segunda-feira, 24 abr 2017
Aconteceu
o esperado: os eleitores de Trump estão assistindo à captura do Executivo
americano pelo establishment de Washington.
A
captura é tão explícita, que todas as suas mudanças de postura estão
sendo elogiadas pela grande mídia. O Washington Post, embora continue o
atacando 24 horas por dia, já admite que ele vem adotando "posições
mais centristas". A
BBC também fez a mesma observação.
Em
menos de 100 dias, Trump deu uma guinada de 180 graus em várias áreas: Síria,
Afeganistão, a promessa de revogar o ObamaCare, a alegação de que a China
manipula sua moeda, relações com a Rússia, a importância da OTAN, a promessa de
sair do NAFTA, a suspensão de novas contratações de funcionários
públicos, a abolição do Ex-Im Bank, a re-nomeação de Janet Yellen como
presidente do Federal Reserve, e a urgência de uma reforma tributária. Confira toda
a lista aqui.
Comecemos
pelos mais óbvios.
Durante
toda a sua campanha eleitoral, Trump prometeu abertamente abolir o ObamaCare e,
em seu lugar, simplesmente liberar a concorrência entre as seguradoras de saúde
(o governo federal americano proíbe que a seguradora de um estado forneça
serviços em outro estado). Tal mudança seria ótima.
Porém,
logo após sua eleição, ele mudou o tom e, em vez de abolir, passou a falar em "substituir".
Para isso, lutou pela aprovação de um novo modelo para o sistema de saúde, repleto de concessões
aos democratas, elaborado pelo congressista republicano Paul Ryan.
Este
modelo, denominado de RyanCare, era tão repleto de meios-termos, concessões e acomodações
estatistas, que a ala mais libertária do Partido Republicano — denominada de Freedom Caucus —
bloqueou sua aprovação. Trump, então, declarou
guerra a eles.
Só
que isto será de pouca serventia a Trump, pois ele não possui grandes poderes políticos
nos distritos destes congressistas. Com efeito, a maioria deles teve um desempenho
eleitoral muito melhor que o de Trump em novembro passado.
Já
o Export-Import Bank vem concedendo subsídios
a grandes empresas exportadoras há décadas. A função deste banco é fomentar a exportação,
e ele faz isso concedendo garantias para instituições bancárias que financiam
as exportações de algumas empresas americanas. Na prática, o banco estatal
serve aos interesses da Boeing e subsidiam as importações de produtos
americanos pelos estrangeiros. Quando candidato, Trump
disse que iria abolir o banco. Agora presidente, ele
diz que apóia o banco.
Para
o candidato Trump, a China manipulava a moeda para adquirir uma vantagem
exportadora. O governo chinês, segundo Trump, estaria diminuindo
artificialmente o valor de sua moeda. Como ele estaria fazendo isso é algo que
Trump nunca explicou. E nem mais precisará, pois isso já é passado. Para Trump,
a China não mais
é uma manipuladora de moedas. O problema agora, segundo Trump, é o dólar,
que estaria muito forte.
Ainda
mais esquisita foi sua justificativa para essa sua mudança de postura: segundo
o próprio, ele parou de criticar a China simplesmente porque precisa
da ajuda do país contra a Coreia do Norte.
E
quanto ao Federal Reserve? Enquanto candidato, Trump criticou
a política de juros baixos do Banco Central americano. Disse, corretamente,
que ela prejudicava os poupadores. E que Janet Yellen deveria se envergonhar
do que está fazendo. Não mais. Agora, a política do Fed é ótima, e
Trump já até fala em conceder a
Yellen mais um mandato como presidente do Banco Central americano.
E
quanto ao inchaço da folha de pagamento do governo federal americano? Em seu
terceiro dia como presidente, Trump assinou uma ordem executiva congelando a contratação
de novos funcionários públicos fora das forças armadas. No início de abril, o congelamento
derreteu, e as contratações federais voltaram a ser liberadas.
A
mais recente deserção ocorreu em relação à OTAN. Para o candidato Trump, a OTAN
era obsoleta. Não mais. Agora,
a OTAN é muito boa.
E
quanto aos cortes de impostos para a classe média? Ele
ainda tem de introduzir um projeto de lei.
E
o muro na fronteira com o México? Ele ainda tem de introduzir um projeto de
lei.
