O presidente do Ludwig von Mises Institute, Lew
Rockwell, cunhou aquilo que hoje é batizado como a Lei de Rockwell: "Sempre acredite no oposto daquilo que o
governo diz, e sempre faça o oposto daquilo que ele recomenda."
Não tem erro.
Primeiro, nosso comediante-em-chefe disse que a maior
crise dos últimos setenta anos iria chegar ao Brasil como uma "marolinha",
sobre a qual iríamos "esquiar" com tranquilidade e desenvoltura. Ok, ninguém deu muita bola porque ninguém
naturalmente leva as metáforas do sujeito a sério.
Três meses e um milhão de empregos a menos depois, a
alta cúpula, o presidente e a ministra-futura-candidata garantiram que o país
cresceria 4% em 2009. (O fato de que o
crescimento de uma economia é o resultado da interação diária e voluntária de
milhões de pessoas e que, exatamente por isso, é algo um tanto bizarro prever
com convicção qual será o resultado numérico disso, é um detalhe que devemos
ignorar. Não vamos perder a crença na
infalibilidade "daqueles que nos guiam").
Após os 4%, a "promessa de crescimento" minguou para
3, 2 e atualmente está em 1,2% (estimativa da agência que planifica a economia,
também chamada de Banco Central). Algumas
agências internacionais preveem crescimento nulo, enquanto outras juram que
será negativo.
Outra coisa que o nosso guia prometeu não fazer é tungar
a caderneta de poupança dos mais pobres, mexendo apenas "na poupança dos ricos"
(assunto que será tratado mais abaixo).
Feito todo esse preâmbulo de obviedades, peço ao
amável leitor um pouco de paciência.
Mais pra frente deixarei claro onde quero chegar. Antes, uma voltinha pelo mundo.
Rodando
Nos EUA, acaba de ser aprovado o orçamento do governo
americano para o ano fiscal de 2009: meros 3,55 trilhões de dólares. Tal quantia inimaginável não será - e nem tem
como ser - financiada totalmente por impostos.
Também é duvidoso que o governo americano, completamente quebrado, vá
conseguir tal volume de empréstimos (recentemente, Hillary Clinton foi à China
implorar aos chineses para que continuem comprando títulos da dívida
americana. Apenas se os chineses forem
muito otários. A China é o maior credor
dos EUA e sabe perfeitamente bem que jamais irá reaver o dinheiro que
emprestou).
Sendo assim, grande parte desses 3,5 trilhões virá
mesmo da impressora do Federal Reserve.
Quem detém o controle da criação do dinheiro, detém o poder. Foi exatamente por isso que, após surgir
naturalmente no mercado como sendo o melhor meio de troca (moeda), o ouro foi
nacionalizado pelo estado e, finalmente, abolido. Afinal, ninguém pode imprimir ouro sempre que
quiser. E isso é intolerável para o
estado. Enquanto a moeda for um simples papel sem lastro, os burocratas podem falar de regulação financeira o quanto quiserem. As crises seguirão impávidas.
Mas estou divagando... Volto.
Dado que esse valor será impresso pelo Fed, é seguro afirmar
que não haverá a mínima chance de recuperação econômica sustentável (como os
leitores habituais desse site sabem, imprimir dinheiro para estimular a demanda
tem como conseqüência inevitável a geração de maus investimentos - exatamente o
que deve ser evitado nesse momento crítico da economia mundial). Qualquer melhora de curto prazo que os
indicadores americanos porventura venham a apresentar, será apesar - e não por causa - desse estímulo.
Ainda assim, é opinião deste instituto que os indicadores econômicos
ainda vão piorar bastante antes de melhorar.
Outra notícia que chamou a atenção: Obama recentemente
"demitiu" o presidente da GM. Sim, a
mídia reportou que Obama "pediu" a Rick Wagoner que renunciasse. Mas o fato é que o governo americano é quem
está gerindo a GM agora, o que significa que daqui a pouco ela poderá passar a
se chamar Presidential Motors. Slogan:
"Uma empresa que será administrada da mesma forma que Obama administra a
América!".
Como disse o humorista Jay Leno: "De acordo com o
governo, Rick Wagoner foi forçado a renunciar por causa de sua fraca
performance. Isso é constrangedor. Você administra uma organização que perde
bilhões de dólares e então é demitido por um cara que lidera uma organização
que perde trilhões de dólares".
E não para por aí.
