Sempre que
há um feriado prolongado, várias pessoas dizem que foram os sindicatos e as intervenções
do governo que "humanizaram o capitalismo" ao nos dar a jornada de trabalho de
8 horas, a semana de cinco dias de trabalho, a abolição do trabalho infantil e
tudo mais.
Infelizmente,
essas pessoas inverteram as relações de causa e efeito.
Não fomos
nós que humanizamos o capitalismo; foi o capitalismo que nos humanizou. A riqueza produzida pelo capitalismo nos
permitiu satisfazer nossas demandas humanitárias de maneiras que não eram nem
sequer sonháveis em outras épocas, quando todos os seres humanos viviam,
diariamente, no limiar da sobrevivência.
Era absolutamente
impossível trabalhar apenas 8 horas por dia, ter uma semana de trabalho de apenas
40 horas, e abrir mão do trabalho infantil quando as condições materiais que
permitem esse luxo ainda não existiam. Ao contrário do que alguns gostam de
imaginar, os trabalhadores não trabalhavam longas jornadas e as crianças não trabalhavam
desde muito cedo porque os empregadores apontavam uma arma para suas cabeças. Igualmente,
eles não trabalhavam tanto só porque gostavam de laborar por longas, duras e desconfortáveis
horas.
Eles,
assim como nós, teriam preferido trabalhar menos, ganhar mais, e usufruir
melhores condições de trabalho. No entanto,
quando o capital — ferramentas tecnológicas, maquinários de alta produção, e
de meios de transporte rápidos e eficientes — é escasso, a produtividade é baixa. Sendo a produtividade baixa, os salários inevitavelmente
também serão baixos. Sendo assim, para se
alimentar toda uma família, serão necessárias várias horas de trabalho e muito
mais pessoas trabalhando.
Cuidando de si próprio
Como Ludwig
Von Mises nunca se cansou de repetir, foi a acumulação de capital o que tornou
o trabalho mais produtivo.
Capital
é tudo aquilo que aumenta a produtividade e, em última instância, o padrão de
vida de uma sociedade. Capital são todos os fatores de produção — como ferramentas,
maquinários, edificações, meios de transporte etc. — que tornam o trabalho
humano mais eficiente e produtivo.
Capital, em termos
físicos, são os ativos físicos das empresas e indústrias. São as
instalações, os maquinários, os estoques e os equipamentos de escritório de uma
fábrica ou de uma empresa qualquer.
Trabalhar menos e
produzir mais é o resultado direto da acumulação de capital. Assim como um
trator multiplica enormemente a produção agrícola em relação a uma enxada, o
uso de máquinas e equipamentos modernos multiplica enormemente a produtividade
dos trabalhadores — e, consequentemente, seus salários e sua qualidade de
vida.
Foi a acumulação
de capital ocorrida ao longo dos séculos o que permitiu que os trabalhadores
produzissem mais com menos horas de trabalho. Em decorrência disso, eles passaram
a poder alimentar a si próprios e a seus familiares — bem como educar seus
filhos — ao mesmo tempo em que trabalhavam menos horas.
Nos países ricos, em que
os trabalhadores possuem uma grande quantidade de maquinários e bens de capital
tecnológicos à sua disposição, tais trabalhadores tendem a ser mais
produtivos. Sendo assim, eles podem se dar ao luxo de trabalhar menos
horas. Já nos países ainda em desenvolvimento, que não usufruem de bens
de capital abundantes e de qualidade para seus trabalhadores — o que faz com
que eles sejam menos produtivos —, não há alternativa senão trabalhar mais
para produzir o mesmo tanto que um trabalhador de um país desenvolvido.
Os salários
dos trabalhadores dependem de sua produtividade e do valor daquilo que produzem
para os consumidores. Quando trabalhadores têm mais e melhores bens de capital
com os quais trabalhar, sua mão-de-obra se torna mais produtiva. E quando os
consumidores demandam aquilo que eles produzem, seus salários, por causa da
maior produtividade, podem aumentar.
Quando os
proprietários do capital — isto é, os donos dos meios de produção — têm de
concorrer pela mão-de-obra, eles têm de oferecer maiores salários para atrair
essa mão-de-obra mais produtiva, retirando-a de seus concorrentes. A consequência é que mais e melhores bens de
capital levam a maiores salários, e isso permite que mais famílias possam
sobreviver sem ter de colocar seus filhos para trabalhar, e que mais
trabalhadores e empresas possam reduzir as horas de trabalho e a jornada
semanal.
