quarta-feira, 27 jun 2018
Durante as últimas semanas, o mundo foi bombardeado
por notícias
de como o governo americano estava lidando com imigrantes estrangeiros que
cruzavam ilegalmente as fronteiras do sul do país. Os pais eram imediatamente
detidos e as crianças eram mandadas para abrigos. As cenas de crianças sendo
separadas de seus pais pelo governo eram realmente tristes.
De início, evitei ao máximo me submeter a este circo
midiático, mas, na última semana, fiquei bastante concentrado no assunto.
Descrevi tudo isso como um circo por causa da
histeria envolvida. Todos, desde a ala fanática por Trump até os
ultra-progressistas politicamente corretos, passando pelos libertários e até
mesmo a primeira-dama Melania Trump, embarcaram com furor nesta montanha-russa
emotiva. O evento está sempre nas primeiras páginas dos jornais e ocupa
praticamente toda a duração dos programas de rádio e TV. Até os jornalistas da
burocrática estação de rádio NPR, de maneira
inédita, demonstraram audíveis sinais de alguma emoção.
No entanto, após uma semana acompanhando atentamente,
embora relutantemente, os eventos, eis o que constatei: sem exceção, não houve
absolutamente nenhuma cobertura sobre o motivo de estas pessoas da América
Central estarem arriscando suas vidas para fazer esta jornada extremamente
perigosa.
Elas abandonam tudo em seus países e arriscam suas vidas
e as de suas famílias em uma travessia arriscada para tentar entrar em um país
onde irão enfrentar um governo hostil e no qual nem sequer falam ou compreendem
o idioma local.
Mais ainda: ao passo que mexicanos vêm cruzando as
fronteiras desde que os EUA anexaram
o Texas em 1845 e roubaram a metade norte do
México em 1848, a imigração para os EUA de pessoas da América Central é um fenômeno relativamente novo.
Se ao menos soubéssemos o que realmente está
causando este recente e extremamente arriscado fenômeno imigratório, seria mais
fácil tentar interrompê-lo e acabar
com toda a histeria. No entanto, a mídia não parece estar interessada em
descobrir as causas deste efeito. Não
é possível que ela não tenha inteligência suficiente para reconhecer que
efeitos possuem causas.
A
violência na América Central
Honduras, Guatemala e El Salvador são os principais países
de origem destes imigrantes. E qual a situação por lá?
O Alto Comissariado das Nações Unidas para os
Refugiados (Acnur) divulgou,
ainda em maio, um alerta sobre o aumento do número de pessoas que estão fugindo
da violência e da perseguição exatamente em Honduras, Guatemala e El Salvador. A
Acnur registrou mais de 294.000 pedidos de asilo e refúgio procedentes destes
países no final de 2017, cifra 58% superior ao ano anterior e 16 vezes maior do
que em 2011.
Os principais motivos relatados para o pedido de
asilo são o aliciamento de crianças e adolescentes para o tráfico de drogas e as
ameaças de morte por traficantes.
Atualmente, El Salvador, Guatemala e Honduras estão entre
os países
mais violentos do mundo. Além de terem alcançado índices de violência e
criminalidade que estão entre os mais altos do mundo, sua taxa de homicídios supera
a de vários países em guerra. Dos países que não estão em guerra, El Salvador se
tornou o campeão mundial da violência em 2015.
O que se sabe é que o avanço do crime organizado
relacionado ao narcotráfico, aliado aos altos índices de pobreza que afetam a
grande maioria da população, transformaram estes países em corredores do
tráfico de drogas para os EUA. Em muitos casos, as próprias instituições
governamentais estão contaminadas pelos cartéis da droga e pelos grupos
criminosos. Segundo William Brownfield, que
foi secretário-adjunto de Estado para Assuntos Internacional de Narcóticos, traficantes
e gangues criminosas destes três países facilitam o fluxo de até 95% de toda a
cocaína que chega ao território norte-americano. O departamento de Estado dos
EUA assegura que mais de 70% desta quantidade transita por Honduras.
Portanto, temos que a causa direta desta migração é
a violência em seus países natais. O nível de violência nestes países da
América Central aumentou dramaticamente.
Recentemente fiz uma viagem à Costa Rica, que sempre
foi considerado um país tranquilo e pitoresco. Os nativos me disseram que a violência
e assassinatos já se tornaram os principais problemas da nação. Em 2017, o país
bateu
seu recorde de homicídios, com a taxa chegando a 12,1 homicídios por 100
mil habitantes. Isso é maior que Uganda! (Nos EUA, em comparação, a taxa é de
4,9 por 100 mil.) Segundo as autoridades da Costa Rica, nada menos que 73%
destes homicídios está relacionado
ao narcotráfico e à disputa entre gangues.