O presidente chinês e líder do Partido Comunista da China, Hu Jintao,
andou dando pito nos americanos, dizendo que eles devem ter mais disciplina
fiscal; o primeiro-ministro da República Tcheca, Mirek Topolánek, afirmou que a
gastança de Obama é o "caminho para o inferno".
Até Angela Merkel, chanceler da socialdemocracia alemã, já disse que
anda duvidando de que gastos
governamentais possam recuperar uma economia (em companhia de Pedro Solbes,
ministro das finanças espanhol). Nesse
ritmo, daqui a um ano, apenas Paul Krugman e Obama continuarão acreditando
nesse conto de fadas keynesiano.
Por fim, vale à pena conferir o vídeo em que Daniel Hannan,
membro do Parlamento Europeu e representante da área sudeste da Inglaterra,
deixa Gordon Brown em escombros, dizendo que ele, além de ser um sujeito
dissimulado, tornou-se também "o depreciado primeiro-ministro de um governo
depreciado" (esse vídeo
possui legendas em inglês, fácil de entender).
A melhor frase: "O
senhor não pode continuar eternamente esmagando o setor produtivo da economia para
financiar um inchaço sem precedentes do setor improdutivo. O senhor não pode sair de uma recessão
através da gastança ou do endividamento... O senhor parece um burocrata da era
Brejnev definindo as diretivas."
Ou seja: os dois principais líderes do mundo ocidental
estão tomando reprimendas de todos os lados - e lados ideologicamente
distintos. A política adotada pelos EUA
e pelo Reino Unido é uma unanimidade: desagrada a todos (fato revelado por
recentes pesquisas de opinião: enquanto Brown teria dificuldades em se eleger
vereador, Obama já despencou para a casa dos 50% de aprovação, coisa até então
impensável para o ungido).
O encontro do G-20, ocorrendo neste momento, muito
provavelmente seguirá a cartilha
definida por Gary North: sorrisos, elogios mútuos, alguns pacotes, muitas
promessas e palavras de consolo; daí todo mundo volta pra casa. Haverá recuperação momentânea nos mercados
financeiros, porém serão apenas movimentos especulativos. Em menos de uma semana, quando os lucros já
tiverem sido realizados, as bolsas voltarão a cair.
Voltando
E o Brasil? As
últimas ocorrências não são muito alvissareiras.
Como Ludwig von Mises já explicou, uma expansão
econômica artificial, como a que o Brasil acabou de vivenciar, provoca um
efeito psicológico maléfico nas pessoas.
Acostumadas com o crescimento anormal, elas passam a crer que este será
duradouro - ou que, na pior das hipóteses, pelo menos será longevo.
Sendo assim, quando o crescimento é interrompido e a
recessão (correção) se estabelece, o baque psicológico é forte. As pessoas se recusam a aceitar que o período
da bonança acabou e que é chegada a hora da correção. Com o desemprego crescendo, elas exigem do
governo ações que supostamente fariam com que o anterior nível de atividade
econômica fosse restabelecido. Elas
realmente creem que aquele nível de crescimento é perfeitamente sustentável,
bastando apenas alguns estímulos do governo.
O que parece não ocorrer ao governo brasileiro e
também a boa parte da imprensa, é que os bons números macroeconômicos que o
Brasil apresentou em 2007 e 2008 eram absolutamente fictícios, impossíveis de
serem sustentados por muito tempo.
Nossos números só foram bons porque a economia mundial passava por um
período de expansão - também artificial - sem qualquer precedente em sua
história. É isso que ninguém parece
aceitar.
Por exemplo: desde 2003, quando houve mudança na
metodologia de medição do IBGE, o desemprego raramente ficou abaixo de
9,5%. Porém, entre 2007 e 2008, ainda
dentro do período da bonança mundial, o desemprego ficou constantemente abaixo
dessa cifra, sendo que em 2008 ele variou entre 8,7% e 6,8%.
Ora, um país em que o mercado de trabalho é fortemente
regulado, com encargos sociais e trabalhistas que podem chegar a incríveis 102%
da folha de pagamento (ver mais aqui),
com uma carga tributária perto de 40% do PIB e crescendo, e com uma justiça
trabalhista que sempre dá ganho de causa para o empregado (o que deixa qualquer
um inseguro de contratar), a taxa de desemprego cair a níveis historicamente
baixos foi um contrassenso. Era óbvio
que, infelizmente, tratava-se de uma anomalia.
