Nota
do editor
Este
artigo foi o primeiro colocado em nosso concurso sobre
modelos para a privatização dos Correios, realizado no ano de 2018. A versão a seguir está
ligeiramente editada (sem a lista de toda a bibliografia utilizada pelo autor,
a qual ocuparia um grande e desnecessário espaço). A versão integral está
disponível na próxima edição da Revista Mises.
A
Constituição Federal do Brasil preconiza competir à União Federal as funções de
manter e legislar sobre o serviço postal e o correio aéreo nacional.
Conferiu,
assim, em caráter exclusivo, a atribuição legislativa e material à União, em
clara oposição ao preceito da livre iniciativa por ela mesma elencada como
fundamento da ordem econômica e ao princípio da livre concorrência.
Aos
que advogam a necessidade de concentração das atribuições postais no pleno
domínio estatal, tal previsão adviria sucintamente de imperativos relacionados
à segurança nacional, bem como ao atendimento de áreas territoriais não-lucrativas
que, de outro modo, supostamente deixariam de ser alcançadas pela atividade
privada.
Sobre
os alicerces do setor estratégico foi fundada a Empresa Brasileira de Correios
e Telégrafos (ECT), empresa pública vinculada ao Ministério das
Telecomunicações, cujo capital pertence integralmente à União Federal, conforme
Decreto
nº 8.016/2013.
Inobstante,
conforme dados que serão trazidos adiante, o fato é que tal regime de
privilégio tem resultado em inúmeros prejuízos, diretos e indiretos, à toda
sociedade brasileira, fomentando os debates a respeito da privatização dos
correios e livre iniciativa dos serviços postais. E, como veremos, as
altercações não são inéditas.
Cabe
aduzir, no entanto, duas observações. Em primeiro lugar, em um sentido técnico-jurídico,
não seria adequada a utilização do termo monopólio (utilizado pela própria lei
dos serviços postais), mas sim privilégio.[1]
Dessa forma, utilizaremos o termo monopólio no seu sentido corrente e não
técnico.
Em
segundo lugar, o Supremo Tribunal Federal (STF) possui entendimento de que o
privilégio concedido à ECT não é integral, estando restrito às atividades postais
descritas no art. 9º, da Lei 6.538/782.[2]
Assim,
não há óbice jurídico ao exercício realizado por transportadores privados de
outros tipos de encomendas e mercadorias.
Em
um primeiro momento, trataremos dos conceitos de privatização e desestatização.
Em seguida, abordaremos aspectos históricos e comparativos internacionais a
respeito do assunto, bem como a situação econômica atual dos Correios. Mais
adiante, analisaremos a privatização à luz dos pensadores
liberais, para, ao final, elaborar proposta e solução prática para a efetivação
de eventual privatização da empresa pública.
Logicamente,
o assunto levanta inúmeras problemáticas e questões referentes ao modo pelo
qual se dará a privatização, ao atendimento de áreas carentes e não-lucrativas,
à fiscalização tributária e ao envio de mercadorias ilícitas. Tentaremos cercar
tais desafios, ainda que sucintamente, a fim de elaborar ideia clara e factível
para o cenário brasileiro.
1. Do conceito de privatização
versus desestatização
Cumpre
esclarecer, a priori, que há quem diferencie o
conceito de privatização e o de desestatização. A privatização não estaria
atrelada necessariamente a um processo de desestatização, pois é perfeitamente
possível haver uma privatização sem que haja uma concomitante retirada da
ingerência estatal. Isso ocorreu no caso das telecomunicações, por
exemplo.
As
agências reguladoras
e o capital social nas mãos do estado perpetuam o controle político e as
vicissitudes inerentes à estatização, de forma que, embora empresas privadas
pratiquem o respectivo serviço (e muitas vezes dirigidas por pessoas bem
relacionadas com os governantes), não há livre iniciativa e nem concorrência
genuínas.
