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Economia

Empresas grandes, ineficientes e anti-éticas só prosperam em mercados protegidos e regulados

Governo e grandes empresas: melhores amigos

19/05/2017

Empresas grandes, ineficientes e anti-éticas só prosperam em mercados protegidos e regulados

Governo e grandes empresas: melhores amigos

Em seu livro "O Caminho da Servidão", escrito ainda em 1944, Friedrich Hayek explicou que, quanto maiores e mais reguladores se tornassem os governos, maiores e mais poderosas seriam as grandes corporações.

Para Hayek, quanto maior se tornasse o governo, quanto mais subsídios e protecionismos ele praticasse, mais dominantes seriam as grandes empresas e menos prósperas seriam as pequenas e médias empresas.

A economia seria cada vez mais dominada por grandes empresas quanto mais poderoso, protecionista e regulador se tornasse o governo.

Vale enfatizar que Hayek explicou e previu tudo isso em uma época em que havia pouquíssimas corporações.

O problema

Em primeiro lugar, ser bem-sucedido em um ambiente concorrencial é um feito que não traz nenhuma garantia de continuidade. Se uma determinada empresa começa a apresentar altas taxas de lucro em um determinado mercado, a notícia rapidamente se espalha e, consequentemente, vários outros empreendedores ávidos por estes altos lucros irão adentrar este mercado para tentar se apossar de uma fatia destes lucros.

Ato contínuo, a única maneira de esta empresa pioneira tentar manter sua fatia de mercado é ou reduzindo preços ou melhorando a qualidade de seus bens e serviços. Dado que nem sempre é possível introduzir melhorias na qualidade em um espaço de tempo tão pequeno -- a entrada da concorrência sempre é rápida --, a opção inicial é pela redução de preços.

Mas, para se reduzir preços, é necessário reduzir custos: caso contrário, as margens de lucro ficam apertadas.

Se a empresa for eventualmente bem-sucedida em cortar custos, ela conseguirá manter sua margem de lucro. Só que essa margem de lucro continuamente alta servirá para atrair ainda mais empresas para este mercado, aumentando ainda mais a concorrência.

Inevitavelmente, em algum momento essa nova concorrência eliminará de novo os altos lucros, forçando a empresa pioneira a recomeçar todo o processo.

Sob este arranjo de livre concorrência, no qual o governo não concede subsídios, não impõe tarifas protecionistas para proteger determinadas indústrias, e não garante reservas de mercado por meio de agências reguladoras, apenas aqueles empresários competentes -- aqueles que souberem antecipar corretamente as variadas e variáveis demandas dos consumidores, e que forem capazes de investir adequadamente seu capital de modo alcançar este objetivo -- é que irão se dar bem.

O livre mercado, portanto, é um arranjo bastante incerto, hostil e variável, no qual poucos empresários podem se sentir permanentemente confortáveis. 

Desnecessário dizer que tal arranjo é ótimo para os consumidores, mas é uma dor de cabeça para empreendedores. Muito mais tranquilo seria simplesmente abolir todo este processo concorrencial.

E é aí que entra o governo.

Governo e grandes empresas: melhores amigos

Tendo em mente a dureza e a falta de sossego geradas pelo cenário acima descrito, o que você faria se fosse um empresário rico e com boas conexões políticas? O óbvio: você recorreria ao governo e pediria para que tal cenário de livre concorrência fosse restringido ao máximo. Você não quer a falta de sossego da concorrência pesada; você quer a tranquilidade da reserva de mercado.

Por isso, sejamos diretos: o que a grande maioria dos empresários realmente deseja é que o estado lhes proteja desta "concorrência selvagem" e lhes assegure uma reserva de mercado e uma fatia garantida de lucro, a qual lhes permita desfrutar a vida sem dores de cabeça e sem constantes preocupações acerca de como melhorar seus serviços aos consumidores. 

E qual a maneira de o estado fazer isso? Concedendo subsídios (ou empréstimos subsidiados com os impostos da população) que deem vantagem de mercado para estas grandes empresas, tarifas protecionistas que protejam estes empresários da concorrência de importados, e agências reguladoras que cartelizem o mercado e dificultem a entrada de novos concorrentes.

Esses são os benefícios mais diretos e mais fáceis de serem percebidos. Mas há também aquelas regulamentações que, à primeira vista, parecem ir contra os interesses das grandes empresas, mas que, na realidade, são grandes aliadas. 

