Morreu, no dia 20 de março de 2017, o bilionário
David Rockefeller. Ele era o último neto vivo do magnata John D.
Rockefeller, fundador da Standard
Oil. Tinha 101 anos de idade.
Por ocasião de sua morte, a revista The Atlantic fez uma excelente
reportagem descrevendo como eram as condições de vida nos EUA em 1915, ano
em que David Rockefeller nasceu. Tomando por base o padrão de vida usufruído
por uma pessoa de classe média hoje, as condições de vida há 100 anos, mesmo para um magnata, eram sombrias,
extenuantes, perigosas e, por que não?, pobres.
(Para você ter uma ideia, em 1924, o filho de 16
anos do então presidente americano Calvin Coolidge faleceu
em decorrência de uma bolha infeccionada em seu dedo do pé, machucado este que
ele adquiriu ao jogar tênis no jardim da Casa Branca.)
Com isso em mente, eis uma pergunta que eu sempre
faço em várias ocasiões, e que sempre gera reações controversas em meus
interlocutores: qual seria a quantidade mínima de dinheiro que você exigiria
para abrir mão de tudo o que você tem hoje, voltar no tempo e viver a vida de
John D. Rockefeller em 1915?
Ou, colocando de outra maneira, se você vivesse em
1915 com um bilhão de dólares em sua conta bancária, você
acha que teria o mesmo conforto e o mesmo padrão de vida que você tem
hoje, com sua renda atual? Você acha que esta volumosa quantia de dinheiro
seria capaz de garantir a você, em 1915, bens e serviços de alta qualidade, de
modo a fazer com que você seja indiferente entre manter sua vida hoje, em 2017,
ou viver como um Rockefeller em 1915?
Pense bem. Sem pressa. E com cuidado.
Comecemos
pelo lado mais ameno e menos importante
Se você fosse um bilionário americano em 1915, você
poderia, obviamente, adquirir imóveis de primeira. Você poderia ter um
apartamente na Quinta Avenida, em Nova York, ou uma casa de praia em frente ao
Oceano Pacífico, em Los Angeles, ou mesmo ter a sua própria ilha tropical em
qualquer lugar do mundo (ou ter os três ao mesmo tempo).
Mas, quando você fosse viajar de Manhattan para a
Califórnia, você levaria dias (em seu trem particular) e teria de atravessar
vários terrenos inóspitos, sem muita opção de lugar para pernoite e sem a
certeza de que haverá restaurantes no caminho (ou seja, você teria de separar
quilos de comida apenas para a sua viagem de dias). E, se essa viagem fosse
feita durante os escaldantes meses de verão, você não teria ar condicionado em
seu vagão. Muito menos teria qualquer opção de entretenimento a bordo.
E, embora você talvez
tivesse ar condicionado em sua casa em Nova York, vários dos locais aos quais
você iria — escritórios, restaurantes, cinema, teatro — não teriam este luxo.
E, no rigoroso inverno, praticamente não haveria calefação.
Viajar para a Europa levaria, provavelmente, mais de
uma semana. Para ir além da
Europa, várias semanas.
Quer enviar com urgência uma encomenda de Nova York
para Los Angeles em apenas um dia? Lamento. Impossível.
Você também não poderia nem ouvir rádio (a primeira
transmissão de rádio só ocorreu em 1920) e nem ver televisão (só a partir de
1935). Você, no entanto, poderia ter uma vitrola
de última geração. (Não era estéreo, porém. E creio que mesmo os atuais
adoradores do vinil iriam preferir ouvir música de um CD à musica tocada por
uma vitrola de 1915). Obviamente, você não poderia baixar na internet as músicas
que quisesse.
Também não havia muitas opções de filmes aos quais
assistir. Você poderia, de fato, construir sua própria sala de cinema em sua
mansão, mas não haveria muito material a ser visto. E, caso conseguisse que
algum estúdio de Hollywood vendesse para você alguma película, esta seria muda
e em preto e branco. (Hoje, você pode baixar gratuitamente vários filmes pela internet,
ou mesmo pagar Netflix ou Amazon Prime para ter acesso a outros filmes e séries).
Você teria um telefone, mas ele seria fixado à
parede. (Não, você não teria nem Skype e nem chamadas via WhatsApp).
Você também teria uma limusine de luxo (ou o equivalente da época), mas as
chances de ela quebrar durante um passeio pela cidade (com motorista) seriam
muito maiores que as chances de o seu carro atual enguiçar quando você está
indo para a academia de ginástica, para o cinema, ou para a aula de ioga. E,
com a limusine enguiçada, você pacientemente teria de esperar, no banco
traseiro, o seu chofer tentar consertar a máquina de improviso, sem poder
telefonar ou mandar mensagem para ninguém avisando que irá se atrasar para um
eventual compromisso.
Mesmo quando estivesse em sua residência em
Manhattan, se você fosse acometido de um súbito desejo por uma culinária mais
específica, como comida tailandesa, vietnamita ou do Oriente Médio, você
estaria sem sorte: é improvável que seu chef
tivesse a mais mínima ideia de como fazer isso. Nem mesmo havia restaurantes
com essas opções em Nova York.