Mais
à frente serão tecidas considerações a respeito de privatização, livre mercado
e concorrência à luz dos autores liberais. Por ora, para presente escopo
prático, trataremos os termos privatização e desestatização como idênticos em
seu sentido amplo, isto é, como um conjunto de medidas tendente a
desmonopolizar e desregulamentar determinado serviço considerado como de
caráter público. Tal distinção é relevante considerando que a Empresa Pública
possui natureza jurídica de direito privado (ao contrário do que a designação
possa pressupor), em que pese seu capital social pertencer integralmente ao estado.
2. Histórico e comparativos
internacionais
A
discussão a respeito da reforma postal não é privilégio exclusivo dos
brasileiros.
O
USPS (United States Postal Service), serviço postal dos Estados Unidos, também
é governamental e responsável por 47%
de todo o volume postal do mundo. Em 1970, o Postal
Reorganization Act reformou o antigo departamento postal dos EUA,
objetivando torná-lo politicamente
independente e autofinanciado, sem, contudo, privatizá-lo.
Entretanto
— e apesar de obter uma receita operacional anual total de U$ 71,4 bilhões em
2017 —, a USPS apresentou prejuízo
líquido de U$ 2,7 bilhões, com uma queda de 5 bilhões de correspondências
entregues e um passivo não-financiado de U$
120 bilhões, situação que faz ascender posicionamentos favoráveis à sua
privatização.
O
serviço postal alemão, por sua vez, foi privatizado em 1995, tendo se reinventado
por meio da prestação de outros serviços, como financeiros, parcerias, lojas de
conveniência etc. No ano 2002, o Deutsche Post adquiriu a DHL e hoje
atua em cerca de 200 países. O último monopólio — o envio de cartas de até 50g
— caiu
em 2007.
Em
2003, o primeiro-ministro japonês Junichiro Koizumi
iniciou um intenso plano de privatização dos correios de seu país, resultando
na divisão da companhia em outras cinco e na privatização em 2007. Ainda assim,
as ações continuaram a pertencer majoritariamente
ao governo.
O
Royal Mail — correios
da Inglaterra — iniciou um processo de privatização dividido em três
partes em 2013, ano em que foi realizada a primeira oferta pública,
resultando na venda de 60% das ações. Em 2015 as ações restantes foram
vendidas, inclusive as que foram retidas pelo governo inglês (BOOTH; MOSES,
2016).
A
empresa Correios, Telégrafos e
Telefones (CTT) de Portugal também optou pela privatização em 2013, tendo
vendido todas
as ações em 2014.
Logo
se vê que a privatização do serviço postal tem sido o caminho tomado e
discutido em diversos países, seja como gerador de caixa, seja como maximizador
de eficiência da atividade.
3. Da situação atual da ECT
Os
Correios do Brasil apresentam hoje 49.130 reclamações
no site Reclame Aqui [N. do E.: dados de 2017] com taxa de 0%
de reclamações atendidas e crescente índice de insatisfação, conforme
demonstrado no gráfico
abaixo.

Em
08/09/2017, a empresa pública divulgou em seu blog
ter sido vencedora do prêmio 100 melhores Empresas em Satisfação do Cliente,
informação desmentida
pelo Instituto MESC, realizador da pesquisa. Em nota
divulgada no site do Instituto, foi relatado que os Correios ocuparam a
379ª posição do ranking, tendo ainda mais de 30% de clientes detratores.
Como
se não bastasse, em 2017, o Ministério da Transparência e Controladoria-Geral
da União (CGU) divulgou relatório de avaliação da evolução econômico-financeira
da ECT, com o escopo de averiguar os fatos relevantes que impactaram os
resultados da estatal entre 2011 e 2016. O referido relatório
concluiu que
a empresa apresentou crescente
degradação na sua capacidade de pagamento no longo prazo (Liquidez), aumento do
endividamento e da dependência de capitais de terceiros, e principalmente,
redução drástica de sua rentabilidade, com a geração de prejuízos crescentes a
partir do exercício de 2013.
