Esse site usa cookies e dados pessoais de acordo com os nossos Termos de Uso e Política de Privacidade e, ao continuar navegando neste site, você concorda com suas condições.

< Artigos

Economia

Com sua medida, Trump acabou de garantir que quem irá pagar pelo muro são os americanos

Uma tarifa significa que os produtores e consumidores americanos também arcarão com o fardo

27/01/2017

Com sua medida, Trump acabou de garantir que quem irá pagar pelo muro são os americanos

Uma tarifa significa que os produtores e consumidores americanos também arcarão com o fardo

Nota do Editor

Donald Trump prometeu que iria construir um muro na fronteira entre EUA e México para barrar a entrada de imigrantes ilegais. Até aí, tudo bem. Se o governo americano quer construir um muro em seu território, isso é algo que deve ser resolvido entre ele e a população americana. Caso haja consenso, eles são livres para fazê-lo e ninguém mais tem nada com isso.

Mas Trump foi além e disse que o México é quem irá pagar pelo muro. Bom, aí a história muda. Querer espetar a conta de uma construção em território americano sobre a população de outro país beira o escárnio.

Mas ainda pior foi a "justificativa econômica" dada por Trump. Segundo ele, dado que os EUA têm um déficit comercial de US$ 60 bilhões com o México, isso representa uma perda econômica para o país. Logo, nada mais natural que o governo mexicano tribute seus cidadãos para pagar pela construção do muro. Veja os seus tweets:

trumptweets.png

O argumento é completamente asinino e demonstra total desconhecimento sobre conceitos básicos de economia.

Para começar, Trump cita a perda de empregos. Só que a produção industrial americana está próxima de seus níveis recordes, como mostram as próprias estatísticas publicada pelo Federal Reserve. Portanto, sua alegação não faz sentido.

Em segundo lugar, e mais importante, não existe isso de déficit comercial "entre países"; o que existe é uma população produzindo e outra população comprando. Os americanos compram dos mexicanos US$ 60 bilhões a mais do que os mexicanos compram dos americanos. Até onde se sabe, trata-se de uma ação completamente pacífica e voluntária. Os americanos voluntariamente compram produtos fabricados pelos mexicanos. Ninguém os obriga a isso. Nenhum americano é coagido a isso. Nenhum americano é agredido por isso.

Assim como você possui um "déficit comercial" com o supermercado que você frequenta ou com o restaurante em que você almoça -- ambos os quais lhe fornecem bens e serviços em troca do seu dinheiro --, os americanos possuem essa mesma relação com os mexicanos, que lhes fornecem bens e serviços em troca de dinheiro. Qual exatamente é o problema com este arranjo?

Segundo Trump, tal relação mútua e pacífica entre cidadãos americanos (compradores voluntários) e cidadãos mexicanos (vendedores voluntários) é deletéria para os EUA e deve ser revertida. Trata-se do perfeito exemplo da mentalidade mercantilista, que acredita que, em uma transação comercial, só o lado vendedor ganha, e o comprador só perde.

O curioso é que, se este raciocínio realmente for levado a sério, jamais deveria haver uma única transação comercial na história do mundo. Quem iria comprar algo, se comprar é sinônimo de perder?

Este, aliás, é o problema de se ver a economia como apenas uma massa agregada de números, ignorando o indivíduo. Transações que, em nível individual, são benéficas para ambos os lados, repentinamente tornam-se deletérias quando analisadas agregadamente. Algo completamente sem sentido.

Em todo caso, é relativamente fácil entender a mente de Trump: dado que o mundo empresarial é um mundo competitivo, no qual para um empresário ganhar uma fatia de mercado outro empresário tem de perder essa mesma fatia de mercado, Trump se acostumou a ver todo o mundo como um jogo de soma zero. Consequentemente, ele apenas transportou essa sua visão do mundo empresarial para o mundo real: ele acredita que aquilo que ocorre entre empresários concorrentes é exatamente o mesmo que ocorre entre pessoas interagindo pacífica e voluntariamente.

Por isso, Trump acredita que, se impedir essa relação voluntária entre americanos e mexicanos, os americanos sairão ganhando. Ato contínuo, e este é o tema do artigo abaixo, Trump está ameaçando tributar pesadamente os produtos mexicanos, e está dizendo que usará esse dinheiro para construir o muro.  Na mente de Trump, isso equivale a fazer o México pagar pelo muro. Já no mundo real, embora as empresas mexicanas realmente irão se estrepar, a conta também será espetada nos próprios americanos, que acabarão pagando pelo muro direta e indiretamente.

______________________________________________

Toda a imprensa já está relatando que o presidente americano Donald Trump planeja impor uma tarifa de importação de 20% sobre os produtos mexicanos importados pelos americanos. Trump disse que essa é a maneira de fazer o México pagar pelo muro.