E
quanto a expulsar os imigrantes ilegais? Ele ainda tem de introduzir um projeto
de lei. A administração diz que não
mais haverá deportações em massa. Quando candidato, Trump disse que deportaria
de 2 a 3 milhões de imigrantes ilegais que eram criminosos. Isso significa
que teria de haver mais de 2.000 deportações por dia, durante quatro anos, para
se chegar a 3 milhões. O custo seria de aproximadamente
US$ 25.000 por deportação. O governo
Obama deportou 333.000 apenas em 2015. Este número não mudou.
Algumas das mudanças, disseram
membros do governo, demorarão para ser implantadas por causa dos custos, e também
porque algumas das políticas terão de ser anunciadas por meio do registro
federal. Funcionários do governo se recusaram a estimar os custos para a
burocracia adicional necessária, inclusive a contratação de mais juízes especializados
em imigração para acelerar as audiências, bem como a construção de um
significativo número de novas casas de detenção para alojar imigrantes ilegais
à espera da resolução de seus processos judiciais.
"Isso não irá acontecer amanhã",
disse um funcionário do Department
of Homeland Security. [O Ministério da Segurança Nacional dos EUA].
Quando ocorrerá?
E
quanto ao NAFTA? Quando
candidato, Trump disse que retiraria
os EUA do acordo comercial. Até agora, não apenas nenhuma mudança foi apresentada,
como, de acordo
com o site Vox:
Uma proposta do governo Trump que recentemente
passou a circular no Congresso não parece querer uma transformação radical do
NAFTA. Muito menos quer a sua abolição. Com efeito, todo o texto do documento parece
... construtivo.
A proposta adota um teor surpreendentemente
radiante em relação à importância do livre comércio com os parceiros dos EUA no
NAFTA, Canadá e México, reconhecendo seus "interesses e valores em comum". O
documento contém vários daqueles fraseados convencionais sobre 'acesso ao
mercado' e 'redução das barreiras comerciais' que costumam acompanhar este tipo
de texto.
E, embora haja algumas cláusulas
contra as quais México e Canadá possivelmente protestarão, é notável a ausência
das propostas protecionistas tão defendidas por Trump durante sua campanha, as
quais garantiriam que o acordo fosse revogado.
Essa
agora é de especial interesse para aqueles que imaginavam que Trump atacaria os globalistas e a Nova Ordem Mundial:
O
governo dos EUA pede a remoção de um dos três principais processos de solução de
disputas judiciais sob o NAFTA, conhecido como Capítulo 19, o qual permite a criação
de tribunais internacionais para ajudar a ordenar desavenças acerca de medidas
criadas para punir fraudes comerciais. No entanto, não pede a eliminação do
mais controverso de todos — o sistema de solução de disputas judiciais
envolvendo investidores e governos, o qual permite que investidores processem
governos em tribunais comerciais privados, basicamente concedendo a grandes corporações
o status de países sob a lei internacional.
Por
fim, e quanto às tarifas sobre produtos importados? Ele ainda tem de introduzir
um projeto de lei.
Esta
última, ao menos, está sendo uma louvável reversão de postura.
Qual a surpresa?
Eleições
presidenciais nada mais são do que um show de marionetes. A maioria das
promessas de campanha, para o bem e para o mal, não se concretiza após as eleições.
No
entanto, e curiosamente, as pessoas seguem acreditando em promessas eleitorais
e votando de acordo com elas, aparentemente sem se dar conta de quão pouco as campanhas
e manobras eleitorais têm a ver com os resultados concretos do governo eleito. As
pessoas votam por uma coisa e recebem outra completamente diferente.
Quando
as pessoas vão às urnas, elas não estão votando em políticas específicas (exceto
no caso de um referendo), mas sim em pessoas específicas — as quais, tão logo
eleitas, não estão comprometidas com absolutamente nenhuma promessa. Uma vez no
poder, eles podem fazer o que quiser. Tão logo o poder sobe à cabeça, elas estão
livres para se comportar de qualquer maneira, desde que consigam se safar.
Portanto,
não, Trump não cometeu nenhuma traição eleitoral. Ele simplesmente está dando
continuidade a uma tradição da democracia.
Como
bem disse o Procurador-Geral
John Mitchell (governo Nixon) antes de ir para a cadeia: "Observem aquilo que
fazemos, e não aquilo que falamos".