quarta-feira, 3 0aio 2017
Nassim Nicholas
Taleb não é de tolerar insensatez. Autor de vários livros, dentre os quais
os famosos A
Lógica do Cisne Negro (The Black Swan) e Antifrágil:
Coisas
que se Beneficiam com o Caos (Antifragile:
Things That Gain From Disorder), Taleb é conhecido tanto por sua
personalidade incendiária quanto por seu brilhante trabalho no campo da teoria
da probabilidade.
Quem lê suas colunas frequentes no site Medium se depara com uma mente formidável,
a qual não tem nenhuma paciência para com pensamentos de manada, e que tem
especial prazer em destruir intelectualmente aquelas elites políticas e econômicas
que não sofrem as consequências de suas desastrosas medidas. Taleb se refere a
estas pessoas como uma elite que não tem "skin in the game" — ou seja, cuja
pele não está em jogo.
A pele em jogo ("skin in the game") é um princípio
central (e muito bem-vindo) na visão de mundo de Taleb: nós somos cada vez mais
governados por uma elite intelectual, política, econômica e cultural que não arca
com as consequências das decisões que ela toma "em nosso próprio (e
involuntário) interesse".
Neste quesito, Taleb é um populista, no sentido não-pejorativo
do termo: ou seja, um indivíduo que sabe exatamente como as pessoas comuns
pensam e sentem. Com efeito, ele corretamente identificou tendências que
levariam à crise financeira de 2008, ao Brexit e à eleição de Trump. Ele sabe
que o globalismo não tem
nada a ver com globalização e com o liberalismo. Ele sabe que a cultura e a
identidade própria são importantes. E, acima de tudo, ele sabe que as elites não
entendem como a aleatoriedade e a incerteza afetam a suposta inevitabilidade de
uma ordem global.
Assim, Taleb argumenta que a intelligentsia não apenas é soberba ao querer planejar nosso
futuro, como também é completamente ignorante: as fragilidades do arranjo estão
por todos os lados, e as elites globalistas não têm como controlá-las e
evitá-las. O orgulho arrogante e o excesso de confiança são resultados inevitáveis
da proeminência e da riqueza fácil, e isso faz com que tais pessoas fiquem
cegas e não vejam o Cisne Negro logo à sua frente.
Nascido no Líbano em uma família importante, educado
na Universidade de Paris e na Escola
de Administração de Wharton, na Pensilvânia, Taleb tinha tudo para se
tornar parte da aristocracia cognitiva que ele tanto desdenha. Mas ele nunca
foi um deles. Sua personalidade durona, acentuada por sua dedicação a rigorosos
exercícios de levantamento de peso, se torna rapidamente evidente em suas
notórias entrevistas e em suas desavenças públicas no Twitter. Sua disposição em
estudar profundamente assuntos como religião e história o distancia totalmente
dos progressistas e globalistas que gostariam que ambos estes assuntos
desaparecessem. Taleb escreve para o leigo inteligente, e sua abordagem volta
para o cidadão comum também se estende à sua descrição de si próprio como um "intelectual
privado, e não público".
Libertários e seguidores da Escola Austríaca irão encontrar
muito o que admirar nas brilhantes demolições dos "pseudo-especialistas" que Taleb
identifica na academia, no jornalismo, na política e na ciência. Mas Taleb não é
um austríaco. Embora ele tenha uma visão decididamente crítica e escarnecedora
da maioria dos economistas — ele defende que o Nobel de economia seja abolido
—, Taleb não condena a maneira como a economia é vista e estudada hoje. Tampouco
ele alega ter inclinações heterodoxas ou reacionárias. Eis como ele próprio se
define:
Sou
um economista ortodoxo neoclássico tradicional, e não um heterodoxo radical ou
qualquer coisa do gênero. Apenas não gosto de modelos duvidosos que utilizam
alguma matemática, como regressão, que ignoram padrões estocásticos e
obtêm resultados errados. E odeio essa preguiçosa mania de depender mecanicamente
de métodos estatísticos ruins. Não gosto de modelos que fragilizam. Não gosto
de modelos que funcionam no computador, mas não na realidade. Isso
é que é economia padrão.
