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Política

A questão não é o que Trump pode fazer; a questão é o que ele pode desfazer

Aqui vão três singelas sugestões

22/01/2017

A questão não é o que Trump pode fazer; a questão é o que ele pode desfazer

Aqui vão três singelas sugestões

Na sexta-feira, Donald Trump se tornou o 45º presidente dos Estados Unidos. Os eleitores americanos rejeitaram o diabo que eles conheciam tão bem -- Hillary Clinton -- e optaram pelo que não conheciam. Por que fizeram isso, e como Trump prevaleceu, é a maior história política da nossa era.

Mas a rejeição do arrogante orgulho progressista -- aquilo que Friedrich Hayek rotulou de "a arrogância fatal" daqueles que querem planejar nossas vidas -- é o cerne da história.

A esquerda vê a vitória de Trump como uma calamidade absoluta, não obstante Trump tenha as posições sociais e econômicas mais à esquerda da história do Partido Republicano. A esquerda o despreza não obstante ele defenda sindicatos e políticas comerciais protecionistas; não obstante ele pertença à elite chique e progressista de Nova York em vez de ser um desprezado político do interior caipira; e não obstante sua ambivalência em relação a questões morais caras aos cristãos conservadores.

Era de se imaginar que os Democratas estivessem aliviados com Trump, preferindo o magnata nova-iorquino a um ideólogo como Ted Cruz ou Rick Santorum. No entanto, a histeria dos progressistas e sua falta de conhecimento os levaram a atacar o funcionamento do Colégio Eleitoral americano, dentre todas as coisas.

Mas o fato é que os progressistas têm responsabilidade direta pela vitória de Trump. Eles erraram de maneira grosseira ao nomear Hillary Clinton, uma tecnocrata conhecida por sua avidez pelo poder e por sua frieza, a qual fracassou completamente em conseguir apelo perante o cidadão comum americano (daí sua vitória ter ocorrido exclusivamente em estados ricos e elitistas).

Eles mantiveram um ensurdecedor silêncio enquanto o governo Obama, tendo Hillary como Secretária de Estado, passou seus dois mandatos fazendo e expandindo guerras no Oriente Médio (houve uma época em que os progressistas se diziam contra guerras). Eles deram um passe livre aos escândalos envolvendo o governo Obama e a National Security Agency. Eles se regozijaram com a expansão de um executivo que mais se parecia um império e adoraram ver um judiciário ativista -- e agora estão em choque ao imaginar esses dois poderes fora de seu controle.

Mas pior de tudo: os progressistas envenenaram a América com sua obsessiva neurose em querer impor uma agenda politicamente correta que causa repulsa no cidadão comum, como querer que meninos urinem no banheiro de meninas, e rotular de "homofóbico" -- estando sujeito a multas e até mesmo a prisão -- qualquer indivíduo que diga que o casamento é algo que deve ocorrer apenas entre um homem e uma mulher. Ao envenenarem o país com uma falsa narrativa sobre racismo, sexismo, xenofobia e privilégios, como eles queriam que uma contra-reação não fosse o resultado?

Ao demonizarem a religião, a família tradicional, a história e o interior americano, os progressistas deliberadamente politizaram áreas inteiras da vida que simplesmente deveriam estar fora do escopo do governo. Política é guerra, mas também é negócio.

Por outro lado, a vitória de Trump não representa nenhuma vitória para os conservadores. A direita política, embora tenha instalado um Republicano na Casa Branca e tenha ganhado cadeiras no Congresso, está ideologicamente esfrangalhada. Ela é incapaz de apresentar uma ideologia minimamente coerente baseada em individualismo, capitalismo e oportunidades que contrabalance a narrativa progressista baseada na dependência e no vitimismo.

A agenda Republicana se resume a simplesmente ser menos progressista que a dos progressistas, a fazer uma engenharia social que leve a sociedade para outro ponto de chegada. O Partido Republicano, há muito tempo, abriu mão de qualquer defesa de um governo constitucionalmente limitado, como foi demonstrado pela desastrosa presidência de George W. Bush, caracterizada pela esbórnia fiscal e pela explosão da dívida.