Por exemplo, os impostos. Mesmo uma carga tributária alta ou um código tributário confuso e complexo podem ser do interesse dos grandes empresários: ambos não apenas impedem que novas empresas surjam e cresçam, como ainda representam um grande custo para as pequenas empresas já existentes. Ao passo que as grandes empresas, recheadas de contadores e tributaristas, conseguem navegar com facilidade pelos labirintos do emaranhado tributário, as pequenas empresas, que têm uma folha de pagamento menor e não podem se dar ao luxo de contratar contadores experientes e caros, dificilmente sobreviverão a esta etapa. Seguidas vezes cairão na "malha fina" da Receita e serão chamadas de "sonegadoras criminosas".

Até mesmo as regulamentações sanitárias servem para criar reservas de mercado: ao passo que sai barato aplicar regras da Vigilância Sanitária para mais uma cozinha padronizada de McDonald's, as mesmas exigências são proibitivas para uma pequena lanchonete ou um food truck.

Ou, como recentemente ocorreu no Brasil, ao passo que imposições do Ministério da Agricultura podem ser proibitivas para pequenos produtores rurais e pequenas empresas do ramo, as grandes e poderosas podem simplesmente subornar os fiscais.

Com efeito, a própria imposição governamental de padrões de qualidade uniformes representa uma forma de cartelização do mercado: tal imposição dispensa as empresas de concorrer entre si em relação à qualidade. E quando os padrões de qualidade exigidos são artificialmente elevados, os concorrentes de menor capacidade e de preço mais baixo perdem lugar no mercado.

Por fim, e não menos importante: quanto maior uma empresa se torna, mais ineficiente ela tende a ser. Se uma empresa cresce além de seu ponto ótimo, seus custos unitários de produção tendem a subir. Consequentemente, esta empresa estará abrindo as portas para potenciais concorrentes invadirem seu território, produzirem a custos mais baixos e, com isso, reduzirem esta empresa novamente ao seu tamanho ótimo.

Por isso, em um mercado genuinamente livre e concorrencial, as chances de existirem várias grandes empresas são extremamente baixas. Ironicamente, as grandes empresas fracassariam pelos mesmos motivos por que estados grandes fracassam: além de sua burocracia se tornar grande demais, torna-se impossível gerenciar uma mega-corporação desde uma localização central.

A capacidade das grandes empresas de explorar as economias de escala é limitada em um livre mercado: ao ultrapassar certo ponto, os benefícios do tamanho (por exemplo, menores custos de transação) são sobrepujados pelas deseconomias de escala (ineficiências e maiores custos de produção).

A única instituição que pode impedir que isso ocorra é, obviamente, o estado, que pode proporcionar a esta empresa a possibilidade de socialização desses custos ao blindá-la contra a concorrência: por exemplo, intervindo no mercado e estabelecendo impostos, exigências ambientais, exigências para licenciamento e para capitalização, e outros fardos regulatórios que exercem um impacto desproporcional sobre novas empresas, bem mais pobres quando comparadas a empresas ricas e já estabelecidas. 

Além de, obviamente, garantir as reservas de mercado desta empresa por meio de fartos subsídios ou empréstimos subsidiados por impostos.

Não se deixe enganar pelas aparências

Quando o assunto é regulamentação, as grandes sempre estarão do lado do governo. E sempre terão a mais bela das intenções: garantir a qualidade do serviço e a segurança do consumidor. Elas sabem que o custo extra, se existir, será compensado com o mercado cada vez mais padronizado e centralizado em suas mãos.

Ao passo que os leigos vêem o aparato regulatório e todas as regulamentações como sinônimo de restrição ao poder das grandes empresas, a realidade é que tais regulamentações são as maiores aliadas das grandes empresas contra eventuais ameaças de concorrência trazida pelas pequenas empresas.

E essa relação de simbiose traz benefícios mútuos: ao ajudar a criar grandes empresas, o governo alcança seu objetivo. Como?

Um governo inchado e intruso sempre almejou a um objetivo supremo: controlar a economia e as pessoas. Estando o mercado dominado por grandes empresas -- que se mantêm graças ao governo --, políticos e burocratas precisam apenas lidar com os grandes empresários, por meio de acordos escusos, para alcançar seu sonho do controle e do planejamento central.

Se o mercado fosse dominado por milhões de pequenas empresas independentes, seria praticamente impossível políticos e burocratas exercerem tanto controle sobre o mercado. É impossível efetivamente regular e controlar milhões de pequenas empresas geridas localmente. Qualquer tipo de controle ou planejamento central seria impossível em uma economia repleta de pequenas empresas gerenciadas por indivíduos ou famílias.