O
relatório da CGU também aduziu que o Patrimônio Líquido dos Correios foi
reduzido em 92,5% aproximadamente, tendo em vista a elevação dos Prejuízos
Acumulados, situação que poderia exigir a injeção de recursos da União, sob
pena de apresentar Passivo a Descoberto e agravamento de sua situação
financeira.
(No
período analisado pela CGU, os Correios apenas apresentaram lucro líquido nos
anos 2011 e 2012, sendo que 50% do montante foi utilizado para pagamento de
"Transferências para União" (Juros sobre capital próprio e dividendos). A
situação se repetiu em 2013, mesmo havendo prejuízo).
Além
disso, o relatório
também apontou que a ECT apresentou elevado crescimento das despesas gerais e
administrativas após 2013 em razão do benefício pós-emprego destinado aos
empregados e composto por serviços médicos em favor dos titulares
e dependentes, bem como previdência complementar.
Cabe
considerar, ainda, que o Supremo Tribunal Federal consolidou o entendimento de
que a ECT possuiria imunidade tributária recíproca, não se sujeitando a
incidência de tributo sobre a renda e o patrimônio. Tal fato levou a aumento
significativo no grupo "Outras Receitas Operacionais" em 2016 e a uma previsão
de redução da despesa tributária em R$ 18 milhões por ano, o que não foi suficiente para alterar seu quadro financeiro.
Até
mesmo o Fundo Postalis, Instituto de previdência dos Correios, não
escapou do prejuízo, apresentando déficit de R$ 6 bilhões e investigações
de desvios de recursos previdenciários.
4. Da privatização à luz dos
pensadores liberais
A
atividade empresarial de circulação de bens e serviços está sujeita às
incertezas e percalços inerentes à imprevisibilidade da natureza humana e à
complexa rede intrincada formada pelos agentes econômicos.
O
empreendedor é incumbido de selecionar os bens e serviços a serem colocados em
circulação, efetuar os cálculos corretos em relação aos custos e às receitas ,
contratar trabalhadores, arriscar capital e, ainda assim, estar vulnerável às
intempéries do mercado e ao humor dos consumidores.
Não
há como negar que o capitalismo de livre mercado instaurou uma verdadeira
ditadura do consumidor, que é livre para selecionar os fornecedores de bens e
serviços que melhor lhe convenha, procurar substitutos quando assim determinar
ou simplesmente se abster de consumir. É o que Mises denomina de soberania dos consumidores, resultado do
livre mercado e do capitalismo. O economista austríaco compara os
empreendedores a simples timoneiros, sujeitos à ordem do capitão; o consumidor
é o capitão. É o consumidor quem determina o que deve ser produzido, em que
quantidade e qualidade. Assim, o empreendedor tem de ajustar sua atividade a
fim de atender aos anseios do consumidor, sob pena de ser removido de sua
posição.
No
entanto, a situação muda de figura quando a prestação de serviços e
fornecimento de bens é efetuada pelo estado. Na atividade empresarial sob
administração pública — quaisquer que sejam suas variantes técnicas ou
aformoseamento semântico — não há cálculo econômico, não há prestação de
contas, não há punição, não há substituição. O monopólio estatal sobre serviços
e produtos retira a soberania do consumidor e do povo e a coloca sob a
titularidade de burocratas e governantes.
O
objetivo do burocrata, agora, não é atender a demanda do consumidor, mas
cumprir toda uma série de regulamentos e regras que lhe são impostas. A
administração pública não
pode ser avaliada em termos financeiros e não é movida pelo lucro. Inexiste
restrição de orçamento ou preço de mercado a ser alcançado.