Os republicanos continuam profundamente comprometidos com a ideologia do intervencionismo (interno e externo) e da derrubada de governos mundo a fora, uma doutrina política -- popularmente conhecida como "neoconservadorismo" -- que se originou na extrema-esquerda, e que hoje é capitaneada em sua quase totalidade por indivíduos ex-trotskistas que nunca abandonaram sua sanha intervencionista.

Os republicanos se recusam a abordar a questão do assistencialismo, tanto estruturalmente quanto -- ainda mais importante -- no sentido de rejeitar por completo o papel do governo na saúde e na Previdência. Acima de tudo, os conservadores abriram mão da guerra cultural: os progressistas hoje dominam a academia, a mídia, a literatura, as artes, as igrejas, as sinagogas e os conselhos administrativos ao redor da América.

Portanto, a pergunta não é o que Trump realmente pode fazer perante esse impasse político e cultural. Essa é a pergunta errada. O que realmente interessa é que ele pode desfazer, ou ao menos evitar fazer. A última coisa de que os EUA necessitam é de mais leis, New Deals ou Contratos com a América. O que o país realmente necessita é de menos controle político sobre a sociedade, o que significa menos envolvimento governamental nas questões econômicas, culturais e sociais do dia a dia.

Há como Trump optar pela abstenção e pela contenção, e não pela ação e pela intervenção, em algumas áreas?

Aqui vão três sugestões.

Primeiro, no que tange à política externa, Trump deveria levar a sério sua promessa de "América em primeiro lugar". Tanto a esquerda quanto a direita se opõem a isso, o que mostra que é uma ótima ideia. Os eleitores abertamente querem um fim aos intratáveis e ilógicos conflitos no Afeganistão e no Iraque, e não querem ver mais dólares sendo desperdiçados, e mais sangue sendo derramado, em tentativas de se instalar democracias ocidentais no sectário Oriente Médio.

Trump deve se manter fora da Síria, parar de agitar o sabre em direção ao Irã, e rejeitar os lunáticos pedidos de recriação de uma Guerra Fria contra a Rússia. Ele deve se recusar a normalizar a ideia de que guerras constantes são uma característica aceitável da vida americana.

Ao confiar em sua natureza empreendedora e fazedora de acordos e ao se recusar a iniciar -- ou intensificar -- conflitos, Trump poderia surpreender o mundo ao realmente apresentar uma América mais bondosa e gentil.

Segundo, Trump deve abordar com mais seriedade o Federal Reserve (o Banco Central americano). Ao ter a liberdade de comprar títulos do Tesouro e ao manter a taxa básica de juros próxima a zero, o Fed é quem, em última instância, realmente sustenta um Congresso viciado em déficits orçamentários, o que vem afetando a recuperação da economia americana. Com os juros em quase zero, os poupadores (principalmente os mais idosos) estão sendo dizimados, e os investimentos errôneos -- que são feitos apenas porque os juros são artificialmente baixos -- estão novamente criando bolhas por toda a economia, mais visivelmente no mercado de ações e no mercado imobiliário.

Entrevistar John Allison -- o ex-executivo do sólido banco BB&T que defende uma moeda forte -- para a vice-presidência do Fed foi um bom sinal. Já nomear Steven Mnuchin, ex-insider do Goldman Sachs, para o Tesouro foi algo que desafinou a partitura.

O Fed é a principal fonte de desajuste da economia, de modo que uma postura anti-Fed seria uma boa política e uma ótima propaganda política. É hora de acabar com o mito de que a política monetária pode tornar um país rico. Apenas para começar, Trump deveria pressionar o Congresso a aprovar o projeto de lei do Senador Rand Paul, que exige uma auditoria do Fed.

Finalmente, Trump deveria usar sua plataforma para continuar atacando o politicamente correto e sua ditadura anti-liberal. O politicamente correto não é apenas mais uma questão social, como aborto ou casamento gay; ele está na base de todas as outras questões, pois é uma tentativa de enquadrar como as pessoas devem pensar e falar. A consciente manipulação da linguagem é uma medida inerentemente autoritária, e o automático desdém de Trump pelo politicamente correto é algo que deve ser mais bem explorado.

Seu Twitter pode ser de grande serventia nesse aspecto.

 

Sobre o autor

Jeff Deist

É o atual presidente do Ludwig von Mises Institute.

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