Recentemente, o governo da Rússia anunciou
que vai lançar o CryptoRublo, isto é, o rublo em forma de criptomoeda. Isso ocorreu
apenas uma semana apos Vladimir Putin ter criticado
duramente o
Bitcoin e outras criptomoedas privadas.
Ao anunciar a medida, o ministro das comunicações
Nikolay Nikiforov reconheceu que seu objetivo, ao menos em parte, é sair na
frente de outros governos:
Com
convicção afirmo que temos de emitir o CryptoRublo por um motivo muito simples:
se não fizermos isso agora, daqui a uns dois meses nossos vizinhos da União Econômica Eurasiática o farão.
Ao agir assim, a Rússia repete uma medida já
anunciada por outro país que também se tornou hostil às criptomoedas privadas:
a China. Em julho passado, o Banco Popular da China tornou-se
o primeiro Banco Central do mundo a anunciar que desenvolveu um protótipo
criptomonetário por meio do qual planeja oferecer moedas digitais em paralelo ao
tradicional renminbi.
Com efeito, não é nada surpreendente que as
primeiras incursões no campo das criptomoedas estatais provenham de dois países
que possuem um amplo histórico de restrição a uma internet livre e aberta. Ao
passo que o Bitcoin se originou como uma maneira de driblar tanto o controle estatal
da oferta monetária quanto o sistema bancário convencional (regulado pelo
governo), a realidade atual é que cada vez mais os governos estão vendo essa
tecnologia como uma forma de aumentar seu controle sobre a economia.
Em outras ocasiões, o Banco
Central da Inglaterra, o Banco
Central do Canadá e alguns outros bancos centrais também já expressaram a
intenção de emitir suas próprias moedas digitais.
Para não ficar para trás, o FMI — o qual, segundo
analistas como Jim Rickards, está se preparando para, com sua moeda,
substituir o dólar americano como a próxima moeda internacional de reserva e de
transações — recentemente insinuou que já planeja emitir sua própria
criptomoeda no futuro. Enquanto alguns defensores de criptomoedas ingenuamente
celebraram os recentes comentários
elogiosos da diretora-gerente do FMI Christine Lagarde sobre o Bitcoin e o
grande futuro das moedas digitais, tais elogios simplesmente refletem a
crescente conscientização dos tecnocratas de que o sistema financeiro está
mudando e que eles devem estar preparados para isso.
Considerando que os Bancos Centrais de todo o mundo
continuam intensificando
sua "guerra ao dinheiro
em espécie", não é surpreendente ver Lagarde e outros se adaptarem ao conceito tão
rapidamente.
Com efeito, são dois os principais motivos dessa incursão
estatal nas criptomoedas.
1.
Abolir o dinheiro em espécie
Governos odeiam o dinheiro em espécie. Embora seja a
forma original de dinheiro, o fato é que o dinheiro em espécie simplesmente não
tem como ser rastreado pelo governo. O governo não tem como saber a localização
de cada cédula, quem está em posse dela, ou mesmo se ela ainda existe. Isso faz
com que o dinheiro em espécie seja o meio de pagamento preferível para tráfico
de drogas, contrabando, evasão de impostos, lavagem de dinheiro e financiamento
de atividades terroristas.
O mundialmente famoso economista Kenneth Rogoff,
professor de Harvard e ex-membro do FMI, publicou recentemente um livro
pavorosamente intitulado The
Curse of Cash (A maldição do dinheiro vivo). O livro
vem colhendo elogios efusivos de gente como Ben Bernanke, Alan Blinder e
Michael Woodford. Em seu livro, Rogoff
simplesmente defende a abolição de todo e qualquer dinheiro em espécie, e
não apenas de cédulas de alto valor nominal. Embora admita que usar
dinheiro vivo tenha algumas vantagens, Rogoff alega exatamente o que foi dito
acima: segundo ele, o grosso do dinheiro vivo é utilizado para facilitar a
evasão de impostos e para financiar atividades ilegais, como tráfico de drogas
e de seres humanos, bem como o terrorismo.
Rogoff também argumenta que uma economia sem
dinheiro em espécie deixaria a política monetária mais eficiente, impedindo que
as pessoas retirassem dinheiro dos bancos sempre que os banqueiros centrais —
aconselhados por economistas sagazes como Rogoff — decidissem que a taxa de
juros ótima para uma economia tem de ser negativa.
(Essa, aliás, é a razão de o Banco Central Europeu
ter parado de emitir as cédulas de 500 euros. Nos EUA, o ex-secretário do
Tesouro Lawrence Summers está agitando pela abolição de cédula de 100 dólares).
Em uma sociedade em que uma moeda digital (criptomoeda)
emitida por um Banco Central seja plenamente adotada, o dinheiro físico estará
efetivamente abolido e o governo poderá monitorar toda e qualquer transação
financeira de cada um dos cidadãos, podendo inclusive invalidar aquelas que ele
considerar ilegais.
2.
Fazer um ajuste mais fino da política monetária
Bancos Centrais têm toda a confiança de que podem
regular e controlar a economia por meio de suas políticas monetárias. Só que
nem sempre elas funcionam como inicialmente planejado.
Por exemplo, eles aumentam a base monetária (isto é,
injetam dinheiro no sistema bancário) para estimular a economia; no entanto, nem sempre os bancos
emprestam esse dinheiro. E, quando emprestam, nem sempre é para quem os
burocratas queriam. Aquele dinheiro que deveria ir para a economia real
(comércio, serviços e investimentos físicos) normalmente é direcionado para o
mercado financeiro para fins especulativos.
