Sim, trata-se de um grande evento quando o papa
ataca o libertarianismo pelo nome. Especialmente para mim, tudo fica ainda mais
interessante quando a editora espanhola do meu livro Uma
Bela Anarquia acredita que o papa, em sua recente monografia acadêmica,
estava atacando explicitamente a linguagem utilizada por mim, por implicação
mas sem citação.
[N. do E.: o autor Jeffrey Tucker é católico
praticante e já contribuiu para várias publicações católicas reconhecidas pelo
Vaticano]
No dia 28 de abril, o papa endereçou uma mensagem
aos participantes da Sessão
Plenária da Pontifícia Academia de Ciências Sociais (ver aqui
em espanhol e aqui
em italiano; ainda não há tradução para o português). Em uma determinada
passagem, o papa diz que o libertarianismo "enganosamente propõe uma 'bela
vida'".
A segunda edição do meu livro Uma Bela Anarquia: Como Criar Sua Própria Civilização na Era Digital
(download
gratuito aqui) acabou de sair em espanhol (a língua materna do papa), com
sólidas vendas. Não seria forçar a barra dizer que meu livro foi o alvo, mas
você pode decidir por conta própria.
Na Idade Média, quando a Igreja excomungava visões
e idéias, os papas da época eram cuidadosos ao especificamente citar as obras
em questão, de modo a não haver confusão sobre as idéias que estavam sendo
condenadas (veja
o catecismo do Concílio de Trento, por exemplo). Não mais. Hoje, somos deixados
a adivinhar a identidade do interlocutor. Como isso, o papa fica livre para
rotular e fazer descrições erradas.
Ademais, eu apenas gostaria que as críticas do papa
tivessem algum conteúdo mais substantivo, o qual pudesse ser abordado. Libertários
sempre estão abertos a um bom desafio. Lamentavelmente, a declaração do papa
apenas se resume a uma gritante caricatura.
Eis todo
o contexto do que o papa Francisco falou:
Por último, não posso
deixar de mencionar os graves riscos associados à invasão, nos níveis mais
altos da cultura e da educação, tanto nas universidades quanto nas escolas, de
posições associadas ao individualismo libertário. Uma característica comum
deste falacioso paradigma é que ele minimiza o bem comum, isto é, o "viver
bem", a "boa vida" no âmbito comunitário, e exalta o ideal egoísta que
enganosamente inverte as palavras e propõe uma "vida bela".
Se o individualismo
afirma que é somente o indivíduo quem dá valor às coisas e às relações
interpessoais — e, portanto, somente o indivíduo decide o que é bom e o que é
mau —, então o libertarianismo, hoje tão em voga, apregoa que, para
estabelecer a liberdade e a responsabilidade individual, é necessário recorrer
à ideia de auto-causalidade.
Assim, o
individualismo libertário nega a validade do bem comum, já que, de um lado,
pressupõe que a própria ideia de "comum" implica a restrição de pelo menos
alguns indivíduos, e, de outro, que a noção de "bem" despoje a liberdade de sua
essência.
A radicalização do
individualismo em termos libertários — e, portanto, anti-sociais —, conduz à
conclusão de que cada indivíduo tem o "direito" de se expandir até onde seus
poderes e capacidades possam levá-lo, inclusive à custa da exclusão e da
marginalização da maioria mais vulnerável.
Uma vez que
restringem a liberdade, todos os tipos de laços e amarras teriam de ser
cortados. Ao erroneamente igualarem o conceito de "laço" ao de "vínculo
restritivo", tais pessoas acabam por confundir aquilo que condiciona a
liberdade — as restrições — com aquilo que é a essência da própria liberdade
criada, a saber, os laços ou relações, familiares ou interpessoais, com os
excluídos e os marginalizados, com o bem comum e, acima de tudo, com Deus.
À primeira vista, isso soa amargo e severo
Uma ideologia que defendesse tais coisas realmente
seria terrível. É difícil imaginar que tal ideologia pudesse um dia se tornar
"tão em voga". Mas, obviamente, o papa só consegue um passe livre ao afirmar
tais coisas porque ele define o libertarianismo de uma maneira caricata, a qual
faz com que essa filosofia seja incrivelmente fácil de ser atacada. (Essa
postura de recorrer a caricaturas para então atacar é um sólido indicador de
que a visão do oponente foi erroneamente formulada.)
