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Economia

Defendendo o Bitcoin em Mordor

Membro do IMB vai a Brasília se posicionar contra a regulação estatal da moeda digital

13/07/2017

Defendendo o Bitcoin em Mordor

Membro do IMB vai a Brasília se posicionar contra a regulação estatal da moeda digital

O artigo abaixo é uma adaptação do discurso proferido em Brasília, no dia 05 de julho de 2017, por ocasião da Audiência Pública da Comissão Especial de Moedas Virtuais, a qual estuda a regulação de bitcoins e moedas digitais conforme proposto pelo PL 2303/15

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Quando a invenção do bitcoin foi anunciada e publicada em uma monografia, em outubro de 2008, descrevendo um sistema de dinheiro eletrônico peer-to-peer, poucos deram atenção. Nem mesmo os especialistas em criptografia acreditavam que o projeto tinha alguma chance de sucesso. A ideia não era novidade; alguns já haviam tentado desenvolver uma moeda para a era da internet, mas nenhuma iniciativa havia conseguido decolar.

O objetivo era conceber um dinheiro puramente eletrônico, digitalizando as propriedades do dinheiro em espécie (o "cash", em inglês). Mais especificamente, o objetivo era criar uma moeda digital que apresentasse as mesmas características do dinheiro vivo, a saber: ser um ativo ao portador; possibilitar transações sem intermediários e irreversíveis; e ter ampla privacidade.

Ao utilizar os dígitos eletrônicos da nossa moeda, deixamos rastros e necessitamos de intermediários (o sistema bancário). Com o bitcoin, isso não ocorre. Ele funciona exatamente como o dinheiro em espécie. Mas eletronicamente.

Por isso, o bitcoin é uma invenção revolucionária da ciência da computação. Em sua essência, contudo, ele nada mais é do que um protocolo, um conjunto de regras pelas quais se comunicam computadores conectados à rede peer-to-peer do sistema. Não há uma empresa por trás da rede e ninguém é dono do protocolo, assim como nenhuma entidade é proprietária dos protocolos de comunicação da internet, TCP/IP.

Igualmente, não há um servidor central monitorando o cumprimento das normas. Primeiro, porque estas incentivam o comportamento honesto; segundo, porque todos são monitorados por todos. A confiança e a segurança são alcançadas de forma descentralizada, graças ao uso engenhoso da criptografia moderna, e sem que seja necessário conhecer a identidade dos participantes.

O feito extraordinário deste protocolo -- e sem precedentes na era da computação -- foi recriar a escassez do mundo físico no mundo digital. Um bitcoin é um bem digital que não pode ser reproduzido ou falsificado; sua titularidade de propriedade está devidamente registrada no blockchain -- o grande livro-contábil da rede, o qual é único, público e replicado por todos os participantes do sistema, que o mantêm constantemente atualizado e em sincronia à medida que novas transações vão ocorrendo.

Liberdade, privacidade e responsabilidade

Até a invenção do bitcoin, segurança e descentralização pareciam termos antagônicos. A nossa moeda corrente, as nossas instituições financeiras e sistemas de pagamentos -- todos dependem da confiança em uma autoridade centralizada, encarregada pela segurança e prevenção de fraudes, e responsável pelo exame minucioso de quem pode ou não ter acesso.

Já o bitcoin, assim como outras moedas digitais similares, inverte o modelo de segurança de sistemas tradicionais -- fechado e centralizado -- para um aberto e descentralizado, em que a confiança é atingida pela força computacional.

Além de ser uma quebra de paradigma, o bitcoin também requer uma mudança cultural; simplesmente não estamos acostumados a essa forma de organização. Por isso, quando expostas pela primeira vez a essa nova realidade, as pessoas logo se perguntam "Mas quem controla? Quem é o responsável?".

Apesar de prover certo grau de privacidade, a rede é, paradoxalmente, transparente, pública e aberta. Os próprios códigos do sistema podem ser inspecionados por qualquer um; trata-se de um software de código-fonte aberto.

Por conta de todos esses atributos, a rede como um todo e, especificamente, o blockchain (o livro contábil digital) jamais foram violados em mais de oito anos de operação ininterrupta. Isso significa que não há registros de desvios de fundos, transações inautênticas ou qualquer tipo de adulteração da rede.

Neste modelo, porém, é delegada ao usuário a responsabilidade tanto de custódia quanto de transferência de saldos. As implicações deste arranjo é que a guarda das senhas é de inteira obrigação do titular, não sendo possível recorrer a nenhum terceiro em caso de extravio ou mau uso. Por ser um dinheiro digital, os cuidados necessários com o papel-moeda tradicional são igualmente válidos ao bitcoin, mas com uma crucial diferença: é possível realizar quantos backups das senhas forem desejados.

