Eis uma constatação: o capitalismo de livre mercado
possui uma 'natureza benevolente'. Ele promove a vida humana e o bem-estar. De
todos.
Há várias maneiras de se demonstrar isso. Mas,
antes, é necessário entender alguns conceitos básicos, porém imprescindíveis.
Tudo
começa com a divisão do trabalho
A economia nada mais é do que a ciência que estuda a produção de riqueza que ocorre em um sistema baseado
na divisão do trabalho.
A divisão do trabalho é um arranjo em que cada
indivíduo se especializa naquilo em que é bom e, desta maneira, ganha seu
sustento produzindo — ou ajudando a produzir — um bem ou um serviço. (Em
algumas raras ocasiões, há indivíduos capazes de produzir, ou ajudar a
produzir, vários bens ou vários serviços.)
A divisão do trabalho — cujo desenvolvimento pleno
só pode existir sob o sistema capitalista —, além de beneficiar a todos ao
criar mais bens e serviços, também proporciona enormes ganhos ao multiplicar a quantidade de conhecimento que
entra no processo produtivo.
Apenas considere isso: cada ocupação distinta, cada
sub-ocupação — desde o neurocirurgião ao entregador de pizza —, possui seu
próprio e único corpo de conhecimento (a soma de todo o conhecimento em uma
dada especialidade). Em uma sociedade capitalista, baseada na divisão do
trabalho, a quantidade de corpos de conhecimento distintos que participam do
processo de produção é proporcional à quantidade de ocupações existentes. E
a totalidade desse conhecimento opera em benefício de cada indivíduo
consumidor, quando este adquire os produtos produzidos por outros.
E o mesmo é válido para o indivíduo produtor, na
medida em que sua produção é auxiliada pelo uso de máquinas e equipamentos
(bens de capital) previamente produzido por outros.
Assim, imagine um determinado indivíduo que trabalha
como carpinteiro. Seu corpo de conhecimento é a carpintaria. Porém,
na condição de consumidor, ele se beneficia de todas as outras ocupações
distintas que existem no sistema econômico. A existência de um corpo de
conhecimento tão extenso e disperso é essencial para a existência de uma
infinidade de produtos — sendo que cada produto requer em seu processo de
produção mais conhecimento do que um único indivíduo, ou um pequeno número de
indivíduos, jamais seria capaz de ter.
Dentre tais produtos, temos o maquinário, algo que
não poderia ser produzido na ausência de uma divisão do trabalho extremamente
ampla e do vasto corpo de conhecimento que isso gera.
Adicionalmente, em uma sociedade capitalista,
baseada na divisão do trabalho, uma grande proporção dos membros mais
inteligentes e ambiciosos da sociedade — tais como os gênios e outros
indivíduos de grande talento — escolhem sua especialização exatamente naquelas
áreas em que podem melhorar e aumentar progressivamente o volume de conhecimento
que é aplicado na produção. Este é o efeito gerado quando tais indivíduos
se especializam em áreas como ciência, invenção e negócios.
Desta maneira, a multiplicação da quantidade de
conhecimento que entra no processo produtivo gera, como consequência, um
aumento contínuo e progressivo da própria quantidade de conhecimento.
A divisão do trabalho, em suma, é um sistema em que
as necessidades de um indivíduo são supridas pelo trabalho efetuado por outros
indivíduos.
Criação
de riqueza
A divisão do trabalho gera riqueza. Riqueza são os
bens materiais criados pelo homem e que melhoram sua qualidade de vida. Riqueza
é muito mais do que ter alimentos, roupas e moradia. Riqueza é um conjunto
de coisas que atende a todos os aspectos da vida humana, inclusive nossa
capacidade de locomoção, de visão, de audição, de ação e de raciocínio.
A riqueza, em suas várias formas, aumenta o poder
dos sentidos, da mente e dos membros do homem, de modo a melhorar sua qualidade
de vida. Automóveis e aviões são riquezas que aumentam nossa capacidade de
locomoção; máquinas e ferramentas de todos os tipos são riquezas que aumentam o
poder de nossos músculos e membros. Óculos, microscópios e telescópios são
riquezas que aumentam nosso poder de visão. Livros, jornais, televisores,
filmes, computadores e smartphones são riquezas que aumentam as informações
disponíveis para nossos olhos, ouvidos e mentes.
