segunda-feira, 22 0aio 2017
Durante a eleição presidencial americana de 2016, o pré-candidato
pelo Partido Democrata Bernie Sanders, um autodeclarado
socialista, se recusou
a responder perguntas sobre a Venezuela durante uma entrevista à rede
Univison.
O senador alegou que não queria falar sobre o país
porque "estou focado em minha campanha". Muitos afirmaram que o real motivo era
outro: a atual situação econômica da Venezuela é um exemplo prático do que
ocorre quando um estado implanta um "socialismo democrático", como sempre
defendeu Sanders.
Similarmente, o papa Francisco — que arrumou tempo
até mesmo para atacar
ideologias pró-mercado, contraditoriamente dizendo que elas empurram
milhões para a pobreza — parece bastante desinteressado em falar sobre o
acentuado processo de empobrecimento a que foi submetida a população
venezuelana nos últimos anos, chegando até mesmo a vivenciar uma desnutrição generalizada.
O doutor Samuel
Gregg, escrevendo para o periódico Catholic
World Report, disse que:
O
papa Francisco é conhecido por raramente se negar a vociferar contra aquilo que
ele considera ser graves injustiças. No que tange a assuntos como refugiados,
imigração, pobreza e ambientalismo, Francisco fala impositivamente, e utiliza
uma linguagem vívida e forte ao fazê-lo.
Entretanto,
apesar da violência diária infligida pelo governo da Venezuela contra os
manifestantes, apesar dos crescentes assassinatos cometidos pelo governo,
apesar de uma explosão sem precedentes da criminalidade no país, apesar da desenfreada
corrupção do governo, apesar da galopante inflação, apesar da explícita
politização do judiciário, apesar da quase completa escassez de remédios e
alimentos básicos, e apesar de todo o inegável desastre econômico causado pelas
políticas do governo, o primeiro papa latino-americano quase nada fala sobre a
crise que está destruindo aquele país latino-americano majoritariamente
católico.
Este silêncio ocorre não obstante o fato de bispos
católicos que vivem na Venezuela
terem denunciado
o regime de Nicolás Maduro como sendo mais um exemplo prático de como o
socialismo resulta em um "total fracasso" em "absolutamente todos os países em
que este regime foi instalado".
Sendo assim, para muitos venezuelanos, a pergunta
que segue sem resposta é: "Onde está o papa Francisco?"
Assim como ocorreu com Bernie Sanders [N. do E.: e
com toda a turma do PT e do PSOL], Francisco nada tem a dizer sobre a Venezuela
precisamente porque o regime venezuelano implantou exatamente todas as
políticas defendidas por toda a esquerda que se opõe a uma economia de
mercado.
Trata-se — como já dito inúmeras vezes
por este Instituto — de um programa marcado por controle de preços, estatizações
e expropriação da propriedade privada, generosos programas assistencialistas,
planejamento centralizado, e uma infindável retórica sobre igualdade, redução
da pobreza e, acima de tudo, combate aos "neoliberais".
O próprio presidente venezuelano Nicolás Maduro fez
a gentileza de explicar tudo ao mundo: "Há dois modelos: o neoliberal, que
destrói tudo; e o chavista, que é centralizado no povo".
O modelo chavista é simplesmente uma mistura de
social-democracia, planejamento centralizado (o que inclui preços controlados
por uma elite burocrática), impressão de dinheiro sem limites, estatizações e
amplos programas assistencialistas. Na prática, é apenas uma versão mais dura
da mesma ideologia de esquerda defendida por várias elites políticas dos EUA e
da Europa.
Já o 'neoliberalismo' — como também já explicado em detalhes por
este Instituto — é apenas um termo vago utilizado pejorativamente para
descrever, ainda que de maneira totalmente incorreta (neoliberalismo nada tem a
ver com o genuíno liberalismo), um arranjo caracterizado por mercados
relativamente livres e um laissez-faire
moderado.
Com efeito, nenhum outro regime no mundo, com a
exceção de Cuba e Coreia do Norte, foi tão explícito em sua luta contra a
suposta "ameaça neoliberal" quanto a Venezuela.
Por esse motivo, à medida que a Venezuela vai se
afundando cada vez mais no caos, estamos ouvindo este silêncio ensurdecedor de
grande parte da esquerda. Tal silêncio é tão gritante, que até mesmo alguns
esquerdistas mais sensatos perceberam e criticaram.
Em um artigo
para a revista de esquerda Counterpunch, Pedro Lange-Chorion, professor da
Universidade de San Francisco, aponta:
A
Venezuela era notícia apenas quando era boa notícia e quando Chávez podia ser
usado como um estandarte para a esquerda, dado que suas tiradas produziam algum
alívio cômico. Porém, tão logo o país entrou em sua espiral decadente e o
chavismo começou a se assemelhar a qualquer outro regime autoritário
latino-americano, passou a ser melhor ignorar tudo.
Ou seja, como um dedicado esquerdista, Pedro
acredita que o problema da Venezuela é meramente político, e não econômico. Para ele, é apenas uma questão de
infortúnio do destino que a implantação da agenda econômica chavista tenha coincidido com a destruição das
instituições políticas e econômicas do país. Para Pedro, a destruição do país
nada tem a ver com a adoção de políticas econômicas de esquerda. Tudo foi
causado pelo repentino surgimento do autoritarismo político, o qual estaria
arraigado no DNA da América Latina.
Obviamente, não houve coincidência nenhuma. Com
efeito, é apenas mais um exemplo clássico de um país que, após alguns anos de
políticas moderadamente pró-mercado, elege um populista de esquerda que, ao
implantar sua agenda econômica, acaba por destruir toda a economia.