Com efeito, aquilo que o papa alega que os
libertários defendem não apenas é falso, como também, em alguns aspectos, é
exatamente o oposto daquilo que os libertários realmente defendem.
Permita-me oferecer a minha própria e extremamente
sucinta definição de libertarianismo. Trata-se da teoria política que diz que a
liberdade, a harmonia e a paz servem ao bem comum de maneira mais efetiva que a
violência e o controle estatal. O libertarianismo defende uma regra normativa:
sociedades e indivíduos não devem ser molestados em suas associações
voluntárias e em seus relacionamentos comerciais caso não estejam ameaçando
fisicamente terceiros.
Estou praticamente certo de que a maioria dos
pensadores da tradição liberal estaria satisfeita com essa definição.
Mas será que essa visão é estranha ou exótica,
perigosa ou radical, ao ponto de que a ascensão de tais pensamentos realmente
constitui uma "perigosa invasão da cultura", como disse o pontífice?
Não creio. São Tomás de Aquino, por exemplo, escreveu
essencialmente isto em sua Suma Teológica (2; 96:2):
Ora, a lei humana é
feita para a multidão dos homens, composta em sua maior parte por homens de
virtude imperfeita. Por isso, ela não proíbe todos os vícios — dos quais só os
virtuosos se abstêm —, mas só os mais graves, dos quais é possível à maior
parte da multidão se abster. E proíbe principalmente os vícios que causam dano
a outrem, ou aqueles sem cuja proibição a sociedade humana não pode subsistir;
assim, a lei humana proíbe o homicídio, o furto e atos semelhantes.
A Suma foi escrita no século XIII. Sua postura em
prol da limitação do estado, e sua defesa das liberdades humanas (embora
inconsistente), marcaram o início de uma nova era na filosofia, no direito e na
teologia. Ela mostrou o caminho de saída do período feudal e rumo ao surgimento
do mundo moderno. As idéias hoje chamadas de "libertárias" foram pilares
essenciais aos acontecimentos políticos que ocorreram nos 600 anos seguintes.
O libertarianismo não é uma visão hermética, peculiar
e excêntrica da política; ela é uma destilação da sabedoria de uma poderosa
tradição, a qual abrange as experiências de várias culturas e também a mais
alta sabedoria dos mais profundos e sérios.
A Igreja e o liberalismo
O papel do catolicismo na história moderna tem sido
o de servir como um benfeitor da causa liberal. Desde a época de São Tomás e
seus sucessores, a Igreja Católica começou um longo afastamento de suas
tendências constantinianas no primeiro milênio, gradualmente abrindo mão da
aspiração de unificar a Igreja e o estado e abraçando a então emergente
tradição liberal.
Tudo ocorreu primeiramente no âmbito do sistema
bancário, quando a Igreja serviu como defensora
da causa bancária dos Medici contra as forças reacionárias que tentavam impedir
o surgimento da vida comercial moderna. Ela, por exemplo, liberalizou suas
regras contra a usura e defendeu os direitos de propriedade e comércio entre as
nações.
O fim da escravidão foi talvez o maior triunfo do
liberalismo antes do século XX. E, neste quesito, a Igreja Católica já era uma
força em prol dos direitos humanos e da justiça muito antes das outras
instituições se atentarem a isso.
Os escritos do frade dominicano Bartolomé de
las Casas, de 1547, por exemplo, ainda hoje continuam inspiradores por
causa de sua paixão moral contra as atrocidades perpetradas por vários estados contra
os direitos humanos. Nenhum dos filósofos da antiguidade ousou imaginar um
mundo em que haveria igualdade universal de direitos para todas as pessoas.
Apenas a Igreja Católica o fez, baseada em sua convicção de que todos os
indivíduos são feitos à imagem e semelhança de Deus e, por isso, são
merecedores de certos direitos.
Os escolásticos tardios espanhóis e portugueses,
com suas escritas e filosofias sociais, são frequentemente creditados como sendo
os criadores da
própria ciência econômica. E não apenas porque esses escolásticos eram
idealistas morais, mas também porque eles eram homens extremamente práticos que
tentaram entender como o mundo real funcionava, e tudo no interesse de explicar
como as pessoas poderiam viver vidas melhores. Eles gradualmente descobriram
que os interesses do indivíduo não apenas não estavam em conflito com o bem
comum, como também poderiam ambos ser realizados por meio da liberalização de
todas as esferas da sociedade.
