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Economia

Gastos públicos são lucros privados: quando o governo gasta, ganham os grandes e perdem os pequenos

Por isso, conter o crescimento dos gastos é absolutamente essencial e moral

06/10/2016

Gastos públicos são lucros privados: quando o governo gasta, ganham os grandes e perdem os pequenos

Por isso, conter o crescimento dos gastos é absolutamente essencial e moral

Eis algo que ainda não foi devidamente compreendido: quando os gastos do governo aumentam, os maiores beneficiados são alguns empresários privilegiados (ou ineficientes).  E os maiores prejudicados são os pagadores de impostos, da classe média ao pobre.

Defender aumento dos gastos do governo -- ou ser contra sua redução ou mesmo contra sua contenção -- é o equivalente a defender privilégios aos empresários favoritos do governo. 

Isso vale para todo e qualquer tipo de aumento de gastos. 

Se o governo disser que irá gastar mais com assistencialismo, os bancos irão financiar o déficit orçamentário do governo e os pagadores de impostos ficarão com os juros. 

Se o governo disser que irá gastar mais com saúde, além dos bancos, as empresas do ramo médico -- desde as grandes fornecedoras de equipamentos caros aos mais simples vendedores de luvas de borracha -- também irão lucrar mais. 

Se o governo disser que irá gastar mais com obras e investimentos públicos, além dos bancos, todas as empreiteiras selecionadas serão beneficiadas.

Se o governo disser que irá gastar mais com subsídios, além dos bancos, empresários e pecuaristas serão os privilegiados.

Se o governo disser que irá gastar mais com cultura, os grandes artistas e produtores serão os grandes ganhadores.

Para ser justo, tal constatação é tão óbvia, que até mesmo keynesianos defensores dos gastos do governo a reconhecem.  Um dos mais brilhantes representantes do keynesianismo, Hyman Minsky, deixou bem claro em que consistia todo o teatro keynesiano: endividar o contribuinte para engordar o capitalista.  Veja o que ele disse em um de seus livros mais importantes, Estabilizando uma Economia Instável:

Se o déficit público aumentar quando os investimentos privados e os lucros estiverem diminuindo, os lucros empresariais não irão diminuir tanto quanto diminuiriam na ausência deste déficit.  Com efeito, um Governo Grande serve para consolidar os lucros das empresas.

Direto ao ponto.  Sem embustes nem rodeios.  Tais palavras poderiam perfeitamente ser utilizadas no atual debate sobre a necessidade de conter os gastos do governo, a famosa "PEC do teto".

As três nefastas consequências dos gastos

A verdade é que não há nenhum mistério nisso.  E é estranho que poucos abordem as coisas desta maneira. 

Mas há muito mais.

Além da criação dos privilégios supracitados, a consequência mais explícita do aumento dos gastos do governo é o inchaço da máquina estatal e da burocracia.  Quanto mais o governo gasta, mais funcionários públicos ele contrata e, consequentemente, mais regulamentações e burocracias são criadas.  Logo, o peso da burocracia estatal cresce de acordo com os gastos.

Mais burocracia e mais regulamentações onerosas afetam diretamente a participação dos micro e pequenos empreendedores na economia, que não usufruem os mesmos privilégios dos grandes.  E as micro e pequenas empresas são responsáveis por gerar mais de 70% dos empregos na economia brasileira.  Com as micro e pequenas empresas prejudicadas, a geração de riqueza fica seriamente afetada.

Mas tudo piora.

Quando o governo gasta muito e gasta mais do que arrecada -- como continuamente faz o governo brasileiro --, ele normalmente recorre a duas medidas para se manter solvente: ou ele aumenta os impostos ou ele se endivida ainda mais.  Como aumentar impostos é impopular -- e, em vários casos, depende de aprovação do Congresso --, ele sempre recorre ao endividamento.

E quando o governo se endivida, isso significa que ele está tomando mais crédito junto ao setor privado.  E dado que o governo está tomando mais crédito, sobrará menos crédito disponível para financiar empreendimentos produtivos. 

E isso é fatal para as micro, pequenas e médias empresas.

Imagine que você seja uma empresa à procura de crédito.  Você consegue pagar juros de até, digamos, 12% ao ano.  Mas aí vem o governo federal, com déficits enormes, e oferta uma enxurrada de títulos pagando 14,25% ao ano. 

Como você vai concorrer com ele?  Se o banco pode emprestar a 14,25% para o governo, sem risco nenhum, por que ele emprestaria a 12% para você, e ainda correndo muito risco de calote?

Com o governo em cena competindo pelo crédito e se oferecendo para pagar 14,25% ao ano, a única forma de você conseguir algum crédito é se dispondo a pagar juros de, suponhamos, 20% ao ano.  Por menos que isso o banco não vai lhe emprestar.  É muito arriscado.  Ainda mais em uma economia já recessiva.