Já as moedas digitais permitem um total controle
sobre o que poderá ser feito com este dinheiro. Como elas são programáveis, o
governo poderá até mesmo controlar exatamente como e com quem este dinheiro
será gasto.
Exemplo: suponha que o governo planeja subsidiar
alguns agricultores que cultivam milho. Para apoiar este setor da agricultura, o
governo pode adicionar diretamente uma quantia específica de dinheiro digital nas
carteiras desses agricultores — por exemplo, $ 100 milhões — e programar esse
dinheiro para ser enviado a determinados vendedores de fertilizantes em um
determinado momento, permitindo que cada agricultor só possa gastar no máximo $
10 milhões por ano. Assim, o governo consegue garantir que os agricultores não gastem
o subsídio em outras coisas e que o dinheiro não flua para outros setores, como
o mercado de ações ou o mercado imobiliário.
Ainda que este tipo de política monetária esteja
fadado ao fracasso, o fato é que, da perspectiva do governo, a moeda digital
emitida por seu Banco Central é uma ferramenta mais eficaz. Para o governo, um
Banco Central atuando com sua própria criptomoeda permitirá um planejamento e
um gerenciamento mais eficazes da economia.
As
exchanges (casas de câmbio) já estão
começando a ser reguladas
Essa grande utilidade, para o governo, das
criptomoedas estatais é a razão por que devemos esperar mais escrutínio e
regulação sobre as casas de câmbio, hoje usadas exclusivamente pelas
criptomoedas privadas.
Há relatos de que o governo chinês, que fechou algumas
casas de câmbio privadas em setembro, está pretendendo reabri-las
sob uma maior regulação. A Rússia também está fazendo o mesmo: em vez de
apenas proibir as casas de câmbio privadas, o governo está
aumentando a regulação sobre elas.
Essa aparente mudança de postura pode também ser
explicada pelo fato de que a proibição das casas de câmbio imposta pelo governo
chinês não só não funcionou, como também resultou em um acentuado
aumento na utilização da plataformas peer-to-peer em resposta a essa
repressão do governo.
Assim como o governo prefere contas bancárias estritamente
reguladas em vez de dinheiro em espécie, burocratas estatais também reconhecem
o benefício de ter casas de câmbio reguladas em vez de proibidas. Com efeito,
várias casas de câmbio já se mostraram dispostas a coletar e entregar ao
governo informações
confidenciais de seus clientes em troca de licenças operacionais emitidas
pelo estado. Assim
como bancos, essas casas de câmbio estão sendo aliciadas como futuras coletoras de impostos para o governo.
Calmaria antes da tempestade?
Embora esta perda de privacidade possa indignar os
entusiastas mais antigos do Bitcoin, é compreensível que muitos usuários atuais
estejam satisfeitos com esses acontecimentos.
Afinal, ao passo que grande parte do apelo inicial
do Bitcoin era exatamente o fato de ser uma moeda digital não rastreada pelo
estado, uma das principais razões para o seu astronômico aumento de valor é o
seu crescente apelo
entre pessoas comuns, as quais procuram a moeda não para fugir do estado,
mas sim como um investimento. Para essas pessoas, a regulação estatal é
bem-vinda, pois elas acreditam que trará maior segurança.
Com efeito, não só ajudou a aumentar seu atrativo
como um investimento, como também ampliou seu uso diário. O Japão, por exemplo,
viu um grande aumento da aceitação
do Bitcoin por varejistas tão logo um firme quadro regulatório foi implantado
pelo governo.
É de imaginar se essa harmonia entre governo e
consumidores continuará assim que as criptomoedas controladas pelo estado
realmente se estabelecerem.
Afinal, já vimos o governo se valer dos "suspeitos
de sempre" — terroristas, traficantes, sequestradores e outros criminosos —
como justificativa para aumentar seu controle. O uso crescente de Bitcoin por hackers
e extorsionários fornece uma desculpa mais moderna. Com efeito, não é tão
difícil prever um cenário no qual os governos resolvem confiscar e estatizar
todas as casas de câmbio reguladas por ele após algum ataque terrorista ou coisa
parecida. Ou, indo mais além, um cenário em que os governos ordenam legalmente
a substituição de um ativo privado (Bitcoin) para a criptomoeda emitida pelo
governo.
O exemplo da China demonstra que a natureza
inerentemente descentralizada do Bitcoin provavelmente sempre assegurará um
certo grau de funcionalidade fora do alcance do governo. Ao mesmo tempo, no
entanto, o aumento do apelo popular da criptomoeda também significa um aumento
da dependência de serviços de terceiros, o que pode levar a menos pessoas deixando
sua moeda em carteiras privadas. E, dado que as casas de câmbio mais populares —
portanto, mais lucrativas — têm um incentivo para manter um bom relacionamento
com as autoridades legais, é fácil ver como isso pode cair como uma luva para
os reguladores estatais.
Atualmente, entre os usuários das criptomoedas
privadas, está havendo um intenso
e furioso debate: de um lado, aqueles que priorizam a "eficiência" e que
querem tornar o Bitcoin uma moeda mais convencional e acessível às pessoas; de
outro, aqueles que querem manter a natureza do Bitcoin como uma moeda
descentralizada e fora de qualquer alcance dos governos.
Com alguma sorte, a essência austro-libertária
original do Bitcoin prevalecerá, e seus usuários mais antigos terão mais
influência e não aceitarão que a moeda se submeta a esta tentativa de controle
estatal.