quarta-feira, 16 jan 2019
Artigo originalmente publicado em novembro de 2018.
Dois anos e cinco meses atrás, no dia 23 de junho de
2016, o Reino Unido votou para sair da União Europeia. A data de saída está atualmente
marcada para 29 de março de 2019, quase três anos após a votação. Mas pode ser
postergada ainda mais, pois há um arranjo de transição que pode durar até pelo
menos o fim de 2020.
Pior: ainda há uma chance de que a coisa seja
postergada até além das eleições gerais de 2022.
Isso seria uma
enormidade: seis anos após a votação histórica.
Tanto a alta hierarquia da União Europeia quanto os
medalhões do governo britânico irão dizer que tem de ser assim mesmo, pois a relação
entre o Reino Unido e a União Européia é excessivamente complexa e não pode ser
desfeita muito rapidamente.
Entretanto, a história nos oferece uma perspectiva diferente.
A Primeira Guerra Mundial demorou quatro anos. A Segunda Guerra, seis. Será que
é mais fácil conquistar e em seguida perder todo um continente do que separar
duas jurisdições pacificamente?
Em vez disso, analisemos o que houve com a Tchecoslováquia.
Nasci naquele país, mas nunca penso nele como minha terra natal. E é assim
porque antes mesmo de eu ir para a escola, o país já havia se transformado
completamente: não só ele havia deixado de ser uma república socialista e um satélite
soviético e se transformado em uma democracia liberal, como também havia se
separado em duas nações.
Sendo assim, quando me tornei criança, o país em que
nasci já não existia mais. Tudo o que sempre conheci, desde então, é a
República Tcheca. Toda a história turbulenta — Václav Havel eleito
presidente, a Revolução de
Veludo, a primeira
eleição livre, o início da transformação
econômica, Václav
Klaus eleito primeiro-ministro, o Divórcio
de Veludo — aconteceu nos primeiros seis anos de minha vida.
O realmente interessante em toda essa sequência foi
o Divórcio
de Veludo. A seguir, um breve resumo da cronologia.
As decisivas eleições ocorridas nos dias
5 e 6 de junho de 1992 viram o partido de Václav Klaus na República Tcheca
e o de Vladimír Meciar na Eslováquia obterem a maioria dos votos em seus
respectivos parlamentos estaduais, bem como no parlamento federal (a Tchecoslováquia
já era uma federação há 20 anos àquela data).
Como consequência, as tensões rapidamente escalaram.
Os eslovacos queriam uma federação mais solta — no caso, uma confederação entre
as duas repúblicas. Já os checos eram inflexíveis: ou uma federação mais
centralizada ou dois países completamente independentes. Como eram medidas
irreconciliáveis, o primeiro-ministro checo Václav Klaus se encontrou com o
primeiro-ministro eslovaco Vladimír Meciar em Brno no dia 8 de julho e ambos concordaram
em separar a federação, dissolvendo a Tchecoslováquia e criando duas nações
independentes.
O acordo foi assinado no dia 26 de agosto e Václav
Havel renunciou ao cargo neste ínterim (20 de julho). No dia 13 de novembro,
foi promulgada uma lei estipulando como
os ativos federais seriam repartidos. Doze dias depois, aprovou-se um ato
anunciando a dissolução da Tchecoslováquia para o dia 31 de dezembro de 1992.
Questões complexas como a continuidade do parlamento
checo, a continuidade das leis, o arranjo dos tribunais e das supremas cortes e
coisas afins foram todas rapidamente decididas até dezembro. Uma nova
Constituição checa foi aprovada no dia 16 de dezembro.
A Tchecoslováquia foi dissolvida à meia-noite do ano
novo. Quando as pessoas acordaram na manhã seguinte, elas já tinham novas
nacionalidades, e o parlamento tcheco reelegeu Václav Havel presidente no dia
26 de janeiro de 1993.
Em um período de tempo de meros seis meses, uma
abrangente solução foi acordada e colocada em prática. Ativos imobilizados foram
distribuídos de acordo com a proporção populacional de aproximadamente 2
tchecos para 1 eslovaco. Emendas aos tratados internacionais assinadas pela
Tchecoslováquia foram negociadas e assinadas muito rapidamente pelas duas novas
repúblicas, confirmando a continuação destes tratados. Em 1996, os dois países assinaram
um protocolo especificando a distribuição das responsabilidades especificadas
nos tratados assinados pela Tchecoslováquia.
E tudo isso aconteceu ao mesmo tempo em que a Tchecoslováquia
(no caso, seus dois países componentes) estava vivenciando uma maciça transformação
econômica.
A Tchecoslováquia estava privatizando estatais e
terras públicas em uma escala sem precedentes e a um ritmo nunca antes visto na
história do mundo. De certa forma, foi como uma combinação de Brexit com as privatizações
da década de 1980 no Reino Unido, só que muito mais complicado. Ao passo que o
Reino Unido da década de 1980 privatizava duas empresas por ano, a Tchecoslováquia
do início da década de 1990 estava privatizando duas empresas por hora. Somadas,
o valor contábil dessas empresas representava uma enorme fatia do PIB. A privatização por
meio de vouchers (houve outros métodos de privatização), sozinha, englobou
empresas que valiam um terço do PIB da Tchecoslováquia. Tudo isso ocorreu
exatamente ao mesmo tempo em que as repúblicas estavam se separando.
E não nos esqueçamos do fato de que a Tchecoslováquia
também era uma união monetária. A ideia original era que a moeda, a coroa tchecoslovaca,
seria mantida pelos dois países, mas, após a separação, ela não durou nem
dois meses, sendo então substituída pela Coroa checa e pela Coroa eslovaca.
Onde há vontade, há um jeito. Duas coisas tornaram possível
a separação pacífica do país: a insistência de Vaclav Klaus de que tudo tinha
de acontecer rapidamente, antes que os grupos de interesse e os poderosos
lobbies tanto empresariais quanto de funcionários públicos pudessem se organizar
e criar uma bem-sucedida defesa do status quo; e o fato de que os dois recém-criados
governos, apesar de toda a tensão entre eles, trabalharam conjuntamente para
impingir, de boa fé, todos os acordos atuais e antigos. Sempre que surgiam diferenças
ou questionamentos, eles procuravam soluções amigáveis nas quais nenhum dos
lados poderia se gabar de ter saído vencedor. O objetivo sempre era manter possível a cooperação
futura.
Ninguém estava propondo divórcios litigiosos ou moções
ridículas, como proibir aviões de sobrevoar o espaço aéreo, reter caminhões nas
fronteiras, não reconhecer licenças, ou um país continuar tendo jurisdição sobre
o outro pelos próximos 100 anos. Tempo e boa fé eram a essência de tudo.
Se os checos e os eslovacos foram capazes de separar
todo um país em seis meses, então certamente Londres e Bruxelas podem encontrar
uma maneira de extrair uma nação-membro muito mais rapidamente do que em seis
anos.