E 20% ao ano, em uma economia recessiva, você dificilmente terá condições de pagar.  Logo, ficará sem nada.  Você não conseguirá financiamento, não empreenderá e, consequentemente, não criará riqueza.

E o efeito ocorre em cascata.  Se as pessoas físicas podem emprestar para o governo -- via Tesouro Direto -- por 14,25% ao ano, então os bancos pequenos e as financeiras terão de ofertar CDBs, LCs, LCIs e LCAs a taxas muito mais altas para conseguir concorrer com o governo por essa captação. 

Tendo de pagar mais pela captação, os bancos pequenos e as financeiras terão de cobrar juros mais altos de pequenos empreendedores como você, que recorrem a eles. 

No final, o crédito para investimentos produtivos se torna proibitivamente caro -- por causa dos déficits do governo, gerados por seus altos gastos.

Se não fosse o governo, os bancos e as financeiras provavelmente teriam emprestado para você.  Mas com o governo em cena, suas chances se tornam praticamente nulas.

Apenas em 2015, o déficit orçamentário nominal do governo chegou a R$ 613 bilhões. Ou seja, foram R$ 613 bilhões que poderiam ter ido para investimentos produtivos e criado riqueza, mas que foram sugados pela burocracia estatal.

Portanto, dinheiro que poderia estar sendo emprestado para empresas investirem será direcionado para financiar os déficits do governo, fazendo com que vários investimentos ou não se concretizem ou se tornem financeiramente inviáveis por causa dos juros maiores causados pelo déficit do governo.  Neste segundo caso, o BNDES entra em cena com juros subsidiados por nossos impostos para socorrer os grandes, agravando ainda mais o problema dos pequenos (veja a explicação aqui).

Por último, e não menos importante, há o efeito inerentemente inflacionário dos déficits.  Os déficits orçamentários do governo são financiados pela emissão de títulos do Tesouro, os quais são majoritariamente comprados por uma lista exclusiva de bancos privilegiados, os chamados dealers primários.  E estes bancos privilegiados compram títulos do Tesouro por meio da pura e simples criação de dinheiro.

Déficits são, portanto, uma medida inerentemente inflacionária, a qual gera uma pressão direta sobre os preços.  E inflação de preços, como já comprovado, desorganiza toda a economia e ainda prejudica o poder de compra dos pequenos.

Conclusão

Não há escapatória: quando o estado gasta muito e se endivida, de um lado ele está garantindo os lucros de seus empresários favoritos e dos grupos organizados que ele adula; de outro, ele está encarecendo os investimentos produtivos e prejudicando os micro, pequenos e médio empresários. 

E afetando o poder de compra de toda a população.

Vale ressaltar que tentar combater os déficits orçamentários por meio do aumento de impostos apenas agrava tudo o que foi dito: os privilegiados seguem impávidos, a burocracia e as regulamentações mantidas pelos gastos do governo seguem intocadas e sufocando os pequenos, e estes agora têm de bancar tudo com mais impostos.

Por tudo isso, a ideia de limitar o crescimento anual das despesas do governo à inflação de preços (IPCA) do ano anterior, embora longe do ideal, já representaria um grande avanço em relação à verdadeira esbórnia que impera hoje, em que os gastos do governo aumentam sem qualquer critério.

De 2006 a 2015, o gasto não-financeiro do governo (com pessoal, custeio, programas sociais e investimentos) cresceu 93% acima da inflação e chegou a R$ 1,16 trilhão — com a regra defendida pela atual equipe econômica, o atual volume dos gastos do governo estaria em "apenas" R$ 600 bilhões.

Mais ainda: em 15 anos, os gastos do governo só não cresceram acima da inflação uma única vez.

A atual medida é boa, porém, ainda é insuficiente.  Pode-se fazer muito mais.  Em vez de apenas limitar o crescimento dos gastos, por que não cortar diretamente os gastos? 

Isso sim faria uma verdadeira redistribuição de renda.  E da maneira certa.

Por fim, vale ressaltar a ironia: os maldosos libertários defensores da contenção dos gastos e do déficit zero são aqueles que, no final, se recusam a enriquecer vários torpes capitalistas e privilegiados por meio da espoliação dos pagadores de impostos; já os intervencionistas "defensores do povo" são os principais aliados dos grandes empresários e privilegiados que obtêm grandes lucros simplesmente porque se beneficiam das consequências do aumento dos gastos do governo e do déficit público.

Gastos públicos são lucros privados.  É uma lástima que algumas pessoas ainda não tenham entendido de que lado realmente estão e quais interesses privados estão defendendo.

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Juan Ramón Rallo é diretor do Instituto Juan de Mariana e professor associado de economia aplicada na Universidad Rey Juan Carlos, em Madri.  É o autor do livro Los Errores de la Vieja Economía.

Leandro Roque é o editor e tradutor do site do Instituto Ludwig von Mises Brasil.


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