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Filosofia

Quando foi que a inveja se tornou uma política pública oficial?

Aquele sentimento que já foi um “pecado capital” se tornou hoje o pilar de várias políticas oficiais

26/06/2017

Quando foi que a inveja se tornou uma política pública oficial?

Aquele sentimento que já foi um “pecado capital” se tornou hoje o pilar de várias políticas oficiais

Somos rápidos em reconhecer os malefícios do ódio racial e religioso. Suas consequências destruidoras são imediatamente visíveis. Curiosamente, quase nunca paramos para refletir sobre os efeitos insidiosos gerados pelo ódio à riqueza e ao sucesso alheio.

Pense na Venezuela. O que realmente impulsionou as políticas públicas da dupla Chávez/Maduro? O que estimulou suas políticas de confisco da propriedade privada dos mais ricos, de controle de preços, de encarceramento de comerciantes, de redistribuição de renda, e de estatizações de lojas, supermercados e hotéis (nada menos que 1.168 empresas nacionais e estrangeiras foram expropriadas na Venezuela)?

Qualquer um que tenha lido ou ouvido os discursos das autoridades venezuelanas perceberá que há um tema onipresente: a condenação da riqueza e a recorrência ao rancor e à inveja como política pública.

Com efeito, o mesmo fenômeno aconteceu durante a Revolução Cubana: todas as políticas destrutivas implantadas pelo governo cubano foram fundamentadas no explícito sentimento da inveja à riqueza alheia.

Pior ainda: mesmo nas principais e mais avançadas democracias ocidentais, o apelo à inveja é recorrentemente utilizado por políticos em suas campanhas eleitorais para atiçar as massas. (Bernie Sanders nos EUA é apenas o exemplo mais recente e acabado).

Há duas semanas, nos EUA, um desequilibrado invadiu um treino de beisebol do time do Congresso americano e abriu fogo contra parlamentares republicanos. O atirador tinha uma página no Facebook. Antes de ela ser deletada, todos podiam ler ali seu ataques odientos aos ricos, suas condenações ao capitalismo e à cultura corporativa, seus clamores por mais impostos sobre os mais ricos e por mais redistribuição de renda e, obviamente, sua fanática obsessão para que Bernie Sanders fosse o soberano do país. Hoje, todos já conhecem a litania de queixas e reclamações que o impulsionou.

Ainda assim, não obstante todas as evidências, a mídia segue silente a respeito das motivações deste indivíduo. Todos fingem estar completamente perplexos ao tentar explicar como uma feliz, charmosa e boa alma como esta poderia recorrer à violência. Caso o atirador fosse um agitador de direita que tivesse alvejado manifestantes pró-direitos civis, ninguém teria qualquer dificuldade em explicar suas motivações.

A incapacidade de ligar os pontos em todos os exemplos acima está exatamente na perda de conscientização quanto aos efeitos destruidores da inveja.

Pergunta: qual foi a última vez que você ouviu um sermão contra a inveja nos meios de comunicação? Quando foi que você observou alguma figura da grande mídia casualmente reconhecer os malefícios deste sentimento?

A condenação da inveja como uma força motivacional que leva à destruição da vida e da propriedade praticamente desapareceu da nossa cultura. Isso provavelmente se deve ao fato de que grande parte das políticas públicas de hoje se baseiam na inveja, dependem dela e, acima de tudo, a estimulam.

Aquele sentimento que já foi um dos sete "pecados capitais" está hoje completamente arraigado em nosso espírito público.

O que é a inveja?

Voltemos à clássica definição da inveja. O que é a inveja? A inveja é parte daquele vício de se olhar negativamente para o sucesso alheio. É diferente da mera cobiça, pois ser cobiçoso significa desejar algo que não lhe pertence. Também é diferente do ciúme, que significa olhar para o sucesso alheio e desejar que você também o tivesse. O ciúme pode levar à emulação, e isso pode ser bom. Também não é o mesmo que zelo (sinônimos: impulso, fervor), que é se sentir inspirado pela boa fortuna de outrem e adaptar sua vida com o intuito de também vivenciar você próprio uma boa fortuna. (Este comentário vem diretamente de Santo Tomás de Aquino).

A inveja é diferente de todos estes sentimentos. A inveja observa a excelência de terceiros e prontamente deseja acabar com ela. A inveja vê a fortuna de outro e imediatamente quer puni-la. A inveja é ativamente destruidora, e vê na destruição do sucesso alheio um fim em si mesmo. A consumação da inveja não traz felicidade para a pessoa que quer prejudicar terceiros; a inveja meramente alcança o objetivo de satisfazer a raiva que você sente ao ver a felicidade de terceiros. A inveja corrói. Destrói. Prejudica. Estraga. Machuca. Mata. Começa com um ressentimento contra as conquistas alheias e termina na agressão pessoal direta.

Para exemplificar. Você vê uma bela mansão. Dizer "essa casa deveria ser minha" é ser cobiçoso. Dizer "quero comprar uma casa como essa" é um ciúme que leva à emulação. Dizer "almejo uma vida em que posso bancar uma casa como essa" é zelo. Dizer "quero queimar aquela casa toda" é inveja.

A inveja é um problema onipresente, mas não é sentido por todos. Imagine uma pessoa que tenha uma personalidade naturalmente ambiciosa. Ela enxerga a vida como uma trajetória de oportunidades para o sucesso; uma questão de vontade, inteligência e criatividade. Ela acredita em tudo isso. Não há espaço para inveja no coração desta pessoa. O sucesso de outros serve como inspiração e impulsiona esta pessoa ao aprimoramento, e não à destruição.