Já com uma economia cada vez mais cartelizada sob o comando do estado, o controle efetivo da economia depende de negociações com apenas um punhado de megaempresários. Por isso, social-democratas adoram uma economia formada por grandes empresas, sendo seus maiores fomentadores.

Um dos maiores mitos -- para não dizer "a maior falácia" -- do debate econômico é a ideia de que, se o governo for eliminado ou for substantivamente reduzido, as grandes empresas "tomariam o controle" e "governariam o mundo". A realidade é exatamente oposta: sem um governo para fornecer proteções e privilégios às grandes empresas, estas simplesmente não existiriam. Existindo, seriam poucas.

Conclusão

Uma economia repleta de grandes empresas que dominam vários setores da economia é um arranjo 100% criado pelo governo. Sem todos os direitos especiais, subsídios, protecionismos e privilégios concedidos pelo governo a grandes empresas amigas do regime, pequenas empresas teriam muito mais liberdade e facilidade para surgir e entrar em qualquer mercado.

Apenas olhe ao seu redor. Todos os cartéis, oligopólios e monopólios da atualidade se dão em setores altamente regulados pelo governo (setor bancário, aéreo, telefônico, alimentício, elétrico, televisivo, TV a cabo, internet, postos de gasolina etc.). Quem cria cartéis, oligopólios, monopólios e reservas de mercado, garantindo grandes concentrações financeiras, é exatamente o estado, seja por meio de regulamentações que impõem barreiras à entrada da concorrência no mercado (via agências reguladoras), seja por meio de subsídios a empresas favoritas, seja por meio do protecionismo via obstrução de importações, seja por meio de altos tributos que impedem que novas empresas surjam e cresçam.

O livre mercado não apenas não é pró-grandes empresas, como, ao contrário, é a maior -- e única -- ameaça à proliferação e manutenção de grandes empresas.

Por si só, não há nada de errado com grandes empresas. O problema é que, no arranjo econômico atual, as grandes empresas são produto direto de subsídios, protecionismos e vários outros benefícios criados pelo governo, inclusive impostos e regulamentações (que facilitam o domínio dos grandes ao punir os pequenos).

Empresas grandes e já estabelecidas têm mais capacidade e mais recursos para atender regulações minuciosas e onerosas. Empresas pequenas, que querem entrar naquele mercado mas que ainda não possuem muitos recursos financeiros, não têm essa capacidade. 

Empresas grandes podem contratar lobistas (ou podem simplesmente subornar políticos) para elaborar padrões de regulação que elas já atendem ou que podem facilmente atender, mas que são impossíveis de serem atendidos por empresas pequenas e recém-criadas. 

Empresas grandes podem subornar fiscais e burocratas. Empresas pequenas não têm essa capacidade financeira.

Empresas grandes têm acesso fácil a subsídios e a empréstimos subsidiados com o dinheiro de impostos. E não apenas porque têm mais capacidade de quitar esses empréstimos, como também porque o benefício auferido por elas é mais facilmente perceptível aos olhos da população, o que pode se traduzir em maior popularidade para os governantes.

Por fim, regulações fazem com que o estado, por meio de suas licenças, conceda respeitabilidade a empresas escroques e impeça que empreendedores sérios e genuinamente competentes possam servir livremente os consumidores. Regulações impedem a formação de uma genuinamente boa reputação comercial, aquela que só se consegue por meio das preferências voluntariamente demonstrada por consumidores no livre mercado. 

Regulações, em suma, são a mais insidiosa maneira de se abolir a livre iniciativa, de garantir uma iniciativa privada ineficiente, de impedir a proliferação de pequenas empresas, e de inundar o mercado com empresas grandes, ineficientes e insensíveis às demandas dos consumidores.

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Leituras complementares:

Por que o BNDES deve ser abolido

A "Carne Fraca" pergunta: quem regula os reguladores?

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Juan Ramón Rallo, diretor do Instituto Juan de Mariana e professor associado de economia aplicada na Universidad Rey Juan Carlos, em Madri.  É o autor do livro Los Errores de la Vieja Economía.

Leandro Roque, o editor e tradutor do site do Instituto Ludwig von Mises Brasil.

Joel Pinheiro da Fonseca, mestre em filosofia pela USP e economista pelo Insper.


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