A ironia é que, embora Trump tenha insistido durante toda a sua campanha presidencial que o "México irá pagar" por esse projeto, tal medida garante que serão os americanos que irão arcar com os custos caso sejam forçados a pagar mais caro pelos bens mexicanos que entram nos EUA.

A retórica utilizada por Trump em sua campanha demonstrou, e de forma constante, que ele ignora conceitos básicos sobre a própria natureza do comércio. Ao passo que Trump constantemente se refere ao comércio em termos militaristas como "ganhadores e perdedores", o livre comércio sempre é benéfico para ambos os lados. Embora Trump frequentemente invoque o "déficit comercial" que os EUA têm com o México, tais déficits não têm motivo nenhum para ser temidos.

Preocupar-se com o déficit comercial do seu país em relação a outros países faz tanto sentido quanto você se preocupar com o seu déficit comercial em relação à sua padaria. "Déficit comercial" foi um dos piores termos já inventados na economia, pois soa muito parecido com "déficit orçamentário", o qual, este sim, é ruim.

Imagine uma fronteira internacional entre você e o seu supermercado. Uma vasta quantia do seu dinheiro flui em uma direção e uma vasta quantia de alimentos e produtos domésticos flui na direção oposta. Isso é motivo para preocupação? Você tem um enorme déficit comercial com o supermercado, mas nada parece estar errado ou disfuncional. Muito pelo contrário: a troca comercial deixa você em melhor situação. Você não a faria caso ficasse em pior situação.

Consequentemente, encarecer os produtos do supermercado ou mesmo dificultar a aquisição deles irá apenas prejudicar você.

E é aí que Trump entra. Se ele realmente implantar essa tarifa de 20%, quais produtos irão encarecer para os americanos?

Em 2015, estes foram os principais bens comprados pelos americanos do México:

  • Veículos (US$ 74 bilhões)
  • Máquinas elétricas (US$ 63 bilhões)
  • Maquinário (US$ 49 bilhões)
  • Instrumentos óticos e médicos (US$ 12 bilhões)

Os americanos tambem importaram uma grande quantidade de comida, bebidas e bens agrícolas, como:

  • Vegetais frescos (US$ 4,8 bilhões)
  • Frutas frescas (US$ 4,3 bilhões)
  • Vinho e cerveja (US$ 2,7 bilhões)
  • Salgadinhos e doces (US$ 1,7 bilhão)
  • Frutas e vegetais processados (US$ 1,4 bilhão)

Uma tarifa, no final, é uma apenas um termo mais elegante para "imposto". E, assim como qualquer imposto, uma tarifa aumenta os custos dos bens e serviços para o consumidor, ao mesmo tempo em que limita sua escolha.

No caso da tarifa de Trump, ela recairá não apenas sobre os consumidores americanos, mas também sobre os produtores americanos que utilizam alimentos, veículos, produtos eletrônicos, alimentos e instrumentos médicos importados do México (como restaurantes, transportadoras, firmas médicas e qualquer empresa que utilize automóveis). Estes agora arcarão com custos de produção maiores.

Consequentemente, os produtores americanos terão duas alternativas: ou aumentam os preços, prejudicando todos os consumidores americanos, ou mantêm os preços e arcam com margens de lucro menores. Só que margens menores significam menos produção e menos mão-de-obra contratada (o exato oposto do que pretende Trump).

No final, consumidores e trabalhadores americanos sofrerão. Os únicos que podem se beneficiar de algo será aquela ínfima minoria de trabalhadores americanos que concorre diretamente com os manufaturados mexicanos. Todo o resto da população americana verá um declínio em seus salários reais à medida que os custos e preços forem subindo.

No início desta semana, Trump havia feito o certo ao rejeitar o Acordo Transpacífico de Cooperação Econômica (TPP), um calhamaço de mais de mil páginas que impunha e especificava inúmeras regulamentações para os participantes, e que nada mais era do que um acordo de comércio gerenciado pelos governos participantes. Embora o TPP tenha sido defendido por alguns economistas favoráveis ao livre comércio, o fato é que acordos comerciais gerenciados e controlados por governos representam uma extensão do estado regulatório e corporativista, e incluem várias intervenções governamentais criadas exatamente para favorecer poderosos grupos de interesse, não devendo jamais ser confundido com um genuíno livre comércio.

Um recente encontro entre Trump e a primeira-ministra do Reino Unido Theresa May havia dado a entender que o governo Trump estaria optando por uma abordagem melhor, envolvendo acordos bilaterais entre países. Isso seria bom.

Porém, e infelizmente, as notícias desta semana mostram que Trump parece estar agindo de acordo com as piores partes da agenda protecionista sobre a qual ele baseou sua campanha.


Sobre o autor

Tho Bishop

É consultor político da Bishop Associates, em Panama City Beach, Flórida, e diretor das mídias sociais do Mises Institute americano.

Comentários (106)

Deixe seu comentário

Há campos obrigatórios a serem preenchidos!