A Igreja Católica também representou uma força para
o progresso ao dar voz à ascensão dos direitos das
mulheres. Essa é uma história complicada, com altos e baixos, mas há uma
linha de raciocínio que pode ser estendida desde a alta consideração dada à mãe
de Jesus até gradualmente a defesa de uma visão da mulher bastante distinta
daquela da antiguidade. Mesmo hoje, a Igreja enaltece quatro mulheres como Doutores da Igreja.
Após a Reforma e a ascensão do nacionalismo, a
Igreja — na condição de instituição internacional que não representava os
interesses de nenhum estado em particular — foi uma fortaleza contra os
poderes incontestados de vários príncipes e regentes. Foi também um baluarte para
a visão agostiniana de que nenhum líder governamental pode substituir a
autoridade de Deus, e que "uma lei injusta não tem validade nenhuma" — uma declaração
citada por São Tomás e, mais tarde, por Martin Luther King Jr. em sua Carta desde a
Prisão de Birmingham.
A oposição católica ao estatismo
Em outras palavras, o espírito do catolicismo
sempre foi direcionado em prol exatamente daquilo que o atual papa acabou de
condenar: a ideia de que privilegiar a liberdade em detrimento da coerção deveria
ser a norma vigente na vida política.
Foi por este motivo que a Igreja Católica se
posicionou contra o socialismo já no exato nascimento desta ideia no mundo
moderno. Em 1878, quarenta anos antes da Revolução Bolchevista, o Papa Leão
XIII escreveu em sua encíclica Quod Apostolici
Muneris que os socialistas planejavam "não deixar nada intacto, nem
mesmo as coisas que, por lei humana e divina, foram sabiamente decretadas
sagradas para a saúde e a beleza da vida".
Acima de tudo, escreveu ele, os socialistas estavam
errados em "atacar o direito de propriedade sancionado pela lei natural". E vaticinou:
"Embora se digam desejosos de cuidar dos necessitados e de satisfazer os
desejos de todos os homens, eles querem confiscar tudo o que foi adquirido por terceiros
por meio do trabalho, da herança legal, da poupança e do intelecto".
O papa declarou firmemente que o catolicismo "mantém
que o direito de propriedade, o qual advém da própria natureza, não deve ser
tocado e deve permanecer inviolado. Pois o roubo é proibido de uma maneira tão especial
por Deus, o Autor e Defensor dos direitos, que Ele não permitiria ao homem nem
sequer desejar aquilo que pertence a outrem. Ladrões e saqueadores, assim como adúlteros
e idólatras, estão proibidos de entrar no Reino dos Céus."
Esse ativismo anti-socialista (Jesus não era socialista)
continuou por meio da resistência da Igreja ao bolchevismo e ao nazismo, e
levou o catolicismo a ter um incomensurável papel no derradeiro colapso dos
regimes tirânicos do Leste Europeu em 1989. (Ver aqui, aqui e aqui).
O Concílio Vaticano II
A apoteose do espírito liberal no catolicismo foi
belamente afirmada nos documentos do Concílio Vaticano II. O Concílio
representou o aceitamento final do liberalismo, algo que já vinha sendo ensaiado
há séculos. Foi neste Concílio que a Igreja finalmente, e dogmaticamente,
afirmou o direito à liberdade religiosa como um pilar dos direitos humanos.
Dignitatis
Humanae (1965) fornece aquela que pode ser considerada a melhor declaração do
liberalismo/libertarianismo feita na segunda metade do século XX:
Este Concílio
Vaticano declara que a pessoa humana tem direito à liberdade religiosa. Esta
liberdade consiste no seguinte: todos os homens devem estar livres de coerção,
quer por parte dos indivíduos, quer dos grupos sociais ou qualquer autoridade
humana; e de tal modo que ninguém deve
ser forçado a agir contra as próprias crenças, nem impedido de proceder
segundo as mesmas, em privado e em público, só ou associado com outros, dentro
dos devidos limites.
Declara, além disso,
que o direito à liberdade religiosa se funda realmente na própria dignidade da
pessoa humana, como a palavra revelada de Deus e a própria razão a dão a conhecer.
Este direito da pessoa humana à liberdade religiosa na ordem jurídica da
sociedade deve ser de tal modo reconhecido que se torne um direito civil.