Como explicitado
nesse artigo, essa anomalia só foi possível devido à forte expansão
monetária havida no Brasil, que por sua vez só foi possível por causa da forte
expansão monetária conjunta que houve no mundo.
Ainda assim, as pessoas e o governo passaram a
acreditar que tal nível de atividade e tal (baixo) nível de desemprego, mesmo
em um país com todas as restrições acima, eram sustentáveis e seriam constantes
dali pra frente. Pelo discurso atual do
governo, pode-se ver que os planejadores da economia seguem pensando ser
possível o desemprego ficar abaixo dos 9% indefinidamente, bastando para isso
"vontade política". (Não sei se no
íntimo eles já sabem que os tempos são outros; tudo o que posso fazer é
analisar o discurso).
Não bastasse todo o cenário econômico desanimador,
saiu a notícia de que as contas públicas deram déficit primário em fevereiro. O que isso significa?
Até janeiro de 2009, o governo era capaz de custear
seus gastos correntes (gastos para manter a máquina e todos os seus programas,
exceto pagamento de juros da dívida) apenas com a arrecadação de impostos. Para pagar os juros da dívida, o governo
lançava mais títulos. Ou seja: ele se
endividava para pagar uma dívida. Isso
não é bom, mas num cenário de forte crescimento mundial os danos trazidos por
tal método ficam apequenados.
Agora entramos numa fase em que a arrecadação de
impostos é insuficiente até para pagar os gastos correntes do governo.
Por que aconteceu isso? Além da queda na atividade econômica - o que
inevitavelmente reduz a arrecadação - o governo não quis contrariar a sua forte
base de apoio: o funcionalismo público.
Uma classe para a qual o tempo nunca está ruim, eles acabaram de ganhar
um generoso aumento, aumento esse que até poderia ser sustentável durante a
bonança (mesmo que isso significasse o arrocho do setor privado), mas que nesse
período de recessão será catastrófico para as contas públicas. Além do gasto com o funcionalismo (ativo e
inativo), os gastos com a mais mortífera bomba-relógio de todas - a Previdência
Social - também foram expressivos.
O economista José Roberto Afonso, especialista em
contas públicas, disse em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo que
"O aumento das despesas de pessoal ativo e inativo e
da Previdência Social... é responsável por 47% da deterioração [das contas
públicas], mais do que os 45% que podem ser atribuídos à queda da arrecadação
tributária (...). A despesa de pessoal ativo e inativo da União foi responsável
por um ponto porcentual da perda de superávit entre os dois bimestres, e as do
INSS por 0,6 ponto porcentual. Juntas, portanto, estas despesas de caráter
permanente correspondem a 1,6 ponto porcentual do PIB, ou 47% da deterioração.
Isto é mais do que a perda de receita entre os dois períodos, que foi de 1,53
ponto porcentual do PIB, ou 45% da deterioração. A piora, portanto, é mais
explicada por gastos do governo do que pela perda de arrecadação com a
recessão."
O que tudo isso significa?
Para cobrir esse rombo (que, ao que tudo indica, veio
pra ficar), o governo tem quatro opções: (1) aumentar a arrecadação, (2) cortar
gastos, (3) imprimir dinheiro ou (4) endividar-se (lançando títulos para
financiar seus déficits).
A opção número (1) resume-se basicamente a aumento de
impostos. Não apenas é uma opção
impopular, como também suicida durante uma recessão. Dado que o governo baixou as alíquotas do IPI
para automóveis, motos e vários aparelhos domésticos, não parece ser esse o
curso que o governo vai adotar. Sim, para compensar essa perda, houve aumento
do IPI do cigarro.
O ministro Mantega disse que isso seria bom porque
desincentivaria as pessoas a fumar. De
acordo com o preclaro: "É bom para a saúde daqueles que fumam porque vão
sentir no bolso, mas é melhor que eles sintam no bolso do que no pulmão (...).
Com essa decisão, estamos caminhando em direção daquilo que outros países estão
fazendo, que é desestimular o consumo de cigarros. E, com o dinheiro que vamos
arrecadar, nós estaremos pagando a conta dessas outras medidas que estamos
tomando." Ora, mas se ele
aumentou o imposto justamente para aumentar a arrecadação, então ele não pode
estar querendo que as pessoas parem de consumir cigarro. E, sendo assim, ele não pode estar preocupado
com a saúde do cidadão. Como podem ver,
tudo no estado é deformado. Até a
linguagem.