Isso vem ocorrendo há décadas na América Latina,
onde, como já explicado pelos economistas Rudiger Dornbusch e
Sebastián Edwards em sua tese a respeito do "populismo macroeconômico
na América Latina", o ciclo se repete continuamente. Aconteceu mais
recentemente na Argentina e no Brasil.
O ciclo, de forma resumida, ocorre em quatro etapas.
Na primeira etapa, com a economia relativamente
arrumada após alguns anos de um governo mais economicamente racional — o que
significa, na prática, um governo que pratica uma pequena contenção de gastos e
adota uma política monetária mais austera —, um populista é eleito sob a
promessa de que é chegada a hora de dar à economia uma "face mais humana", com
mais redistribuição de riqueza e mais regulações. Ato contínuo, o populista dá
início a políticas fiscais e monetárias expansivas. De início, tais políticas
geram um crescimento da produção, do emprego e dos salários reais.
Na segunda etapa, vários gargalos começam a
aparecer. A inflação aumenta de maneira significativa. O déficit
fiscal do governo piora em decorrência dos subsídios do governo aos seus
setores favoritos e do congelamento das tarifas dos serviços públicos (o que
gera necessidade de repasses para essas empresas). A desvalorização
cambial ou o controle do câmbio se tornam inevitáveis.
As etapas 3 e 4 mostram como terminam todos os
experimentos populistas: escassez de produtos, inflação de preços em disparada,
fuga de capitais, acentuada desvalorização cambial e, no extremo, escassez de dólares.
Consequentemente, com a queda nos investimentos e com menos capital investido
per capita, os salários reais inevitavelmente caem e o crescimento econômico se
estanca e entra em contração.
O que normalmente se segue é a ascensão de um
governo "neoliberal" que dá início à implantação de um plano
"ortodoxo" de estabilização, que buscará corrigir os desequilíbrios
na economia para que os investimentos retornem e a produção volte a crescer.
Neste momento, a Venezuela está no meio deste ciclo.
Após décadas de um governo relativamente contido, a Venezuela se tornou, na
década de 1950, um dos países mais ricos da America Latina, e sua população, a quarta mais rica do mundo.
Porém, ao longo dos últimos vinte anos, os chavistas conseguiram confiscar essa
riqueza, distribuí-la, regulá-la e expropriá-la, e tudo em nome da "igualdade",
do "bem do povo" e do "combate aos malefícios do capitalismo".
Porém, só é possível redistribuir, tributar, regular
e expropriar até o ponto em que as classes produtivas desistem de ser
exploradas. Quando isso ocorre, a riqueza desaparece.
Para as mentes de esquerda, tamanha explosão da
pobreza após a adoção de políticas econômicas abertamente de esquerda não pode,
de maneira nenhuma, ser resultado de políticas econômicas ruins. Afinal, o
chavismo conseguiu implantar tudo aquilo que sempre defendeu. O governo
redistribuiu riqueza à vontade. Prometeu e "garantiu" um salário digno, serviços de saúde gratuitos
e comida abundante para
todos. A "igualdade" foi imposta por meio de
decretos, suplantando toda a oposição "neoliberal".
A única explicação possível para a calamidade,
pressupõe a esquerda, está na sabotagem dos capitalistas. Ou, como o próprio
papa enfatizou, no excesso de "individualismo".
O problema insanável para a esquerda é que, neste
caso, a narrativa simplesmente não é plausível. Será que a Colômbia tem menos
capitalistas e menos individualistas que a Venezuela? É quase que certo que
tenha mais. Sendo assim, por que os
venezuelanos enfrentam racionamento de comida e de remédios, e se submetem a
ficar horas em uma gigantesca fila para tentar cruzar a fronteira com a
Colômbia, onde podem adquirir alimentos e produtos básicos que não estão
disponíveis no paraíso socialista-democrático da Venezuela?
Igualmente, o Chile já renunciou ao seu arranjo
econômico de estilo "neoliberal"? Dado que a resposta é não, então por que a
economia chilena cresceu 150% nos últimos 25 anos ao passo que a economia
venezuelana encolheu neste mesmo
período?
A resposta consiste em um amplo e ensurdecedor silêncio.
Isso obviamente não significa que aquele arranjo que
a esquerda chama de "neoliberal" não possua falhas. Alguns aspectos do
neoliberalismo — como maior liberdade comercial e mercados relativamente mais
livres — são a razão por que a pobreza global e a
mortalidade infantil estão despencando, ao mesmo tempo em que a alfabetização e as
condições de saneamento estão aumentando ao redor do mundo.
Já outros aspectos do neoliberalismo — que nada
mais é do que uma mistura de social-democracia com alguma liberdade de mercado em
termos microeconômicos — são odiosos. Genuínos neoliberais defendem monopólio
estatal da moeda por um Banco Central, agências reguladoras para
controlar determinados setores da economia, programas de redistribuição de
renda, leis e regulações anti-truste, concessões em vez de genuínas privatizações e
desestatizações, ajustes fiscais por meio de aumentos de impostos, além, é
claro, de monopólio estatal da justiça, e saúde e educação fornecidas pelo
estado.
Mas a alternativa de livre mercado para o
neoliberalismo já foi fornecida há muito tempo por Ludwig von Mises, que, em sua luta solitária contra
os neoliberais, defendeu a adoção de um livre mercado genuíno, de uma moeda
sólida e não controlada pelo governo, e de uma liberdade total no comércio
internacional.
Já a alternativa da esquerda ao neoliberalismo já foi
explicitada pela Venezuela, um país onde as pessoas estão literalmente morrendo de fome e têm
de esperar horas na fila
para conseguir um rolo de papel higiênico.
E se isso é tudo o que a esquerda tem para mostrar
sobre como seria sua vitória contra o neoliberalismo, então não é surpresa
nenhuma que a esquerda esteja em silêncio.