Os
defensores do intervencionismo estatal se sustentam no argumento do monopólio natural,
segundo o qual existiriam setores de utilidade pública tão essenciais e
dispendiosos, e nos quais os
investimentos necessários são muitos elevados e os custos marginais são muito
baixos, que justificariam o monopólio estatal. Para Thomas DiLorenzo, a
teoria do monopólio natural é uma ficção econômica criada ex post pelo governo para justificar seu poder monopolístico — ou
seja, é inventada para sustentar privilégios e proteger setores que abominam a
concorrência. (Em seu artigo, DiLorenzo trata a respeito das economias de
escala durante a era das concessões monopolísticas e sobre as empresas privadas
de utilidade pública que concorriam vigorosamente entre si nos séculos XIX e
XX.)
Assim,
nada justificaria a existência de monopólios naturais na economia moderna, que
apenas são instrumentos de atraso ao desenvolvimento da sociedade, que acaba
arcando com os prejuízos e ineficiência das estatais.
Inobstante,
como verificado anteriormente, a simples concessão, permissão ou autorização
para prestação de determinado serviço de utilidade pública pelo setor privado
não produzirá as benesses inerentes ao livre mercado se não for acompanhada da
devida desregulamentação e retirada estatal.
Sobre
as privatizações ocorridas no Brasil, Leandro Roque assevera:
O esquema adotado para a
privatização dos serviços de utilidade pública no Brasil — mais
especificamente, os setores telefônico, elétrico (distribuição) e de saneamento
básico (estes, estaduais), além de estradas e metrôs — foi o da concessão.
Neste sistema, o governo reserva o
mercado em questão para as empresas vencedoras das licitações, as quais
ganharão a concessão do monopólio da prestação do serviço. Esse monopólio é
garantido por meio da iniciação de força física por parte do governo contra
pretensos concorrentes. Em cada setor, ninguém além da empresa concessionária
pode legalmente vender seus serviços. Qualquer um que porventura tente furar
essa barreira será impedido pelo estado e ameaçado de violência — a qual
assegura o poder do estado e da qual apenas ele detém o monopólio.
Neste
sentido, advém da Escola de Chicago a Teoria da Captura,
segundo a qual todo setor sob regulamentação estatal acabará influenciando (ou
capturando) o governo. Este, por sua vez, será conivente com a criação de
normas que favoreçam o setor regulado em troca de favores.
A
criação de agências governamentais para controlar setores privatizados no
Brasil e a existência de inúmeras regulamentações em conjunto com outras
medidas de controle impedem
a desestatização plena de serviços de telefonia, eletricidade, água,
esgoto, entre outros, impedindo a entrada de novos concorrentes e resultando em
malefícios próximos ao monopólio estatal. Tais males podem incluir tanto a proibição
à prática de preços baixos (o que obviamente seria benéfico aos consumidores)
quanto a autorização para a cobrança de valores maiores, ambas as quais geram limitação
de qualidade na prestação de serviços.
Foi
Israel Kizner quem apresentou
o conceito de "alerta empreendedorial", que seria aquele mantido pelos
indivíduos em relação a "fins potencialmente interessantes que até então
passavam despercebidos". E também "em relação aos recursos, até então
despercebidos, potencialmente interessantes e disponíveis". Tal estado de
alerta exige do empreendedor a devida atenção às contínuas alterações nos dados
de mercado e à constante evolução de técnicas, preços e prestação de serviços.
Isso
só é possível ao empreendedor puro e não ao detentor de privilégios
monopolísticos. (Kizner define o empreendedor puro como o "tomador de decisões
cujo papel brota totalmente do seu estado de alerta em relação a oportunidades
até então despercebidas".)
A
competição — vista como um processo
e não como situação — exige do empreendedor um estado de alerta constante, do
qual surge a consequente evolução dos produtos e serviços, bem como as inovações
que, de outro modo, não teriam sido antes imaginadas (ou cuja aplicação não
fora levada em consideração pelos agentes econômicos).