E, dentre os 20 países com as maiores taxas de homicídios
do mundo, 16
estão ao sul da fronteira dos EUA, ou seja, na América Central, no Caribe e
na América do Sul.
Estes fatos deveriam, no mínimo, nos fornecer uma
forte indicação das causas do atual êxodo dos países da América Central.
A
guerra norte-americana às drogas
Como relatado acima, um grande fator em jogo é a política
de Guerra às Drogas implantada pelo próprio governo americano.
A produção de drogas ilegais ocorre majoritariamente,
e em grandes quantidades, na América Central e na América do Sul. E como o governo
americano utilizou vastos recursos financeiros e militares para interromper o
transporte dessas drogas via barcos e pequenos aviões, os traficantes passaram então
a utilizar as selvas, florestas e desertos da América Central como o principal
escoadouro para os EUA.
Adicionalmente, os cartéis e os barões da droga passaram
a utilizar maciçamente os pequenos países da América Central — cuja polícia é
muito mal armada — como sua base operacional e também para armazenar suas
drogas, armas e, principalmente, seu dinheiro.
Os cartéis utilizam a violência e a ameaça de violência
para intimidar a população local e os governos. Sua operação não requer o
controle de toda a extensão territorial de cada país, mas somente de uma
pequena faixa que sirva de escoamento. Como resultado, a violência se tornou
extremamente concentrada naquelas áreas sobre as quais os cartéis querem ter o domínio
completo. Nestes locais, a vida para quem não está submetido aos cartéis é intolerável.
Esta, aliás, foi a mesma razão para a comoção ocorrida
há alguns anos sobre crianças
desacompanhadas fazendo arriscadas jornadas desde suas casas na América Central
até os EUA. E por conta própria.
Logo, se você se importa com as crianças imigrantes
sendo detidas na fronteira dos EUA e enviadas para abrigos, então você deveria igualmente
se importar com seus assustados e aterrorizados parentes e amigos em seus países
natais.
Alguns acreditam que construir um muro na fronteira
com o México irá acabar com a imigração ilegal. Não
irá. Outros acreditam que a imigração é algo inerentemente maléfico. Não é.
A única maneira de acabar com esse problema é
acabando com a insensata Guerra às Drogas — a qual subsidia e pressiona os
governos da América Central e da América do Sul a manter a proibição. E isso,
por sua vez, apenas enriquece os cartéis.
Eis o que é empiricamente comprovado: violência anda
de mãos dadas com os mercados proibidos pelo estado. A repressão estatal
elimina os produtores comuns, fazendo os preços dispararem e aumentando
enormemente as margens de lucro de quem se arriscar a operar ali. A combinação entre
mercado proibido e enorme lucro potencial atrai pessoas com habilidades
criminosas, fortemente armadas, e dispostas a tudo para ampliar sua fatia de
mercado.
Para compensar o alto risco de se operar em um
mercado proibido, os retornos monetários têm de ser astronômicos. Por
isso, o benefício de se ganhar uma fatia de mercado no comércio de drogas é
enorme. Cada novo cliente pode significar um lucro extra de milhares de
dólares por mês. Cada método que facilite o transporte e reduza custos aumenta
enormemente as margens de lucro.
No final, a indústria proibida passa a ser dominada
por quadrilhas fortemente armadas, e a inevitável consequência são os conflitos
violentos entre os concorrentes e a busca por expansão territorial, o que
envolve aterrorizar as pessoas inocentes que habitem esses territórios. Assim,
a violência vai se alastrando por toda a sociedade dominada.
E aí o ciclo se perpetua: leis antidrogas fazem com
que sociopatas possam ganhar milhões por ano vendendo drogas. E esse dinheiro será
usado para adquirir armas poderosas, contratar capangas e assassinos
profissionais, subornar policiais e, com isso, ampliar ainda mais seus domínios
e poderes.
Acabar com a Guerra às Drogas não só acabaria com as
astronômicas margens de lucro dos barões das drogas, como também faria muito
para reduzir as altas taxas de violência e homicídio. A vida na América Central
poderia então retornar a algum estado de normalidade. Consequentemente, haveria
também um grande aumento no investimento estrangeiro nestes países, o que iria
criar empregos e riqueza, duas coisas extremamente necessárias nestas nações.
Com efeito, isso estimularia uma migração dos EUA para os países da América
Central, criando ainda mais empregos nos setores de serviço e da construção
civil.
Até lá, apenas confie em seus instintos de mercado e
não confie nem no processo político e nem na mídia para fornecer respostas às
suas perguntas.