A opção 2 é a única correta e sustentável. Justamente por isso, é a única que não será
feita. Cortar gastos (com o concomitante
corte de impostos, se possível no mesmo montante do corte de gastos) significa
extinguir ministérios, cortar aposentadorias de marajás, subsídios, salários de
servidores, acabar com lobistas, com a aposentadoria integral... Enfim, nem vou
perder tempo aqui, pois sei que o leitor não está interessado em ficção.
A opção 3 era a que vinha sendo feita
abundantemente. Lembro-me que, de 2004
até o início de 2009, a
arrecadação aumentava constantemente em relação ao PIB. A oposição - o que inclui alguns setores da
imprensa - fazia alarde: "Viram só? O
governo está aumentando impostos!". Os
políticos e jornalistas da situação, que entendem tanto de economia quanto os
da oposição, retrucavam: "Ah, é? Citem um único imposto que subiu?". E aí o
debate acabava.
De fato, não houve aumento de impostos entre 2005 e
2008 (houve até algumas desonerações). Contudo, a arrecadação em relação ao PIB
cresceu continuamente. Por quê? Ora, porque o Banco Central estava expandindo
a base monetária (novamente, veja um relato completo nesse artigo). Se você imprime dinheiro em um cenário de
crescimento econômico, o volume arrecadado inevitavelmente aumenta. E como a inflação de preços é sempre menor
que a inflação monetária, o resultado é que a arrecadação em termos reais (isto
é, já descontada a inflação de preços) será inevitavelmente crescente. Por outro lado, se a economia desacelerar,
tal artifício não surtirá efeito (haverá apenas inflação de preços). O fato de a imprensa não ter feito essa
interpretação (eu, pelo menos, não vi), mostra bem o conhecimento que ela tem sobre teoria monetária.
Finalmente, a opção 4 é a mais provável. O governo vai aumentar sua emissão de títulos
para com isso seguir financiando suas atividades. Quais as conseqüências?
Em primeiro lugar, ele terá de convencer as pessoas a
comprar seus papeis, o que pode significar juros mais altos. Como isso ninguém quer, o Banco Central terá
de imprimir mais dinheiro para forçar a baixa dos juros. Se a economia não se recuperar nesse ínterim,
haverá uma perigosa inflação de preços, bem como os maus investimentos
tipicamente empreendidos em cenários de juros artificialmente baixos.
Outro grande problema é que, dada a abundância de
economistas keynesianos dentro do governo, é possível que tal grupo convença
nossos guias de que é importante gastar muito durante uma recessão (ignore o
fato de que tal artifício tem sido um retumbante fracasso em todos os lugares em que
está sendo tentado). Segundo a
lógica torta desses acadêmicos, faz perfeito sentido o governo se endividar
para gastar. Ou seja: se o governo
retirar dinheiro de um setor e gastar esse dinheiro em outro setor
(provavelmente um setor que tenha fortes lobistas), toda a economia irá crescer
e todo mundo irá magicamente enriquecer.
É a mesma coisa de dizer que, se você tirar água da parte mais funda da
piscina e jogá-la na parte mais rasa, o volume total da piscina irá
aumentar. A lógica é idêntica.
Para agravar ambos os cenários acima, a queda da SELIC
tornou a caderneta de poupança bem atrativa (rende quase o mesmo tanto, não tem
incidência de imposto de renda e nem taxa de corretagem), o que significa que
diminui o interesse do público em financiar as extravagâncias do governo. Obviamente, o governo já estuda maneiras de
acabar com a brincadeira.
O que ele pretende é diminuir na canetada o valor do
rendimento da poupança e, com isso, obrigar as pessoas a comprar seus títulos
(tanto na forma de Tesouro
Direto ou através de qualquer aplicação bancária em renda fixa). Se o governo não pode contar com o
financiamento voluntário, esteja certo de que ele irá partir para o coercivo.
Os pequenos poupadores, aqueles que não têm tempo nem
conhecimento sobre mercado financeiro, e que por isso sempre preferiram deixar
seu dinheiro na poupança, são os que pagarão o faisão.
Lula disse que vai analisar bem antes de tomar uma
decisão e que não vai prejudicar o pequeno poupador. Aplicando a Lei de Rockwell, você sabe exatamente
o que ele vai fazer.