O
monopólio — ao proibir a entrada de novos empreendedores por imposição
governamental — aniquila esse estado de alerta e, consequentemente, a
possibilidade de desenvolvimento, aprimoramento e progresso da qualidade de
vida de toda sociedade (e, assim, diverge da intenção que motivou sua
instituição: a alegada utilidade/interesse social).
Vê-se,
portanto, que a proposta de privatização dos Correios do Brasil deve levar em
consideração não somente sua prestação pelo setor privado, como também a total desestatização e liberação para a
entrada de novos concorrentes.
5. Proposta de solução prática para
os serviços postais do Brasil
Diante
do que já foi exposto, o processo de privatização deverá ser analisado
basicamente sob três enfoques: a privatização em sentido estrito (alienação da
ECT), a desestatização (livre iniciativa plena para o exercício da atividade
postal) e a desregulamentação do setor.
5.1 Da Privatização da ECT
O
primeiro passo para a plena privatização dos Correios deve se dar por meio da
revogação das leis de constituição da ECT, com sua transformação em sociedade
anônima e a consequente abertura de seu capital social para
investidores privados, havendo possibilidade de se optar pelo direito de
preempção (preferência) de seus empregados.
(A
preferência aos empregados pulverizaria as ações da empresa, evitando a
formação de monopólios indiretos. Tal solução foi adotada pelo governo
Thatcher no processo de privatização de estatais)
A
ideia central é fugir do tradicional modo de privatização que se tem adotado em
relação a portos e aeroportos brasileiros: a concessão (que mantém forte
ingerência estatal, conforme já mencionado).
A
oferta pública de ações levantaria capital para pagamento de dívidas,
aprimoramento tecnológico e fortalecimento da empresa, tornando-a apta a
concorrer no mercado interno e externo. Toda estrutura atual poderá ser
aproveitada, inclusive com opção de parcerias com outras empresas privadas,
centros de distribuição, entregadores, entre outros.
5.1.1 Da privatização gradual e
criação de agência provisória
Não
há óbice para que o governo mantenha inicialmente a maioria das ações, de modo
a estabelecer um plano progressivo de privatização, de acordo com as metas e resultados
alcançados. A formação de uma agência provisória poderia ocorrer, com o intuito
de controlar o processo de privatização da ECT, fomentar a livre concorrência e
resolver conflitos envolvendo a privatização dos serviços postais.
Obviamente,
quando se fala em uma entidade pública, corremos os riscos inerentes à
corrupção usual que acomete a administração pública. Por isso, é necessário
estabelecer mecanismos que evitem macular o objetivo primordial: liberar
plenamente a prestação de serviços postais.
Para
tanto, setores da Indústria, Comércio, Governo (Legislativo, Judiciário e
Executivo) poderão integrar a agência, possibilitando certa concentricidade na
elaboração do plano de privatização e liberação de mercado, evitando (ao menos
mitigando) a captura de burocratas e favorecimentos indevidos.
Saliente-se,
ademais, que a Agência deverá ser provisória. Assim, tão logo haja consolidação
do mercado postal brasileiro e definição de regras claras de concorrência que
não embaracem a liberdade das empresas, nem eliminem os eficientes do jogo,
deverá a Agência Postal ser encerrada.
5.2 Liberação à livre iniciativa
O
segundo passo — que deverá ser concomitante ao primeiro — exigiria emenda
constitucional, a fim de retirar o privilégio de exclusividade do serviço
postal, qualquer que seja, para liberar a entrada de outras empresas e, assim,
honrar o princípio da livre iniciativa.
Ao
mesmo tempo em que ocorre a reestruturação da ECT, a iniciativa privada deverá
estar desatada para que sua criatividade e busca pelo lucro propicie inovação e
desenvolvimento do setor.
Poderão
ser aproveitados os centros de distribuição atual dos Correios, obviamente por
meio de parcerias e pagamento do valor acordado, como também poderão ser inaugurados
centros próprios, que concorrerão paritariamente com a ECT.