De harmonia com a
própria dignidade, todos os homens, que são pessoas dotadas de razão e de
vontade livre e por isso mesmo com responsabilidade pessoal, são levados pela
própria natureza e também moralmente a procurar a verdade, antes de mais a que
diz respeito à religião. Têm também a obrigação de aderir à verdade conhecida e
de ordenar toda a sua vida segundo as suas exigências.
No entanto, os homens
não podem satisfazer a esta obrigação conforme sua própria natureza a não ser
que gozem ao mesmo tempo de liberdade psicológica e imunidade de coerção externa. O direito à liberdade religiosa não
se funda, pois, na disposição subjetiva da pessoa, mas na sua própria natureza.
Uma aplicação consistente deste princípio leva
exatamente à mesma posição dos libertários em termos de política, economia,
cultura e relações exteriores.
O Vaticano II também afirma que buscar uma vida
melhor por meio da liberdade é algo que está na própria essência da experiência
humana. Esta aspiração requer certas condições institucionais, tais como o
direito à propriedade privada. O belo e inspirador documento Gaudium
et Spes (1965), tradicionalmente visto como uma obra-prima de exposição
que resume o espírito do Concílio, diz o seguinte:
A propriedade privada
ou um certo domínio sobre os bens externos asseguram a cada um a indispensável
esfera de autonomia pessoal e familiar, e devem ser considerados como que uma
extensão da liberdade humana. Finalmente, como estimulam o exercício da
responsabilidade, constituem uma das condições das liberdades civis.
As formas desse
domínio ou propriedade são atualmente variadas e cada dia se diversificam mais.
Mas todas continuam a ser, apesar dos fundos sociais e dos direitos e serviços
assegurados pela sociedade, um fator não desprezível de segurança. O que se
deve dizer não só dos bens materiais, mas também dos imateriais, como é a
capacidade profissional. [...]
Por sua própria natureza,
a propriedade privada possui uma qualidade social fundada na lei do destino
comum dos bens. O desprezo a este caráter social foi muitas vezes ocasião de
cobiças e de graves desordens, chegando mesmo a fornecer um pretexto para os
que contestam esse próprio direito.
E quanto ao bem comum?
Esta preocupação quanto ao "destino comum" dos bens
parece estar no cerne da preocupação do papa Francisco. Ele acredita que o
libertarianismo joga os direitos e interesses dos indivíduos contra o bem
comum. É frustrante ter de fazer esta explicação porque sempre foi um grande objetivo
da tradição liberal (desde o Iluminismo escocês até o presente) argumentar que indivíduos
e bem comum não são inconsistentes; que um não precisa estar contra o outro.
A busca pelo bem de todos não requer a violação dos
interesses e direitos individuais. E a defesa dos interesses e direitos
individuais não precisa estar em conflito com o bem de todos.
Considere as palavras do homem que é amplamente
considerado o principal gênio libertário do século XX, Ludwig von Mises. Em seu
livro Liberalismo - Segundo
a Tradição Clássica, de 1927, ele argumenta que somente o liberalismo busca
o bem de todos, jamais querendo satisfazer apenas os interesses de um grupo
especial.
Com o advento do
liberalismo, veio a exigência da abolição de todos os privilégios
especiais. A sociedade de castas e de posições sociais teve de dar lugar a
uma nova ordem, na qual somente poderia haver cidadãos de direitos iguais. O
que estava sob ataque não era mais, e tão-somente, o privilégio particular das
diferentes castas, mas a própria existência de todos os privilégios. O
liberalismo demoliu as barreiras de classe e posição social, e libertou os
homens das restrições que a antiga ordem lhe havia imposto. [...]
Os partidos políticos
atuais são os defensores não somente de certas ordens privilegiadas do passado,
que desejam ver preservadas, e de algumas prerrogativas tradicionais extensas
que o liberalismo se viu obrigado a manter, por não ter sido completa sua
vitória, mas também de certos grupos que lutam por privilégios especiais, isto
é, que desejam atingir o status de
uma casta.
