O temor é recorrente e os argumentos são sempre os
mesmos: em uma sociedade bastante desigual, em que poucos indivíduos são extremamente
ricos, estes se tornarão capazes de controlar a ação do governo e de conseguir privilégios
à custa do resto da sociedade.
Por meio do lobby, das propinas, das doações de
campanha e das trocas de favores junto a políticos e burocratas, estes
super-ricos conseguirão obter privilégios do governo — como a aprovação de
leis que lhes são favoráveis, subsídios, reservas de mercado, e crédito barato junto
a bancos estatais — e, consequentemente, irão se beneficiar à custa dos
concorrentes e da população como um todo, aumentando ainda mais as
desigualdades de renda e de poder.
Isso é o que a literatura econômica chama de rent seeking: a
captura das instituições regulatórias, de políticos e de burocratas com o objetivo
de obter privilégios em prol de grupos interesses.
Tais privilégios, além de criar
reservas de mercado, distorcer a concorrência, dificultar a entrada de novos
empreendedores e diminuir as opções dos consumidores, também afetam a distribuição
dos poderes de uma sociedade, fazendo com que os mais ricos se tornem ainda
mais poderosos e se distanciem ainda mais dos mais pobres.
Por esta ótica, a acumulação de riqueza pode
constituir um risco para a sociedade: com efeito, a captura do poder político por
parte de uma oligarquia privada que suborna os governantes corruptos não só é
um fenômeno que se observa com regularidade histórica em qualquer comunidade
humana, como também é inerente à natureza do homem, sempre inclinada ao abuso
do poder e à exploração de seus congêneres.
Para combater tudo isso, alguns já chegaram a propor
uma fixação de limites para a acumulação patrimonial: ou seja, propor que
exista um limite máximo de capital que uma pessoa possa legitimamente acumular.
Tão logo o indivíduo atingisse este valor pré-determinado, o estado passaria a
confiscar toda a sua riqueza extra que viesse a ser adquirida a partir daí.
Igualmente, outras pessoas simplesmente dizem que,
já que os ricos capturam o estado e o moldam a seu favor, então a solução seria
aumentar ainda mais o poder do estado
para que este seja ainda mais poderoso que os ricos e não se curve a eles.
Falta
de lógica
Obviamente, trata-se do ápice da ingenuidade dizer
que a solução para o risco da captura do estado por parte das oligarquias econômicas
é conceder poderes ainda mais extraordinários a políticos e burocratas.
A simples existência de mandatários tão poderosos ao
ponto de poder expropriar maciça e arbitrariamente a propriedade dos cidadãos constitui
um risco ainda mais temível do que a simples existência daquela oligarquia econômica.
Afinal, por que temer unicamente o abuso de poder "dos ricos", mas não o abuso
de poder dos governantes onipotentes?
Se o objetivo é contrabalançar o perigo do
surgimento de uma classe de multimilionários que manejam o estado em interesse próprio,
o que deve ser feito não é multiplicar
o poder deste estado ao ponto de que este seja capaz de destruir a cada um
destes multimilionários. O que deve ser feito é minimizar a margem de atuação legítima do estado sobre a sociedade.
Quem teme que os ricos passem a controlar o estado
está, por definição, reconhecendo que o estado se tornou suficientemente
poderoso para atemorizar a todos os cidadãos. Logo, a solução não é dar ainda
mais poderes a esta instituição maléfica, mas sim lhe retirar o máximo possível.
Um poder político estritamente limitado é um poder político
que a ninguém interessa controlar, pois nada poderá conseguir por meio dele.
A autoridade política
Para entender de onde vem o desejo de controlar o
estado, é necessário antes entender por que a maioria das pessoas aceita e
legitima que o estado faça coisas que, caso fossem feitas por agentes privados,
seriam vistas com horror.
Por exemplo, a maioria das pessoas
vê com naturalidade que o estado restrinja — por meio da burocracia, da alta
carga tributária e das variadas regulamentações — a liberdade de
empreendimento das pessoas, mas consideraria uma aberração caso um grupo
qualquer, de maneira idêntica, também coibisse outras pessoas de empreender.
Por que então toleramos que o estado incorra em
atividades que condenaríamos de imediato caso fossem executadas por indivíduos?