Entregadores
e transportadores poderão se organizar e se vincular a diferentes empresas e
centros de distribuição, conforme o modelo adotado por cada um. Esse plano de
ação possibilita o fracionamento do serviço postal, o aproveitamento de
estruturas mais dispendiosas e a inclusão de pequenos empreendedores.
Desse
modo, as empresas brasileiras poderão concorrer inclusive no cenário
internacional, com sucursais atuantes em outros países. Também estarão livres
para impulsionar o setor postal tecnologicamente, por meio de aplicativos e
outros modelos ainda não imaginados em um mercado até então engessado.
Vale
ressaltar que a tendência moderna é a virtualização
da comunicação, o que permite a incorporação do serviço postal a uma variedade
de outros serviços, garantindo que a rentabilidade dos empreendedores não se
mantenha restrita, mas, ao contrário, que incorpore soluções e práticas tecnológicas
avançadas, sempre visando a atender as necessidades dos consumidores.
O
presente modelo também será promissor para entidades seguradoras e de controle
de qualidade, que poderão garantir o serviço e o reconhecimento de padrões de
atendimento e trabalho.
Ressalte-se
também a possibilidade de criação ou utilização de plataformas online já
existentes para avaliação de empresas e destaque daquelas que são mais
competentes.
5.3 Desregulamentação
O
serviço postal brasileiro é extremamente regulado, considerando a proteção do
privilégio estatal e o atendimento das demandas burocráticas. O processo de
desestatização passa obrigatoriamente pela desregulamentação, com a retirada
das normas disciplinadoras da atividade postal do ordenamento jurídico ou sua
modificação.
Em
primeiro lugar, uma emenda constitucional deverá revogar o art.
21, inciso X, da Constituição Federal, para que não seja de competência da
União a manutenção do serviço postal. Abre-se a possibilidade de alterar o inciso,
para que conste "manter o serviço postal e o correio aéreo nacional para
regiões deficitárias", nos termos de solução intermediária explicitada no
próximo tópico.
O
art. 22, inciso V, que trata da competência legislativa da União poderá ser
mantido, uma vez que a norma disciplinadora da livre concorrência do setor
deverá ser de âmbito nacional.
Em
âmbito infraconstitucional, o Decreto-Lei
nº 509/69, referente à transformação do Departamento dos Correios e
Telégrafos em empresa pública, e o Decreto
nº 83.726/79, que aprova seu estatuto, deverão ser ab-rogados, considerando
a transformação da empresa pública em Sociedade Anônima de capital aberto.
Cabe
esclarecer que a Lei
nº 11.668/08 dispõe sobre o exercício da atividade de franquia postal,
permitindo o desempenho de atividades auxiliares relativas ao serviço postal.
Saliente-se, contudo, que mesmo por meio da franquia, continua sendo de
responsabilidade da ECT a distribuição e entrega aos destinatários finais. As
franquias são selecionadas por procedimento licitatório (conforme
regulamentação do Decreto
nº 6.639/08), logo, o exercício da atividade continua restrita aos
interesses do privilégio.
Tais
normas deverão ser revogadas e/ou incorporadas ao estatuto da sociedade anônima
a ser formada com a abertura de capital.
Por
fim, o Decreto
nº 1.789/96 deverá ser modificado para incluir os prestadores de serviço
privados na disciplina de controle aduaneiro, bem como o Decreto-Lei
nº 1.804/80 no caso de tributação simplificada de remessas postais
internacionais.
5.4 Problemática
É
fato que toda proposta revela problemáticas.
Em
um primeiro momento, entendemos que maiores questões repousam sobre o interesse
de tributação do estado, a fiscalização de envio de mercadorias ilícitas e o
atendimento de áreas carentes.