Assim, a atividade econômica gerada pela divisão do
trabalho e sua consequente produção de riqueza servem para melhorar o
ambiente em que vive o homem.
Entra
a concorrência
Pelo menos desde a época de Adam Smith e David
Ricardo já se sabe que a economia capitalista gera uma tendência à equalização
da taxa de retorno do capital (taxa de lucro) em todos os ramos do sistema
econômico.
Por exemplo, se em uma determinada área os lucros
estão acima da média, isso fornecerá um incentivo para que novos empreendedores
queiram entrar ali para se aproveitar destes altos lucros. Estes novos
entrantes irão aumentar o investimento naquela área, o que gerará mais produção
e oferta, o que consequentemente provocará uma redução nos preços e nas taxas
de retorno.
Consequentemente, todos os envolvidos na produção de
bens e serviços nesta área terão de encontrar novos métodos de produção mais
eficientes (menos custosos) caso queiram voltar a aumentar seus lucros. Caso
consigam, esses lucros maiores acabarão atraindo ainda mais concorrentes, que irão
novamente reduzir esses lucros. E aí, para competir com estes novos
concorrentes e manter sua fatia de mercado, os empreendedores já estabelecidos
terão de repassar estes métodos de produção mais eficientes (menos custosos) ao
consumidor na forma de preços mais baixos.
A contínua busca por lucros leva à descoberta e à
implantação de novos métodos de produção ainda mais eficientes, com o mesmo
resultado acima. A consequência é uma queda progressiva nos preços reais de
todos os produtos. (A queda nominal nos preços não ocorre simplesmente por
causa da contínua
inflação monetária estimulada pelo Banco Central).
Inversamente, se as taxas de retorno estão abaixo da
média, o resultado será uma redução no investimento e uma redução na produção e
na oferta, seguidas de um aumento nos lucros e na taxa de retorno. Dessa
forma, taxas de lucro altas caem e taxas baixas sobem.
O funcionamento deste princípio concede aos
consumidores o poder de determinar o tamanho relativo das várias indústrias,
algo que pode ser feito por meio de "suas decisões de consumir ou de se abster de
consumir", para usar as
palavras de Ludwig von Mises. Onde os consumidores gastam mais, os
lucros sobem; e onde os consumidores gastam menos, os lucros caem.
Em resposta aos lucros maiores, o investimento e a
produção aumentam; e em resposta aos lucros menores ou aos prejuízos, o
investimento e a produção diminuem. Assim, o padrão de investimento e
produção é forçado a seguir o padrão de gastos do consumidor.
Talvez ainda mais importante, esta tendência à
uniformização da taxa de retorno sobre o capital investido serve para criar um
padrão de progressivo aperfeiçoamento nos produtos e métodos de produção.
Qualquer empreendimento poderá auferir uma taxa de retorno acima da média caso
introduza um produto novo ou aprimorado que os consumidores queiram comprar, ou
um método mais eficiente e de mais baixo custo de se produzir um produto já
existente. Porém, o alto lucro que esse empreendimento desfrutar irá
atrair novos concorrentes, fazendo com que essa inovação seja amplamente
adotada.
E assim que isso ocorrer — isto é, a concorrência
do setor aumentar e a inovação for amplamente adotada —, os altos lucros
desaparecerão, sendo que o resultado final será o de que foram os consumidores que ganharam todo o benefício da inovação.
Eles acabaram ganhando melhores
produtos e pagando preços mais baixos.
Se a empresa que fez a inovação quiser continuar
obtendo uma taxa de lucro excepcional, ela terá de introduzir outras inovações,
as quais acabarão gerando os mesmos resultados. Obter uma alta taxa de
lucro por um longo período de tempo requer a introdução de uma série contínua
de inovações, com os consumidores obtendo o total benefício de todas elas,
desde a primeira até as mais recentes.