Por ser uma plataforma tecnológica aberta, a possibilidade de inovar sem autorização ou licença prévia assemelha-se à da internet, que nos últimos 20 anos propiciou um ritmo alucinante de inovações, resultando em grande crescimento econômico, valor agregado aos consumidores, oportunidades de negócios e empregos.

Ao contrário do senso comum, o pseudo-anonimato dos usuários não decorre de nenhuma tentativa deliberada de ocultação ou evasão; esse atributo é, em realidade, parte chave e inerente à segurança e à inviolabilidade da rede.

Por definição e desenho do protocolo, a proteção ao consumidor é um atributo intrínseco à rede, uma vez que as transações não revelam informações sensíveis das partes e não dependem de intermediários, eliminando, dessa forma, o risco de vazamento de dados pessoais, números de cartões de crédito, e qualquer outra informação financeira sujeita ao uso criminoso por atores mal intencionados.

Essa forma de transacionar é diametralmente oposta aos sistemas financeiros tradicionais, sejam bancos, sejam empresas de cartões de crédito, em que o usuário deve fornecer diversas informações pessoais, independente do valor da compra, elevando sobremaneira o risco de furtos de identidade e clonagem de dados financeiros.

Regulação, confiança, globalização e internet

Há uma percepção errônea de que protocolos como o do bitcoin carecem de regulação e por isso impõem sérios riscos aos seus usuários. Em realidade, a rede é extremamente auto-regulada, tanto pelos algoritmos criptográficos quanto pela supervisão constante dos participantes.Qualquer tentativa de fraude é rapidamente detectada e frustrada. Qualquer tentativa de burlar o protocolo, como a regra de criação de bitcoins, é inviabilizada pela absoluta transparência da rede.

Isso não quer dizer que os usuários estejam livres de todo e qualquer risco. Vejo três grandes pontos de atenção decorrente do uso dessa tecnologia:

1) Risco de sistema: alguma falha do software, algum bug que possa impactar negativamente a confiança. Embora esse risco seja mitigado por ser um software livre, aberto e que está sendo constantemente auditado e aprimorado.

2) Risco de mercado: àqueles que usam o bitcoin como meio para transferência de valor ou investimento, não há nenhuma garantia sobre o preço de um bitcoin. Ele é definido livremente no mercado.

3) Risco de usabilidade: não faltam notícias de usuários que perderam bitcoins por não fazer backups das senhas ou por puro esquecimento destas.

A maior parte do que foi dito até aqui faz referência majoritariamente ao uso do protocolo como sistema de pagamentos, para transferência de valores ou para puro investimento. Contudo, e aqui jaz a razão de tanto fascínio e entusiasmo por essa tecnologia que inspira empreendedores e idealistas, os usos e aplicações possíveis vão muito além do que um mero dinheiro digital.

A revista britânica The Economist definiu como o "Protocolo da Confiança". E ela tem razão, pois o blockchain, enquanto protocolo, distribui a confiança entre todos os participantes da rede, removendo pontos centrais ou únicos de falha, tornando o sistema incrivelmente robusto e seguro.

Hoje, bitcoin e outras moedas criptográficas já são consideradas apenas uma ramificação -- ou um simples uso -- de algo muito maior: a tecnologia do blockchain.

O estágio em que nos encontramos com essa tecnologia é semelhante ao do início da era comercial da internet na metade dos anos 1990. À época, internet era sinônimo de correio eletrônico, vírus e nada mais. Um ambiente obscuro e suspeito, o qual nenhuma empresa idônea planejava acessar.

Mas, com o tempo, novos usos, novas aplicações, e tudo a um ritmo frenético de inovação, acabaram criando uma rede aberta de comunicação mundial, a partir da qual as mais diversas empresas e modelos de negócios surgiram.

Hoje, a economia global depende da internet. Aliás, já é inimaginável a economia moderna na ausência dessa rede.

As novas aplicações do blockchain, assim como a internet lá atrás, estão recém sendo descobertas, criadas e desenvolvidas, e o leque de usos possíveis aumenta a cada dia.

A Nasdaq, a bolsa de empresas de tecnologia dos Estados Unidos, está usando o blockchain para negociação e registro de ativos como ações.

O governo da Suécia está migrando parte dos registros de imóveis para o blockchain.

O governo japonês está buscando integrar o blockchain ao seu sistema de licitações online.

Na Europa, o porto da Antuérpia assim como o de Rotterdam estão com projetos pilotos para utilizar a tecnologia para otimizar a operação portuária e diminuir drasticamente a papelada, um dos grandes custos do transporte marítimo.