E todo
esse processo já estava a pleno vigor antes de qualquer tipo de sindicalização ou
de regulamentações governamentais sobre a jornada de trabalho. A linha de tendência
de queda nas horas de trabalho não foi
alterada quando sindicalizações e regulamentações governamentais começaram a
aparecer.

Horas semanais de trabalho na indústria, 1830-1997; a cada regulamentação que surge, a tendência de queda não é alterada
O economista Robert
Whaples observa que a jornada
semanal média vem caindo progressivamente desde os anos 1830.
Em 1938, quando o então
presidente americano Franklin Roosevelt assinou a Fair Labor
Standards Act (FLSA), uma lei que estipulava a jornada semanal máxima em 40
horas, tal lei já era praticamente desnecessária. Ao longo do século
anterior, as forças de mercado já haviam
derrubado a jornada semanal média nas indústrias, de quase 70 horas para
apenas 50 horas. Em outras indústrias, a jornada era ainda menor.
Em 1930, por exemplo, operários das ferrovias trabalhavam uma media de 42,9
horas por semana. Já os carvoeiros trabalhavam uma média de apenas 27
horas. (Confira os números aqui).
Henry Ford implantou uma
jornada semanal de 40 horas em 1926 porque ele acreditava que
consumidores com mais tempo livre iriam comprar mais produtos. Outras
grandes empresas fizeram o
mesmo. Apenas um ano depois, 262 grandes empresas já haviam adotado
uma semana de trabalho de 5 dias. Pela primeira vez na história, as
pessoas estavam usufruindo fins de semana livres.
De acordo com esse
trabalho acadêmico do economista Robert Whaples:
Mais de 80% dos
historiadores econômicos já aceitam a idéia de que "a redução na jornada
de trabalho semanal nas indústrias americanas antes da Grande Depressão
deveu-se majoritariamente ao crescimento econômico e aos aumentos salariais
gerados por esse crescimento econômico. Outras forças tiveram um papel
apenas secundário. Por exemplo, dois terços dos historiadores econômicos
rejeitam a proposta de que os esforços dos sindicatos foram a principal causa
da queda na jornada de trabalho antes da Grande Depressão.
E essa tendência
de queda nas horas de trabalho pode ser observada com ainda mais intensidade no
que diz respeito ao trabalho infantil.
No início
do século XIX, crianças trabalhavam ou na agricultura familiar ou nas
fábricas. Em ambos os casos, as famílias
necessitavam dessa contribuição do salário da criança para sobreviver.
O historiador
Steven Mintz, especialista em trabalho infantil, observa
que os salários de crianças entre 10 e 15 anos de idade "frequentemente
representavam 20% da renda da família e podiam significar a diferença entre
bem-estar e privação". Como também disse
Mintz, "nessa economia cooperativa familiar, as decisões essenciais [...] se
baseavam nas necessidades da família e não na escolha individual".
É claro
que se os pais daquela época fossem capazes de sobreviver sem ter de colocar
seus filhos para trabalhar, eles teriam feito isso, como demonstrado pela
relativa ausência de trabalho infantil entre as famílias mais ricas da época. O problema é que a maioria dos pais
simplesmente não podia se dar a esse luxo.
Quando uma demanda menor é algo bom
Evidências
de que foi a acumulação de capital, e não legislações, que reduziram o trabalho
infantil e a jornada de trabalho foram compiladas pelo historiador Clark
Nardinelli, que mostra o contínuo declínio das horas de trabalho infantil
nas fábricas britânicas de algodão e de linho nas duas décadas anteriores à promulgação
do Factory
Act de 1833 [que limitava a 10 horas por dia o trabalho infantil em
fábricas], bem como o contínuo declínio no trabalho infantil total nas fábricas
de seda até 1890, muito embora as leis de trabalho infantil não se aplicassem à indústria da seda.
Conjuntamente,
todos esses dados fornecem evidências do papel da elevação dos salários reais,
permitida pelo capitalismo, como a causa da redução do trabalho infantil ao
longo do século. Mesmo crianças que
trabalhavam na agricultura viram suas funções diminuírem à medida que
maquinários agrícolas de maior qualidade reduziram a necessidade do uso de mão-de-obra
infantil e aumentaram a produtividade, o que permitiu que proprietários de
terra contratassem mão-de-obra de fora da família.
Sim, não
há dúvidas de que as condições nas quais as crianças trabalhavam nas fábricas (e
ainda o fazem nos locais mais pobres do mundo) eram desagradáveis e desumanas
para os nossos padrões atuais; mas a vida no campo, trabalhando na lavoura,
certamente não era melhor. Provavelmente, era pior. Se levarmos em conta a
maior renda familiar e o maior acesso a recursos, principalmente remédios, disponíveis
à recém-formada mão-de-obra industrial urbana, a vida era, no geral, melhor
para crianças que trabalhavam nas fábricas do que para crianças que trabalhavam
na lavoura na geração anterior.
