maneira até então
inédita. Em 1887, a agência reguladora Interstate
Commerce Commission foi criada especificamente para regular o setor
ferroviário, controlando preços e estipulando serviços com o intuito de
"proteger" os consumidores, para que "não quedassem vítimas dos caprichos
gananciosos das poderosas gigantes" da indústria ferroviária.
Assim como hoje, a preocupação era que as poderosas
empresas ferroviárias iriam arbitrariamente aumentar as tarifas ou fazer
conluio com outras empresas para prejudicar os consumidores. Como consequência,
a ICC classificou as ferrovias como um "serviço de utilidade pública". Porém, é
claro, os resultados foram mais maléficos do que benéficos.
Como escreveu Robert J. Samuelson no Washington Post:
As
empresas ferroviárias tinham de recorrer à ICC para conseguir aprovação para
tudo: tarifas, fusões, alterações de rota e de itinerário, e abandonar linhas
secundárias pouco usadas. De um lado, quem enviava mercadorias se opunha a
mudanças que poderiam aumentar os custos. De outro, as ferrovias não conseguiam
fazer frente à nova concorrência que surgia no formato de caminhões e barcas.
Em 1970, a mastodôntica ferrovia Penn Central — que atuava no nordeste dos EUA
— foi à falência e acabou sendo incorporada pelo governo.
Negada a liberdade de inovar e fornecer os melhores
serviços possíveis aos consumidores sem antes de cumprir uma série de
requisitos burocráticos e regulatórios, a indústria ferroviária ficou amarrada
e definhou.
Em 1980, os impactos negativos já eram visíveis
demais até mesmo para o governo, que não mais podia ignorá-los. A ICC foi
abolida. Imediatamente em seguida, a indústria ferroviária se recuperou. Não
apenas as tarifas de frete e os custos operacionais gerais diminuíram, como
também as ferrovias finalmente conseguiram voltar a apresentar lucros — algo
que havia se tornado raro após a criação da ICC.
Em outras palavras, a abolição da agência reguladora
resultou em uma situação de ganhos mútuos para todos os lados envolvidos. E
parece que o mesmo está acontecendo com a revogação da neutralidade de rede.
Vamos
confessar que melhorou
Se fossemos levar a sério toda a azáfama feita no
fim de 2017, era para hoje o céu já ter desabado e a internet estar ou obsoleta
ou exorbitantemente cara devido à falta de regulação.
No entanto, em vez de custos disparando ou
velocidades de conexão diminuindo, as coisas na verdade melhoraram bastante.
De acordo com o site Recode, de notícias sobre
tecnologia, as velocidades de internet aumentaram aproximadamente 40% desde que
a neutralidade de rede foi abolida. Não mais restringidas pelas regulações estatais,
os provedores de internet ficaram livres para expandir suas redes de fibra
ótica, o que permitiu maiores velocidades:
Finalmente
boas notícias: a internet está se tornando mais rápida, especialmente a
internet de banda larga fixa. Desde o ano passado, as velocidades de download
em banda larga aumentaram 35,8% e as velocidades de upload aumentaram 22%, de
acordo com o ultimo relatório da empresa Ookla, que testa velocidades de
internet.
Agora, seria de se esperar que esse tipo de notícia
faria com que aquelas pessoas que trabalharam tão diligentemente para espalhar
o medo tivessem a humildade de vir a público e escrever artigos dizendo "oops,
estávamos errados, desculpe". Mas
não, isso não ocorreu.
A revista Wired,
que publicou vários artigos defendendo a neutralidade de rede e espalhando
temores, de fato publicou um artigo intitulado "Um
ano sem a Neutralidade de Rede: sem grandes mudanças (ainda)", no qual
admite que nenhuma das previsões catastrofistas se tornou realidade. Porém, ela
ainda se apega à paradoxal crença de que uma internet livre de regulações e
burocracias não é uma internet realmente livre.
Para
concluir
Como disse Jeffrey Tucker em seu artigo de novembro de 2017,
"o fim da neutralidade de rede é, até então, a melhor iniciativa de desregulamentação
já tomada pelo governo Trump. Devemos sempre aproveitar toda e qualquer
desregulamentação que eventualmente ocorra. É algo raro."
Estejam os negacionistas dispostos ou não a admitir,
menos regulações governamentais resultam em melhores arranjos tanto para
empresas quanto para consumidores. Logo, da próxima vez que você ouvir alguém dizendo
que a falta de regulação será o fim da vida como a conhecemos, lembre-se do que
realmente ocorreu quando o governo finalmente libertou a internet de suas
garras regulatórias.
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Veja nossos artigos sobre a neutralidade de rede.