O liberalismo se
dedica a todos e propõe um programa também aceitável para todos. Não
promete privilégios a quem quer que seja. Por suscitar a renúncia à
busca de todos os privilégios especiais, até mesmo exige sacrifícios — embora,
sem dúvida, provisórios. Isso implica a renúncia a uma vantagem
relativamente pequena, com a finalidade de obter outra maior. Mas os
partidos que representam interesses especiais se dirigem, apenas, a uma parte
da sociedade. A esta parte, unicamente pela qual tencionam trabalhar,
prometem vantagens especiais, à custa do restante da sociedade. [...]
Os liberais afirmam
que, com a eliminação de todas as distinções artificiais de castas e status, a abolição de todos os
privilégios e o estabelecimento da igualdade perante a lei, nada se interpõe no
caminho da cooperação pacífica de todos os membros da sociedade — pois seus
interesses coincidirão a longo prazo.
O indivíduo e a comunidade
A era digital forneceu oportunidades sem precedentes
para os indivíduos escolherem suas associações, fontes de entretenimento, influências
espirituais e escolhas profissionais. Ao ler a declaração do papa Francisco,
ele parece crer que celebrar tais oportunidades (como eu sempre faço)
necessariamente significa menosprezar normas comunitárias e o bem comum. Por implicação,
ele parece inferir que as necessidades da comunidade devem vir antes dos desejos
dos indivíduos.
Mas eis o problema. Trata-se de um fato incontornável
da vida humana que cada indivíduo é diferente um do outro. Você pode até mesmo
dizer que tudo foi projetado para ser exatamente assim. A grande descoberta do
liberalismo foi observar e mostrar que é possível os indivíduos buscarem seus
interesses de uma maneira que não apenas não destrua os laços comunitários,
como também os fortaleça. Que isso seja verdade é algo ainda mais óbvio em
nossa era. A tecnologia tornou isso possível. As vidas passaram a ser mais
integradas à medida que aumentaram as conexões entre grupos e nações.
É o grande fardo da tradição liberal/libertária ter
de eternamente explicar que o caminho para a vida comunitária passa pela busca
dos interesses individuais em cooperação voluntária com outros. Já tentamos
explicar isso ao longo dos últimos séculos, mas a mensagem parece nunca chegar.
É como se tivéssemos, eternamente, de fazer explicações adicionais e até mesmo
reformular idéias e afirmações.
Apenas para deixar claro: o libertarianismo não promete
a salvação das almas, e nem teria como fazer isso. Tal fenômeno está exclusivamente
no âmbito da religião. O libertarianismo não quer e jamais quis destituir o
papel da religião na sociedade. Ele apenas busca fornecer as melhores condições
possíveis para a prosperidade da sociedade humana em um sentido material. E
tenta fazer isso por meio da defesa da liberdade, que é o arcabouço essencial e
indispensável para o bem de todos.
Como disse Mises, o liberalismo/libertarianismo "não promete nada
que exceda o que possa ser obtido na sociedade e pela sociedade. Busca,
unicamente, dar uma coisa aos homens: o desenvolvimento pacífico e
imperturbável do bem-estar material para todos, com a finalidade de, a partir
disso, protegê-los das causas externas de dor e sofrimento, na medida em que
isso esteja ao alcance das instituições sociais. Diminuir o sofrimento,
aumentar a felicidade: eis seu propósito."
O alvo errado
Em suma, o libertarianismo busca um mundo mais
livre, um mundo de direitos universais, a construção de instituições que dão à
dignidade humana a melhor vantagem possível sobre os interesses poderosos,
majoritariamente associados aos governos, que buscam violar esses direitos e
diminuir a dignidade.
A liberdade não pode garantir uma "vida bela", mas tal
vida seria impossível de imaginar ou de ser alcançada sem a liberdade. Observar
isso não é "enganação", mas sim uma descrição das maravilhosas oportunidades disponíveis
em nossa época.
Para ser claro, de maneira nenhuma estou dizendo
que a tradição católica no pensamento político equivale ao libertarianismo. Há muitas
anomalias e contradições que impedem que tal afirmação seja feita. O que estou
dizendo é que a Igreja já se provou capaz, ao longo de uma longa história, de falar
de liberdade e de política com um grande sotaque libertário. E isso tem um
motivo: a fé genuinamente acredita que a verdade irá libertar o mundo.
Libertários não são invasores indesejáveis, mas sim
defensores do contínuo progresso do mundo que a própria Igreja Católica pretende
servir e defender.
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Leia também:
O papel crucial da religião no desenvolvimento da ciência econômica