Agora, imagine outra pessoa que não tem esta mesma visão. Tal pessoa se percebe intelectualmente ilimitada, sem grandes habilidades e capacidades, sem criatividade, e amarrada por uma personalidade restritiva ou por uma falta de vontade. Neste caso, a vida parece ser apenas uma série de rotinas inalteráveis. A estagnação é a sua realidade. Tal pessoa começa a se ressentir de todos aqueles que prosperam e a superam nas realizações pessoais. Eis aí uma pessoa totalmente propensa ao sentimento da inveja, isto é, ao desejo de prejudicar aqueles outros que se sobressaem e que apresentam um desempenho melhor que o de seus pares.

Toda pessoa bem-sucedida tem de lidar com o problema da inveja de outros. Você pode começar sua carreira imaginando que sua excelência será recompensada. Em várias ocasiões, de fato será. No entanto, sua excelência também incitará a inveja de terceiros, e aí você terá de saber lidar com as apunhaladas nas costas, com as tentativas furtivas e mesquinhas de lhe prejudicar, e com todas as fofocas, tramóias e conspirações que os invejosos farão para tentar impedir que você continue progredindo. É um fato triste, mas esta é a realidade que toda e qualquer pessoa bem-sucedida terá de enfrentar.

A mitologia medieval descreveu a inveja como o "monstro dos olhos verdes", pois a inveja vê qualquer sinal de riqueza com um desejo de acabar com ela. A lenda do "mau olhado" se originou lá na antiguidade e denota o profundo temor que todas as pessoas sempre sentiram em relação à inveja. No judaísmo, os rabinos ensinam a favorecer o "bom olhado", o qual conclama as pessoas a se regozijarem com a fortuna alheia -- ao passo que o mau olhado é o impulso oposto.

O mais famoso amuleto anti-inveja do mundo vem da Turquia, da Grécia e do Egito: trata-se do Nazar (também conhecido como 'pedra contra o mau-olhado' ou 'olho turco'), um olho de vidro azul, preto e branco. A ideia deste amuleto é que ele olha de volta para o mau-olhado e neutraliza sua influência sobre sua vida. Até onde se sabe, ele surgiu nos séculos XV e XVI, o que não é nenhuma surpresa quando se considera a crescente riqueza do Império Otomano à época. Os comerciantes sentiam a inveja direcionada a eles, e, à medida que a riqueza crescia, todas as outras pessoas também começaram a sentir a mesma ameaça. Essa cultura aprendeu que o ódio popular à riqueza era algo a ser temido, pois realmente ameaçava todo o pilar da vida das pessoas. Mesmo hoje, você vê o Nazar nos carros, nas casas, nos barcos e nos chaveiros das pessoas. No próprio aeroporto de Istambul há um enorme Nazar sobre a esteira de bagagens.

A política da inveja

Em algum momento do século XX, a inveja passou a ser tida como algo normal. A inveja foi normalizada como uma ideia política. Acabem com os ricos! Que o sucesso seja punido! Que o 1% seja esbulhado! Redistribuam a riqueza! Todas estas idéias remontam a uma idéia antiga que, à época, era amplamente desprezada e vista não como uma virtude ou uma boa motivação, mas sim como um pecado socialmente destrutivo.

Com efeito, há uma crescente -- e apavorante -- literatura acadêmica que tenta reabilitar a inveja como um grande motivador (ver aquiaquiaquiaqui, e aqui). A ideia superficial é fazer as pessoas se oporem às desigualdades e injustiças, e com isso apoiar o surgimento de todos os tipos de instituições políticas que os progressistas defendem.

Apenas para deixar claro, há bons motivos para se indignar com a imoralidade da riqueza injustamente adquirida [como ocorre no Brasil, com os grandes empresários em conluio com o governo]; mas tenhamos em mente que o problema neste caso não é a riqueza em si, mas os meios de sua aquisição (favorecimentos políticos).

A verdadeira inveja não faz distinção: trata-se de um ódio insano que termina em destruição. Pegar um pecado e convertê-lo em uma virtude política parece um objetivo implausível. Mas há uma verdade oculta que as pessoas não percebem: as modernas instituições políticas foram construídas tendo por base um vício antigo, o qual não apenas foi institucionalizado como também foi plenamente liberado, sendo hoje visto como algo plenamente normal e moral.

O que dizer daqueles agitadores que incitam as massas a conclamar pela violência do estado, exigindo que políticos saqueiem e espoliem as pessoas meramente por elas terem posses? Aparentemente, no mundo de hoje, algumas formas de violência se tornaram aceitáveis.

Quem semeia o ódio -- por meio de artigos, discursos ou diatribes -- e ensina às pessoas que os culpados pelas dificuldades delas são as pessoas bem-sucedidas está brincando com fogo. Em várias ocasiões, mesmo pessoas realmente bem-intencionadas podem acabar estimulando um banho de sangue.

Não sei se o Nazar adiantaria, mas é fato que precisamos de alguma proteção contra o mau olhado que a política moderna está se esforçando para normalizar.


Sobre o autor

Jeffrey Tucker

É Diretor-Editorial do American Institute for Economic Research. Ele tambÉm gerencia a Vellum Capital, é Pesquisador Sênior do Austrian Economic Center in Viena, Áustria.

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