Conforme
tratado no tópico anterior, as normas que disciplinam a fiscalização tributária
e a fiscalização de mercadorias deverão inserir os entes privados em seu texto.
Não haveria maiores prejuízos ao interesse estatal de arrecadação, afinal a
estrutura de fiscalização aduaneira e tributária se mantém hígida.
Quanto
às áreas deficientes, não-lucrativas e rurais não há uma resposta fácil. Embora
acreditemos que, no longo prazo, o livre mercado encontrará saídas, tais áreas
podem correr o risco inicial de ausência de serviços. Nesse caso, propomos uma
solução realista: a divisão de parcela dos correios atuais, para que parte seja
privatizada nos moldes já comentados e outra se destine ao atendimento de áreas
rurais e carentes. Poderá, assim, ser estipulada cobrança de repasses das
demais empresas, a fim de subsidiar o atendimento a tais áreas, sem impedir que
elas também atuem, se assim desejarem — caso em que deverão ser beneficiadas
com a redução ou isenção da necessidade de fazerem repasse.
Há
que se reforçar que a liberação do tráfego postal impulsiona soluções
criativas, de empreendedores em constante estado de alerta e que visam a
otimização do lucro e a maximização da eficiência na prestação de serviços.
Conclusão
Diante
do que já foi exposto, é possível concluir que a privatização e a desestatização
dos Correios são o caminho adequado e sensato a ser trilhado em benefício a
toda a nação. A elaboração da presente proposta é sumária, não se propondo a
ser integralmente rígida, mas um norte ao processo que exigirá boa vontade de
políticos e demais interessados.
Antes
de tudo, será necessária a revogação e alteração das normas que hoje regem a
ECT. Depois, deverá ser formado Grupo de Trabalho para normatização e criação
de Agência Provisória. A ECT seria transformada em sociedade por ações, de
capital totalmente aberto, enquanto o mercado de serviço postal seria
completamente aberto para concorrentes nacionais e estrangeiros.
A
estrutura atual dos Correios não é adequada e todos os relatórios —
governamentais ou não — têm apontado nesse sentido. Mera reformulação formal
não bastará, conforme magistério dos autores liberais aqui citados. A livre
concorrência é determinante para a soberania dos consumidores, que poderão
optar pelo prestador de serviço que melhor lhes agrade. Os prestadores de
serviço e a própria ECT deverão se manter em estado de alerta, buscando sempre
soluções inovadoras e atualização constante, para que não percam mercado para
prestadores mais eficientes.
A
liberdade é a genitora das soluções e a seleção dos eficientes e produtivos.
Que a presente proposta seja útil para progresso de nosso país e fomente o
repensar a respeito da estrutura de privilégio atual.
________________________
Leia também:
Correios: um modelo de
privatização completa via leilão
A urgente necessidade de se desestatizar os Correios
[1] A
jurisprudência e doutrina jurídica fazem menção à atividade econômica em
sentido amplo, que compreenderia o serviço público e a atividade econômica em
sentido estrito. O serviço postal estaria enquadrado como serviço público, ao
passo que o monopólio seria inerente à atividade econômica em sentido estrito
(STF, ADPF 46/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 15.6.2005). As atividades destinadas
ao monopólio estatal estão previstas no art. 177, da Constituição Federal,
entre as quais se inclui a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás
natural, a refinação de petróleo, entre outros
[2] Na
Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 46, o STF deu
interpretação conforme a Constituição para o art. 42, da Lei 6.538/78, que
definia como crime "coletar, transportar, transmitir ou distribuir, sem
observância das condições legais, objetos de qualquer natureza sujeitos ao
monopólio da União". O privilégio estaria restrito a atividades como
recebimento, transporte e entrega, no território nacional, e a expedição, para
o exterior, de carta e cartão-postal e de correspondência agrupada, bem como de
fabricação, emissão de selos e de outras fórmulas de franqueamento postal (art.
9º, da referida norma legal).