A conclusão
de Nardinelli merece ser citada:
A crescente renda real observada na
Grã-Bretanha do século XIX foi a mais importante força responsável por retirar
as crianças das fábricas têxteis após 1835. As crianças trabalhavam nas
fábricas porque suas famílias eram pobres; à medida que a renda das famílias
aumentou, a mão-de-obra infantil diminuiu.
Com efeito, à medida que a renda de uma determinada família aumentava,
seus filhos começavam a trabalhar em idades mais avançadas do que seus irmãos mais
velhos.
Aquela bem conhecida preocupação vitoriana
com as crianças surgiu, em grande parte, como um reflexo da renda
crescente. Era de se esperar que, graças
ao crescente aumento da renda na última metade do século XIX, a quantidade de mão-de-obra
infantil nas fábricas têxteis teria declinado sem qualquer legislação a
respeito.
É certo
que as leis tiveram algum efeito em dar um empurrão ao processo, mas a "mais
importante força" continua sendo o aumento na renda real produzido pelo
capitalismo e pela industrialização.
Contrariamente
à alegação de seus críticos, não foi o capitalismo quem criou a desagradável mão-de-obra
infantil. Esse tipo de trabalho sempre existiu nas famílias e no campo. E não por
uma questão de maldade, mas sim de necessidade econômica. O que obrigou
agricultores a colocar seus filhos para trabalhar foi o fato de que, como a
produtividade era baixa, tais pessoas simplesmente tinham de trabalhar 70-80
horas por semana se quisessem produzir o suficiente para comer.
Foi o
capitalismo e a acumulação de capital gerada pelo capitalismo quem permitiu o
desaparecimento do trabalho infantil entre as massas pela primeira vez na
história da humanidade, ainda que ele tenha, à primeira vista, tornado o
trabalho infantil mais visível ao movê-lo do campo para as fábricas.
Se o
problema fosse de tão fácil resolução, então tudo o que aqueles países do
Terceiro Mundo — cuja população, inclusive crianças, ainda trabalha muitas
horas por semana — têm de fazer para acabar com a pobreza, enriquecer e
usufruir mais horas de lazer é criar leis.
A sociedade
supera o ego
Por tudo
isso, é válido perguntar por que se tornou uma espécie de senso comum acreditar
que foram leis estatais que aboliram o trabalho infantil, as longas jornadas e
a semana de sete dias de trabalho. Meu palpite é que tal raciocínio provavelmente
é reflexo da nosso viés intelectual e evolutivo, o qual nos leva a acreditar
que de fato temos o poder de controlar o mundo social à nossa volta.
É mais
fácil, bem como mais moralmente satisfatório, acreditar que fomos nós que
intencionalmente abolimos algo desagradável ao simplesmente nos posicionarmos
contra ele. Não é fácil aceitarmos que o responsável por tudo foi um processo
que não controlamos diretamente.
Adicionalmente,
parece ser uma tendência que leis contra um comportamento antigo que julgamos
ser moralmente repreensível adquiram uma aura de santidade quando as práticas
em questão já majoritariamente desapareceram, fazendo com que os poucos
exemplos ainda remanescentes sejam ainda mais repreensíveis. Isso certamente é válido para alto enfoque
dado ao trabalho infantil ao mesmo tempo em que este foi rapidamente desaparecendo
ao redor do mundo, por causa da cada vez menor necessidade de renda infantil para
complementar a renda de uma família minimamente estruturada.
É mais
fácil legislar contra uma prática cuja necessidade econômica, ou mesmo conveniência,
já não existe mais. Leis proibindo o trabalho infantil e longas jornadas de
trabalho só foram possíveis de ser implantadas quando as famílias não mais
necessitavam daquelas horas extras de trabalho para sobreviver e propiciar uma
vida melhor para si próprias e para seus filhos.
O real
crédito pelo declínio do trabalho infantil e das longas jornadas de trabalho se
deve ao capitalismo e aos mercados concorrenciais, os quais permitiram a acumulação
e o crescimento do capital, o qual aumentou a produtividade da mão-de-obra e
enriqueceu tanto os capitalistas quanto os trabalhadores. Pessoas mais ricas podem se dar ao luxo de
trabalhar menos e viver melhor.
Sindicatos
e governos não humanizaram o capitalismo. Foi o capitalismo quem criou as condições
que permitiram que cada vez mais pessoas vivessem vidas verdadeiramente
humanas.
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