A competição, desta maneira, estimula a criatividade
e a inovação.
Não
é a lei da selva; não é a sobrevivência do mais apto
Entretanto, esta competição não pode ser
descrita como selvagem. Mais ainda: ela não
é a antítese da cooperação.
Como Ludwig von Mises demonstrou,
a competição econômica que ocorre sob o capitalismo é radicalmente diferente da
competição biológica que prevalece no reino animal. Com efeito, seu caráter é
diametralmente oposto.
As espécies animais têm de lidar com meios de
subsistência escassos e naturais, cuja quantidade elas não podem
aumentar. Já o homem, em virtude de ser dotado da razão e da inteligência,
pode aumentar a oferta de todas as
coisas das quais dependem sua sobrevivência e bem-estar.
Assim, em vez da competição biológica de animais
brigando entre si para arrebatar uma fatia de quantidades limitadas de recursos
naturais, com os fortes triunfando e os fracos perecendo, a competição
econômica sob o capitalismo é uma disputa para ver quem mais consegue aumentar a quantidade de
bens existentes, sendo que o resultado prático de tal competição é fazer
com que todos vivam melhor e mais longevamente.
De maneira completamente distinta aos leões na
savana, que precisam competir por uma oferta limitada de animais como zebras e
gazelas, por meio do poder de seus sentidos e membros, os produtores no
capitalismo competem por uma quantidade limitada de dinheiro que
está nas mãos dos consumidores, pelo qual competem oferecendo os melhores e
mais econômicos produtos que suas mentes são capazes de conceber.
Dado que tal competição é do tipo que visa à criação positiva de riqueza nova e adicional,
não há perdedores reais no longo prazo. Há apenas ganhadores.
A competição entre os agricultores e entre os
fabricantes de equipamentos agrícolas permite que os famintos e os fracos
possam se alimentar e crescer saudáveis; a competição entre os fabricantes de
produtos farmacêuticos permite que os doentes possam recuperar sua saúde; a
competição entre os fabricantes de óculos, lentes de contato e aparelhos
auditivos permite que muitas pessoas que de outra forma não poderiam ver ou
ouvir agora o possam.
Longe de ser uma competição cujo resultado é "a
sobrevivência do mais forte", a competição no capitalismo é mais acuradamente
descrita como uma competição cujo resultado é a sobrevivência de todos — ou pelo menos de um número cada vez maior de pessoas,
proporcionando maior
longevidade e melhores condições de vida.
O único sentido no qual é correto dizer que no
capitalismo somente o mais "forte" ou mais "apto" sobrevive
é quando se pensa nos produtos criados: apenas os produtos mais
aptos e os mais sólidos métodos de produção sobrevivem, até
que sejam substituídos por produtos e métodos de produção ainda mais aptos,
gerando os efeitos sobre a sobrevivência humana acima descritos.
A competição em uma economia de mercado — naquela
em que há liberdade de
empreendimento e ausência
de privilégios e protecionismos
estatais — significa simplesmente que você tem de se esforçar para bem
servir a seus clientes, e você agirá assim pensando em seu beneficio
próprio. Em outras palavras, os vendedores cooperam com os consumidores,
atendendo às suas necessidades e preferências.
E
há espaço para todos
Como Ludwig von Mises também já demonstrou, ao
desenvolver a lei das vantagens comparativas de David Ricardo e extrapolá-las
até a lei da associação, existe espaço para todos na competição do capitalismo.
Mesmo aqueles que são menos capazes que os outros,
em todos os sentidos, ainda têm seu lugar.
Com efeito, em grande medida, a competição sob o
capitalismo, longe de ser uma questão de conflito entre seres humanos, é um
processo que organiza harmoniosamente a divisão do trabalho — aquele
grande sistema de cooperação
social possível apenas no capitalismo. É a competição que decide
até que ponto cada indivíduo, dentro desse abrangente sistema de cooperação
social, irá dar sua contribuição específica — quem, por exemplo, e por quanto
tempo, será o presidente de uma indústria, quem será o zelador e quem irá
preencher todas as posições intermediárias.