Embora Taleb não seja avesso a usar matemática e
estatística na economia, austríacos compartilham de sua perspectiva de que
ambas são ferramentas para
economistas, e não solucionadoras de problemas. Modelos estatísticos são, em
sua grande maioria, fraudes que não fornecem nenhum valor real para
investidores ou prognosticadores econômicos, não obstante haja um mercado
formado por analistas quantitativos altamente bem pagos, formados nas melhores
universidades. Com efeito, modelos matemáticos frequentemente geram efeitos
nefastos, como o de criar uma falsa sensação de relativa certeza em um arranjo
em que é impossível haver alguma certeza.
É sempre revigorante ver alguém como Taleb, um não-austríaco,
fazer essa afirmação tão cara à Escola Austríaca e de maneira bastante efetiva,
e sem recorrer ao paradigma austríaco da praxeologia.
E, se a visão de Taleb a respeito da economia ainda
pode ser considerada um tanto convencional, seu tom
é uma mescla de Rothbard e Hayek:
Sabemos
da teoria do caos que, mesmo se você tivesse um modelo perfeito do mundo, você ainda
assim necessitaria de uma precisão infinita para prever eventos futuros. Para fenômenos
sociopolíticos ou econômicos, isso é absolutamente impossível.
Taleb ainda vê a necessidade de existir governo, e
defende leis de proteção ao consumidor contra "empréstimos predatórios"
como um exemplo do que o governo pode fazer. Mas ele aparentemente apoiou Ron
Paul nas eleições presidenciais americanas de 2012, e mencionou Hayek e sua teoria do conhecimento
disperso pela sociedade como uma grande influência.
Adicionalmente, Taleb também direciona um veneno
especial para vários alvos merecedores, como Paul Krugman, Joseph Stiglitz e
Paul Samuelson. Taleb criou o termo "Síndrome
Stiglitz" para se referir ao fenômeno dos intelectuais públicos que não sofrem
nenhuma consequência financeira ou profissional por estarem espetacularmente
errados em suas previsões.
Tamanho escárnio se torna especialmente pungente por ser feito pelo homem que corretamente previu as (e, com efeito, se tornou rico
em decorrência das) crises econômicas de 1987 e 2008. Em ambos os caos, Taleb tinha
sua pele no jogo, pois operava diretamente como trader no mercado financeiro. Seu
próprio dinheiro e sua própria reputação estavam em jogo, ao contrário dos
economistas que apenas escrevem colunas ideológicas para o The New York Times.
Para uma excelente (embora indireta) análise de como
austríacos e libertários podem fazer avançar suas idéias e sua causa mesmo
estando em posição minoritária, o recente artigo de Taleb The Most Intolerant Wins: The Dictatorship of the Small
Minority é leitura obrigatória. Ele nos relembra que uma pequena minoria
corajosa — a mais importante maneira de ter a pele em jogo — pode prevalecer
sobre a massa sonolenta e inerte. Ele também nos mostra que são os indivíduos corajosos,
e não os 51% da população, que fazem as reais mudanças em todas as sociedades.
Todo
o crescimento da sociedade, seja econômico ou moral, sempre advém de um pequeno
número de pessoas. Sendo assim, podemos concluir este capítulo com uma observação
sobre como ter a "pele em jogo" pode alterar a condição da sociedade. A sociedade
não evolui pelo consenso, pelo voto, pela maioria, por comitês, por reuniões prolixas,
por conferências acadêmicas, e por pesquisas de opinião; somente algumas poucas
pessoas já são o suficiente para alterar o equilíbrio da balança desproporcionalmente.
E a assimetria está presente em tudo.
O ensino tradicional da economia está perdido, atolado
na areia movediça dos modelos preditivos incapazes de previr e das análises
macro incapazes de analisar. A democracia política está perdida, tendo sido
tomada por charlatães, pilantras e ladrões que incentivam a destruição do
capital em vez de sua acumulação. E a academia está perdida, ainda presa a
modelos antiquados comandados por PhDs. protegidos. Taleb já percebeu tudo isso,
e faz um trabalho admirável ao explicar tudo para o leigo inteligente.
Os libertários e seguidores da Escola Austríaca fariam
bem em vê-lo como um valoroso aliado e uma voz na infindável luta contra
governos, burocracias, bancos centrais, e planejadores todas as estirpes.