Muitas empresas com processos produtivos mais alongados estão registrando as etapas de produção no blockchain para o monitoramento e rastreabilidade de toda a cadeia de suprimentos.

Uma das principais firmas de auditoria e consultoria do mundo, a Deloitte, está desenvolvendo uma espécie de SmartID, ou identidade inteligente, em blockchain.

Na indústria do tabaco, empresas estão usando o registro em blockchain como forma de contornar o contrabando, provendo autenticidade de origem dos produtos.

No Brasil, temos uma bela startup, a OriginalMy, desenvolvendo inúmeras aplicações da tecnologia como: prova de autenticidade de documentos, prova de existência, comprovação de integridade de documentos, assinatura de contratos. É uma analogia à notarização, que se baseia em dispositivo em lei -- porém, digital e em blockchain.

E se falarmos em contratos inteligentes, ou SmartContracts, entramos em uma nova gama de aplicações, muitas bastante ambiciosas. Um exemplo é o OpenBazaar, um mercado completamente peer-to-peer (imaginem o Mercado Livre sem uma empresa por trás). Outro exemplo é a Arcade City, desenvolvida no blockchain do Ethereum, que é um aplicativo de carona também peer-to-peer criado para concorrer com a Uber (imaginem o Uber sem uma empresa por trás).

Enfim, esses são apenas alguns poucos exemplos das infindáveis aplicações do blockchain e uma prova da amplitude da diversidade de usuários (governos, ONGs, empresas e indivíduos).

Portanto, ao se buscar introduzir e adotar qualquer tipo de regulação, é imprescindível ter bem claro que estamos lidando com uma tecnologia aberta, inovadora e em constante processo de mutação -- não quanto à essência da tecnologia em si, mas com relação às mais variadas aplicações.

Recorro, novamente, ao caso emblemático da própria internet: foi fundamental permiti-la crescer e florescer. Tivéssemos tentado impor restrições artificiais lá atrás, provavelmente jamais teriam surgido muitas das inovações que hoje fazem parte do nosso dia-a-dia e que são ferramentas do cotidiano da economia.

Por fim, é preciso reconhecer que aplicar a regulação atual, estabelecida para o modelo de segurança centralizado, poderá ser não apenas inócua, como também contraproducente, ao enfraquecer ou até mesmo comprometer os mecanismos intrínsecos de segurança de redes descentralizadas.

Marco jurídico

Para que essa tecnologia possa crescer e se desenvolver, gerando empregos e oportunidades de negócios no Brasil, é preferível clareza legal a regulações que atravanquem ou impeçam empresas de operar em território nacional, sem trazer benefício algum aos consumidores.

Cito o exemplo recente e positivo do Japão, cujo governo aprovou legislação reconhecendo o pagamento com bitcoin uma atividade perfeitamente lícita. Isso não significa reconhecer o bitcoin como moeda, mas sim que o pagamento com essa tecnologia representa uma atividade plenamente legítima.

Ressalto, porém, que antes da lei, o uso de pagamento com a moeda digital já era lícito; apenas não havia um posicionamento estatal ratificando essa condição. Este simples esclarecimento reduz incertezas e promove um ambiente mais propício e tranquilo para os empreendedores inovarem com a tecnologia.

Trago também o exemplo da Austrália, que, com o intuito de atrair empresas de tecnologia aplicada às finanças, as chamadas FinTechs, revogou uma dupla taxação que havia sobre o uso do pagamento com bitcoin. A partir deste mês, imposto sobre valor agregado incide apenas na venda dos produtos, e não na compra de bitcoin por qualquer usuário, como ocorria antes.

Além de clareza legal, é recomendável fomentar a auto-regulação por meio, inclusive, da própria tecnologia. Há soluções que podem ser implantadas com simples programação, como, por exemplo, carteiras multisig (que requerem mais de uma assinatura) e escrow accounts (uma espécie de contas-caução).

Conclusão

Hoje, adotar uma regulação abrangente para "moedas digitais" é análogo a uma regulação abrangente para a internet de 1995 por causa do correio eletrônico. Internet é muito mais do que apenas a troca de mensagens em formato digital.

A tecnologia do blockchain é muito mais que apenas uma moeda digital.

A prudência recomenda dar tempo ao tempo. Sufocar essa grande invenção tecnológica ainda no berço somente privará a sociedade do enorme potencial que nem sequer podemos prever em sua plenitude.

Obrigado pela sua atenção.

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Sobre o autor

Fernando Ulrich

Fernando Ulrich é mestre em Economia da Escola Austríaca, com experiência mundial na indústria de elevadores e nos mercados financeiro e imobiliário brasileiros. é conselheiro do Instituto Mises Brasil, estudioso de teoria monetária.

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