Nesta competição, cada indivíduo, por mais limitadas
que sejam suas habilidades, pode superar a todos os demais — sem se importar
com o quão mais talentosos estes são — na busca de seu nicho produtivo.
Literalmente, e sendo este um acontecimento diário e
banal, aqueles cujas habilidades não são maiores do que as necessárias para ser
um zelador são capazes de superar, sem qualquer dificuldade, os maiores gênios
produtivos do mundo — para obter um emprego de zelador.
Por exemplo, Bill Gates pode ser um indivíduo tão
superior que, além de ser capaz de revolucionar a indústria de software, também
seja capaz de limpar cinco vezes tantos metros quadrados de um escritório na
mesma duração de tempo que qualquer zelador do planeta, e ainda fazer um
serviço melhor. Mas Gates pode ganhar um milhão de dólares por hora
administrando a Microsoft, e os zeladores podem estar dispostos a trabalhar
por, digamos, $10 a hora, sendo que essa propensão deles para executar o mesmo
serviço a um centésimo de milésimo do salário que Gates cobraria supera
enormemente a menor habilidade que possuem, de modo que são eles agora que
estão em clara preferência e vantagem na situação.
Ao mesmo tempo, pelo fato de os gênios produtivos
serem livres para revolucionar com sucesso produtos e métodos de produção,
aqueles indivíduos cujas habilidades não são maiores do que as requeridas para
serem zeladores poderão, como consequência do trabalho dos gênios, usufruir não
apenas alimentos, roupas e abrigo, mas também produtos como automóveis,
televisões, computadores e smartphones, produtos cuja própria existência eles
provavelmente jamais poderiam conceber por conta própria.
Os prejuízos associados à competição são, em sua
maioria, apenas perdas de curto prazo. Por exemplo, assim que os ferreiros
e criadores de cavalo que perderam seus negócios por causa da invenção do
automóvel encontraram outras linhas de trabalho de mesmo nível, o único efeito
duradouro do automóvel sobre eles é que, como consumidores, eles passaram a poder desfrutar as vantagens do
automóvel em relação ao cavalo.
Similarmente, os fazendeiros que utilizavam mulas, e
que foram desalojados do mercado pela concorrência dos fazendeiros que
utilizavam tratores, não morreram de inanição — eles simplesmente tiveram de
mudar sua linha de trabalho; e quando o fizeram, passaram a usufruir, junto com
todo o resto, uma oferta muito mais abundante de comida e de outros produtos,
os quais puderam ser produzidos precisamente porque utilizaram a mão-de-obra
liberada pela agricultura.
Mesmo naqueles casos em que uma concorrência isolada
resulta em um indivíduo tendo de passar o resto de sua vida em uma situação
econômica inferior àquela que desfrutava antes — como, por exemplo, o dono de
uma fábrica de chicotes de cavalo tendo de viver o resto de sua vida como um
assalariado comum após ter ido à falência por causa da invenção do automóvel —,
mesmo ele não pode alegar sensatamente que a competição o prejudicou.
O máximo que ele pode razoavelmente alegar é que, de
agora em diante, os formidáveis benefícios que a concorrência lhe traz são
menores do que os ganhos ainda mais formidáveis que ele obtinha dela anteriormente
— pois é a concorrência que sustenta a produção e a oferta de tudo que ele
continua apto a comprar e é ela a responsável pelo poder de compra de cada
unidade monetária de sua renda e da renda de todos.
E, é claro, é a concorrência também que faz aumentar
sua renda real, retirando-a do nível para o qual havia caído.
Sob o capitalismo, a concorrência eleva o padrão de
vida do assalariado médio para níveis maiores até mesmo do que aqueles que foram desfrutados pelas pessoas mais ricas do mundo que viveram algumas
gerações atrás.
Hoje, um assalariado médio em um país capitalista
possui um padrão de
vida maior até mesmo que o da Rainha Vitória em provavelmente todos os aspectos,
exceto na capacidade de contratar servos.
Isto é benevolência. Para todos.