E, ainda que você tivesse o dinheiro para, no
inverno de 1915, abastecer sua despensa em Nova York com frutas, mesmo para um
bilionário como você tal extravagância não valeria a pena. A logística
necessária para fazer com que as frutas chegassem a Nova York ainda frescas
seria cara demais.
Sua conexão wi-fi seria dolorosamente lenta — opa,
espera: não existia isso. Mas, pouco importa, pois você nem sequer teria um
computador (ou um smartphone ou um tablet) e uma internet.
Você, de fato, poderia comprar todos os livros,
enciclopédias e jornais científicos da época, bem como todas as revistas
semanárias e jornais diários. (Haveria muita dificuldade para guardar todos
eles, mas isso é o de menos.) No entanto, o seu acesso à informação, mesmo você
sendo um bilionário, dificilmente seria maior e melhor que o acesso que
qualquer cidadão munido de um smartphone e uma conexão à internet possui hoje.
Para começar, você não teria acesso instantâneo às
notícias. Estas chegariam a você, na melhor das hipóteses, com um dia de
atraso. Se fosse um evento ocorrido na Europa, a informação poderia vir com
mais de uma semana de atraso. Adicionalmente, você não teria nada sob demanda. (Hoje,
ao simples deslizar de um dedo, você tem acesso a toda e qualquer informação
que queira, bem como a milhares de livros e filmes que podem ser
lidos e vistos a qualquer momento. Pode também assistir, gratuitamente, a
vários telejornais.)
Você poderia comprar o mais chique e refinado
relógio suíço da época, mas mesmo ele não conseguiria manter as horas de
maneira tão acurada como faz qualquer relógio barato de hoje (isso sem nem
mencionar o relógio do seu smartphone, que está sempre atualizado).
Coisas
mais sérias e graves
Mesmo a melhor e mais avançada medicina da época era
horrível para os padrões de hoje: tudo era muito mais doloroso e muito menos
eficaz (lembre-se do jovem filho do presidente Coolidge). Antibióticos simplesmente não estavam disponíveis.
Disfunção erétil? Distúrbio bipolar? Aprenda a viver com
isso. Essa era a única opção.
A mulher tinha muito mais chances de morrer durante
o trabalho de parto. E o bebê, muito mais chances de não sobreviver após o
parto. Mesmo tendo sobrevivido ao parto, a criança tinha muito menos chances de
sobreviver à infância, uma vez que a cura para as várias doenças infantis ainda
não havia sido descoberta. Paralisia infantil, tuberculose, difteria, tétano,
coqueluche, meningite, pneumonia, rubéola, sarampo, varicela, hepatite etc. —
tudo isso poderia levar à morte prematura de uma criança.
(Atualmente, não apenas a mortalidade infantil
despencou em decorrência da invenção de remédios e vacinas para todas as
doenças acima, como ainda fetos com problemas pulmonares recebem uma injeção
intra-uterina e o problema é resolvido instantaneamente. Nos últimos 100 anos,
a expectativa de vida aumentou 36 anos.)
Igualmente, por mais que você adorasse o seu labrador,
a sua riqueza não seria capaz de comprar para ele todos os cuidados
veterinários que hoje são rotina em todos os lares que possuem um cachorro. Ele
não viveria muito.
Você poderia pagar um bom dentista, mas os serviços
que ele seria capaz de fazer não eram nada invejáveis pelos padrões de hoje. E
eram extremamente dolorosos. Ademais, a escova de dentes como conhecemos só surgiu em 1938. (Você
poderia, no entanto, comprar as melhores dentaduras da época tão logo seus
dentes apodrecessem e caíssem).
Se suas vistas ficassem ruins, o máximo que você
poderia fazer seria contratar um bom oftalmologista para lhe fazer óculos. Tem catarata ou glaucoma? Que
azar. Apenas se acostume com isso. (Hoje, você cura a sua catarata com um laser
pela manhã e, à tarde, já sai do hospital e volta para casa.)
Métodos anticoncepcionais eram primitivos: não
apenas eram bem menos confiáveis e eficazes, como também reduziam quase que por
completo o prazer. Nada comparável à eficácia dos vários, baratos e altamente
disponíveis métodos anticoncepcionais atuais.
Conclusão
Honestamente, eu não me sinto nem remotamente
tentado a abandonar 2017 e me tornar um bilionário em 1915. Isso significa que
eu, um simples professor universitário, sou hoje, pelos padrões de 1915, mais do que um bilionário. Significa que,
pelo menos dadas as minhas preferências, sou hoje materialmente mais rico que
John D. Rockefeller em 1915.
E se, como creio ser o caso, minhas preferências não
forem atípicas, então praticamente cada indivíduo de classe média é hoje mais
rico do que era o americano mais rico do país há 100 anos.
O que nos leva à grande constatação: todos esses
avanços materiais criados pelo capitalismo resultaram primordialmente no
benefício do cidadão comum. Essas conquistas disponibilizaram para as massas
confortos, luxos e conveniências que não foram usufruídos nem sequer pelos
bilionários de antigamente.
Uma porção desproporcional dos benefícios do capitalismo,
do livre mercado, da inovação, da invenção de novos produtos, do comércio e dos
avanços tecnológicos foi direcionada para o cidadão comum. E ainda há que vitupere tal arranjo.
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