Porque, como bem explicou o filósofo Michael Huemer
no livro The
Problem of Political Authority, o estado usufrui autoridade
política. Autoridade política seria a legitimidade política socialmente
reconhecida ao estado para impor leis e usar a coerção sobre a sociedade
(sociedade esta que, por sua vez, tem a obrigação política de
obedecê-lo). Segundo Huemer, embora a autoridade política seja limitada
territorialmente (um estado possui autoridade política somente dentro de seu
território), ela é total dentro deste território (todos, ou quase todos, os
cidadãos são obrigados a obedecer ao estado).
Adicionalmente, o estado teria a legitimidade para
legislar sobre diversas questões e o conteúdo dessas legislações seria quase
ilimitado. Por fim, o estado é apenas um exercício de supremacia, pois,
dentro deste território, não há nada que esteja hierarquicamente acima dele.
Neste sentido, podemos definir o estado como aquele
ente ao qual a imensa maioria dos cidadãos concede e reconhece autoridade
política. O estado, portanto, pode fazer o que faz porque o conjunto da
sociedade aceita lhe conceder um vasto poder discricionário — poder este que a
sociedade concede somente ao estado.
Por outro lado, ao menos no Ocidente, os lobbies, os
grupos de interesse e os empresários carecem de autoridade política. Se a
possuíssem, poderiam atuar à margem do estado, e consequentemente não teriam de
exercer essa onerosa intermediação lobista sobre o estado. Se possuíssem
autoridade política, poderiam por conta própria fechar mercados, criar
monopólios, impor tarifas de importação, e conceder subsídios para si próprios.
Obviamente, por carecerem de autoridade política
para exercerem, sozinhos, todos estes despautérios, a sociedade jamais
aceitaria que nenhuma empresa ou associação de pessoas se arrogassem tais
poderes.
E, exatamente por carecerem de autoridade política
própria, é que os ricos e poderosos encontram apenas uma única via para
exercê-la em proveito próprio: valendo-se da autoridade política que possui o
estado.
E a isso se dedicam: a exercer pressão sobre os
mandatários, a quem os cidadãos reconhecem autoridade política.
Em outras palavras, os políticos — detentores de
poderes que a sociedade concede apenas a eles — se aproveitam de sua posição privilegiada
e terceirizam os direitos de uso de sua autoridade política no mercado negro
dos lobbies e das propinas (naturalmente dominado pelos ricos). Aquele grupo de
interesse ou aquele empresário mais pujante receberá o favor do político
correspondente.
A estratégia dos políticos, portanto, consiste em
"patrimonializar" a autoridade política que a população lhe concedeu.
O político capitaliza essa sua autoridade e a arrenda a quem oferecer mais.
A
solução
Quanto maior e mais poderoso um governo, quanto mais
leis e regulamentações ele tem o poder de criar e impor, mais os multimilionários
poderosos e com boas conexões políticas irão se aglomerar em torno dele para
obter privilégios e se beneficiar à custa dos concorrentes e da população como
um todo.
Um estado grande e poderoso sempre acaba se convertendo
em um instrumento de redistribuição de riqueza: a riqueza é confiscada das
maiorias desorganizadas (os pagadores de impostos) e direcionada para as
minorias organizadas (lobbies, grupos de interesse e grandes empresários com
conexões políticas).
A crescente concentração de poder nas mãos do estado
faz com que este se converta em um instrumento muito apetitoso para todos
aqueles que saibam como manuseá-lo para seu benefício privado.
Multimilionários fazem lobby e conseguem extrair privilégios
do estado exatamente porque o estado detém um grande poder regulatório e
decisório. Logo, aumentar ainda mais o poder deste estado fará com que seja
ainda mais lucrativo capturá-lo.
A única maneira lógica de combater essa distorção é reduzir
o estado a uma mínima expressão, limitando enormemente (ou até mesmo eliminar)
a autoridade política que socialmente concedemos e reconhecemos ao estado.
Se o estado perde seu poder de conceder privilégios àqueles
grupos que o capturam, estes não irão adquirir autoridade política para obter
privilégios à custa da sociedade.
Mas, para que isso seja possível, é necessária uma
longa e trabalhosa mudança na mentalidade da população.
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